Estado brasileiro responderá publicamente sobre massacre de indígenas em seus territórios
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- Correio da Cidadania
- 19/10/2015
Descaso com moradores de Piquiá de Baixo, no Maranhão, também será debatido. Governo e sociedade civil vão estar frente a frente em audiência na OEA
O Estado brasileiro terá que responder publicamente sobre o massacre de indígenas durante audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Além de se manifestar sobre as violações aos direitos dos povos indígenas, o Brasil também terá que se explicar sobre o descaso no reassentamento dos 1.100 moradores de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), que há 25 anos lutam para evitar a contaminação causada por usinas siderúrgicas, integrantes da cadeia de mineração comandada pela megaempresa Vale em seu território. A audiência ocorrerá nesta terça-feira, dia 20, em Washington, nos Estados Unidos, às 12h15 (horário de Brasília).
No caso dos indígenas, as organizações da sociedade civil mostrarão como o Estado é conivente com a morte desses povos. Apenas em 2014, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registrou 138 assassinatos e 135 casos de suicídios. Mais uma vez, o Mato Grosso do Sul foi destaque, em ambas estatísticas: foram 41 assassinatos e 48 suicídios.
O alto índice de mortalidade na infância também é preocupante. Dados deste mesmo ano da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) apontam um total de 785 mortes de crianças entre 0 e 5 anos. Em Altamira, no Pará, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141,84 por mil.
O Cimi também registrou, no ano passado, 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras indígenas. No Pará, estado com o maior número de casos, o não reconhecimento destas terras tradicionais está diretamente ligado às intenções do governo federal em construir grandes hidrelétricas, como é o caso da usina São Luiz do Tapajós.
Outros elementos da ofensiva aos direitos indígenas também aparecem na atuação do Judiciário, como nas recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulam atos administrativos, do Poder Executivo, de demarcação das terras indígenas Guyrarokpá, do povo Guarani-Kaiowá, e Limão Verde, dos Terena, no Mato Grosso do Sul, e Porquinhos, do povos Canela-Apãniekra, no Maranhão.
O Legislativo, por sua vez, avança sobre os direitos indígenas com projetos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas, titular territórios quilombolas e criar unidades de conservação ambiental, submetendo decisões técnico-administrativas a disputas políticas e interesses econômicos. O Projeto de Lei 1610/96, que permite a exploração mineral em terras indígenas, é outro exemplo de proposta que ofende os direitos constitucionais dos povos indígenas.
Impactos do trem na porta de casa
As mais de 300 famílias de Piquiá de Baixo lutam para conseguir reassentamento em um novo local, longe das indústrias siderúrgicas, que chegaram ao bairro há 25 anos, contaminando água, ar e solo. As enfermidades mais recorrentes estão associadas a problemas respiratórios, oftalmológicos e de pele que, inclusive, têm causado a morte de muitas pessoas, especialmente crianças e idosos. Além disso, o depósito da escória (rejeitos) da siderurgia a poucos metros das residências vem causando acidentes em Piquiá, inclusive fatais.
Além do impacto da siderurgia, os moradores também convivem com os problemas de contaminação causados pelo entreposto de minérios da Vale ao lado do bairro, assim como os provenientes da Estrada de Ferro Carajás (EFC) - também controlada pela empresa - que passa a poucos metros das residências. Atualmente, os moradores já conquistaram na Justiça o direito de serem reassentados. Todavia, é essencial que o Estado deixe de postergar a seleção e a contratação do projeto de mudança dos moradores, entre outras ações.
Em Açailândia, a audiência da OEA será transmitida ao vivo na Câmara de Vereadores. A concentração será a partir das 10h.
Para a advogada Raphaela Lopes, da organização Justiça Global, a audiência será um importante momento para visibilizar as violências que o Estado brasileiro, muitas vezes em associação com entes privados, tem cometido contra o direito a terra e ao território de grupos indígenas e comunidades.
"A paralisação nos processos demarcatórios de terras indígenas é um elemento crucial na perpetração de ofensas contra a vida e integridade física e psicológica de povos indígenas. Já a comunidade de Piquiá de Baixo sofre há muitos anos com a poluição provocada por empresas siderúrgicas em seu território, que se instalaram depois que a comunidade já estava lá. Estes são apenas dois exemplos do sacrifício de direitos de comunidades inteiras em prol de um projeto de desenvolvimento que viola direitos. O Estado brasileiro precisa ser responsabilizado".
O pedido da audiência foi feito pelas organizações: Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá (ACMP), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede de Ação e Informação “Alimentação Primeiro” (Fian), Federación Internacional de Derechos Humanos (FIDH), International Alliance of Inhabitants (IAI), Justiça Global, Justiça nos Trilhos, Plataforma Dhesca e Vivat International.
A audiência poderá ser acompanhada ao vivo às 12h15 (horário de Brasília) por meio do site da CIDH http://original.livestream.com/OASLive
Fonte: Justiça Global.