Vítimas da cheia do Rio Madeira continuam desamparadas, denunciam movimentos
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- 22/01/2015
CPT e outras organizações sociais em Rondônia divulgam Nota em que relatam as dificuldades que ainda vivem as famílias vítimas das cheias do rio Madeira. Passado um ano, algumas ainda moram em barracas da Defesa Civil. Confira o documento:
No Baixo Madeira tem gente! Na beira do Rio tem vida! Ao contrário do que é ensinado na escola, que negligencia a história da existência dos povos ribeirinhos no estado de Rondônia e sua realidade. Lá se pode encontrar uma cultura, um modo de vida constituído através dos conhecimentos ancestrais, que perpassam de geração em geração e vão para além da educação formal, garantindo o sentimento de pertença territorial e cultural.
As comunidades ribeirinhas são produtoras de parte significativa da produção agrícola do município de Porto Velho/RO. Afinal, de onde vem a farinha, o peixe, o açaí, a banana, a macaxeira, a melancia que abastece o mercado da capital? Extrativistas, pescadores, agricultores de várzeas, são eles, exemplos de que é possível produzir, viver e conviver com a natureza, numa relação produtiva que não agride e nem destroi, mas garante a preservação da Amazônia e a vida do Rio.
No grupo musical Minhas Raízes, do Distrito de Nazaré, a resistência cultural manifesta em arte, e das marcas deixadas por Seu Manoel, o desejo de que se preserve a Amazônia.
Desde a busca ao ouro, passando pelos ciclos da borracha, a extração da madeira e a invasão da pecuária extensiva até o hidronegócio, esses povos vêm sofrendo agressões ao seu modo de vida, e silenciosamente sendo expulsos, sem direitos e perspectivas. Com a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio são, mais uma vez, afetados, tendo em vista a mudança da dinâmica do rio com grande cheia, alterando o jeito de viver, destruindo florestas, plantações, casas, comunidades inteiras.
Os ribeirinhos relatam que a vegetação da beira do rio foi alterada com a cheia, primeiro restou um deserto, e agora plantas diferentes invadem o rio. Do açaí da beira do rio pouco restou. Os jornais noticiam a mortandade de peixes que devido às barragens não conseguiram subir o rio para o processo natural de desova.
“A vida do ribeirinho segue o ritmo do rio”, como este foi alterado: as enchentes levaram plantações inteiras e as sementes e mudas perderam-se; sem sementes e sem confiança de que plantando colherão, os ribeirinhos aguardam para entender novamente o rio, o rio que eles conheciam há séculos, o rio que era amigo e provedor, o rio agora preso pela ganância do capital.
O povo ribeirinho segue abandonado, na incerteza de como será, se a enchente virá, se será maior ou menor. Relatam que ninguém apareceu depois da enchente. Se a assistência foi precária durante a cheia, depois dela o povo ficou completamente abandonado, sem informações, sem auxílio. O Estado é omisso: não responsabiliza o empreendimento (Usinas Hidrelétricas) pelas mazelas pelas quais passam os ribeirinhos e não oferece as condições necessárias para permanência, readaptação e reassentamento das comunidades atingidas.
Por outro lado, grande parte da sociedade desconhece a realidade enfrentada pelas populações do Baixo Madeira. Por que escondem essa gente como se fossem poucos ou nem existissem?
OS RIBEIRINHOS EXISTEM E RESISTEM!
Falando das enchentes, um senhor dizia: “Muita gente vem aqui, mas se preocupam mais com animal do que com gente!”.
Retirados da área de alagação, a Defesa Civil deixou comunidades inteiras abandonadas à própria sorte. As cestas básicas e água mineral chegam no máximo até os distritos, enquanto isso comunidades seguem bebendo água sem tratamento, direto do Rio Madeira.
Ao longo das margens do Rio madeira, quase um ano pós-enchente, encontram-se famílias morando nas barracas da Defesa Civil, outros nem isso têm. Famílias inteiras vivem em cima de um barco, correndo contra o tempo pra construir uma casinha bem no alto, rezando para que a enchente não seja maior.
Desabrigados, muitas casas destruídas, famílias contam com a solidariedade de quem cedeu parte de sua área de moradia para que outros ali construíssem. A promessa de remoção feita às comunidades de Nazaré e São Carlos até agora não foi cumprida. E o ribeirinho vê o rio subindo, temeroso de uma nova enchente, mas não preparado para ela.
Enquanto empresas e Estado não deram conta nem mesmo dos investimentos como compensação das usinas, nem foram capazes de reparar os impactos sofridos por inúmeras comunidades, já se estuda a implantação da hidrelétrica de Tabajara no Rio Machado, que novamente irá impactar essas comunidades. A agroindústria para produção de farinha na comunidade de Demarcação, obra realizada como compensação das usinas, além de não estar concluída, foi também atingida pela enchente.
Relatos indicam que muitos não receberam o auxílio de cinco parcelas de R$500,00 que foi anunciado. Alguns dizem que nem foram cadastrados, outros que embora cadastrados relatam que não receberam regularmente, faltando parcelas.
O processo de expulsão das comunidades ribeirinhas e da invasão do agro e hidronegócio tem sido silencioso. Não temos a dimensão real de quantas famílias já deixaram o Baixo Madeira após a enchente. Comunidades foram se juntando e formando um núcleo único. Conveniente ao Estado que não irá indenizar e nem mesmo reassentar essas tantas famílias que tiveram suas vidas roubadas em nome do progresso, perambulando entre Porto Velho e Humaitá, tornando-se mão de obra disponível para servir aos interesses do capital e serem exploradas em condições desumanas nos centros urbanos.
Comprometidos em contribuir para a permanência dos povos ribeirinhos e a preservação da sua cultura e modo de vida, respeitando e reconhecendo a importância das relações produtivas estabelecidas nessas comunidades, que confirmam a viabilidade e necessidade de construir alternativas de produção pautadas na agroecologia, a partir do conhecimento dos povos.
Movimentos e organizações sociais desceram o Baixo Madeira na primeira quinzena de janeiro, visitando comunidades ribeirinhas e dialogando sobre a realidade enfrentada por estas. E vem a público denunciar o descaso do Estado e das empresas responsáveis pelos empreendimentos para com essas comunidades, que novamente poderão ser afetadas pelas cheias e impactadas pela construção da hidrelétrica de Tabajara.
Enquanto isso, aguarda engavetado pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Herculano Martins Nacif, o processo que permitiria a realização de novos Estudos de Impactos Ambientais das obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
Movimentos se juntam ao grito que vem das águas e dos povos ribeirinhos para exigir que o Estado e empresas cumpram as pautas assumidas:
- De reposição das áreas produtivas próximas ao rio e lugares que permitam atividades extrativistas, garantam alimentos e água potável;
- Para as comunidades onde as novas terras já estão definidas para iniciar de imediato o processo de demarcação e construção de casas e das infraestruturas necessárias;
- Que seja garantido o processo de diálogo que atenda às necessidades das comunidades e as pautas que venham a ser elencadas por estas.
Ainda, se vier a ocorrer uma nova cheia, que seja garantido um melhor aparato da Defesa Civil para que as famílias não sofram as mesmas privações da cheia anterior.
Vida e resistência aos povos ribeirinhos! Água e energia não são mercadoria!
MAB-Movimento dos Atingidos por Barragens
CPT-Comissão Pastoral da Terra
MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Projeto Pe. Ezequiel Ramin