Luaty Beirão, rapper angolano, anuncia fim de greve de fome
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- Correio da Cidadania
- 28/10/2015
O ativista escreve aos companheiros detidos e à sociedade. A greve de fome chegou ao fim. Leia aqui a “Carta aos meus companheiros de prisão”.
É a notícia do fim da greve de fome de Luaty Beirão. Em carta enviada à redação do Rede Angola pela família de Beirão, escrita pelo ativista e dedicada aos seus 14 companheiros detidos e à sociedade civil, Luaty Beirão, ao fim de 36 dias, anunciou o fim da greve de fome que iniciou dia 21 de setembro, em protesto contra o excesso de prisão preventiva.
A “Carta aos meus companheiros de prisão” começa, tal como as detenções dos ativistas, na data que deu início àqueles que se contabilizam hoje em 129 dias de detenção: 20 de Junho de 2015.
“Junho vai longe. Passámos muitos dias presos em celas solitárias, alguns sem comer, com muitas saudades de quem nos é próximo. Pelo caminho sentimos a solidariedade da maioria dos prisioneiros e funcionários. Tivemos apoio de família e amigos”.
Detidos em diferentes estabelecimentos prisionais por mais de quatro meses – Estabelecimento Prisional de Calomboloca, Unidade Prisional do Kakila, Hospital Psiquiátrico e Comarca Central de Luanda –, unanimemente acusados de “atos preparatórios para prática de rebelião e atentado contra o presidente da República”, de momento, todos os ativistas se encontram no hospital-prisão de São Paulo.
Luaty Beirão, internado na Clínica Girassol, em Luanda, desde o dia 15 de Outubro – transferido pelos serviços prisionais por se encontrar em estágio avançado de greve de fome -, conseguiu, devido ao acesso a mais visitas e consumo de informação, aperceber-se dos movimentos de solidariedade e indignação em relação ao processo.
“Tive a oportunidade de me aperceber do que nos espera lá fora e queria partilhar convosco o que vi: Vi pessoas da nossa sociedade, que lutaram pelo nosso país e viveram o que estamos a viver, a saírem da sombra e a comprometerem-se em nossa defesa, para que a História não se repita. Vi pessoas de várias partes do mundo, organizações de cariz civil, personalidades, desconhecidos com experiências de luta na primeira pessoa que, sozinhos ou em grupo, se aglomeram no pedido da nossa libertação. Já o sentíamos antes, mas não com esta dimensão”, conta Luaty aos seus companheiros.
É um texto de um, e para todos os prisioneiros políticos. São eles: Domingos da Cruz, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessia Chiconda “Samussuku”, Inocêncio Brito, Sedrick de Carvalho, Fernando Tomás Nicola, Nelson Dibango, Arante Kivuvu, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Osvaldo Caholo, Manuel Baptista Chivonde Nito Alves e Albano Evaristo Bingo.
A 21 de outubro, o grupo de detidos pediu a Luaty Beirão que parasse com a greve de fome.
Desde a detenção dos ativistas, vários são os grupos de apoio nacionais e internacionais que apelam à libertação dos presos políticos em Angola, exigindo justiça e celeridade para a resolução do processo. Organizações, tal como a Anistia Internacional (AI), a OMUNGA, a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), o Grupo de Apoio aos Presos Políticos Angolanos (GAPPA), a Organização das Nações Unidas (ONU) e União Europeia (UE), entre outras, tornaram-se voz ativa na exigência pelo respeito aos Direitos Humanos no país.
A sociedade civil, através de várias vigílias pacíficas e ações de solidariedade em diferentes países, apoia as famílias dos detidos e reclama “Liberdade Já”. Grito com início num movimento que surgiu pela libertação de todos os presos políticos de Angola.
Angola, Brasil, Portugal, Reino Unido, EUA, são, entre outros, alguns dos países que têm em agenda humanitária e informativa o caso dos “15+2”. À sociedade, Luaty dedica as seguintes palavras:
“Não vou desistir de lutar, nem abandonar os meus companheiros e todas as pessoas que manifestaram tanto amor e que me encheram o coração. Muito obrigado. Espero que a sociedade civil nacional e internacional e todo este apoio da mídia não pare”.
As ações de solidariedade não têm sido, no entanto, bem recebidas por todos. Em diferentes órgãos de comunicação nacionais, muitas são as linhas de críticas escritas devido ao envolvimento externo no apelo à resolução do processo. As mais comuns têm Portugal como destinatário.
A título de exemplo, na rubrica A Palavra do Diretor, intitulada ” De Portugal nada se espera”, o órgão de comunicação estatal Jornal de Angola, através da assinatura de José Ribeiro, invocando o passado, registra que se está “perante um episódio produzido pelos profissionais que garantiram a melhor cobertura à guerra do criminoso Jonas Savimbi e do regime de apartheid e hoje se apresentam travestidos de democratas e defensores dos direitos humanos”.
Os profissionais são, entre outros nomeados, os jornalistas portugueses ou os detentores de órgãos de comunicação. “A central mediática que está na primeira linha dessa operação em Portugal pertence a Francisco Pinto Balsemão, militante com o cartão n.º1 do Partido Social Democrata (PSD) e articula-se entre os canais SIC, o semanário “Expresso” e toda a rede de publicações do Grupo Impresa”, acusa José Ribeiro.
São também já conhecidas as duras críticas à presença em Angola, e envolvimento no apelo à libertação dos ativistas, da eurodeputada Ana Gomes; ou a repressão às vigílias por parte da Polícia Nacional.
Por tudo isso, Luaty alerta para o fato da força ainda parecer “desproporcional”, referindo que, apesar do caso ter servido para expor a “fragilidade” de quem governa, a “prepotência, incompetência e má fé” continuam presentes na gestão do processo.
Para as atitudes acima descritas, Luaty diz o que já muitas vez repetiu: “Vamos dar as costas. E voltar amanhã de novo”, anunciando por fim: “Vou parar a greve.”
De momento, há que contabilizar, para além dos 15 detidos em Junho, as ativistas Laurinda Alves e Rosa Conde, constituídas arguidas do mesmo processo a 31 de agosto e a aguardar julgamento em liberdade.
E ainda Domingos Magno, detido no dia 15 de Outubro por “falsa qualidade”, ao ter na sua posse indevidamente um passe de imprensa que lhe daria acesso à Assembleia, onde pretendia assistir ao discurso sobre o Estado da Nação.
É também considerado preso político Marcos Mavungo, detido há seis meses e condenado, no dia 14 de setembro, a seis anos de prisão, acusado do crime de rebelião contra o Estado. E Arão Bula Tempo, acusado formalmente de crime de rebelião e instigação à guerra civil. É sobre todos eles que Luaty fala.
“Estou inocente do que nos acusam e assumo o fim da minha greve de fome. Sem resposta quanto ao meu pedido para aguardarmos o julgamento em liberdade, só posso esperar que os responsáveis do nosso país também parem a sua greve humanitária e de justiça. De todos os modos, a máscara já caiu. A vitória já aconteceu”, afirma.
Segue-se um pedido:
“Abracemos todo o amor que recebemos e agarremos todas as ferramentas. Juntos. Já não somos os ‘arruaceiros’. Já não somos os ‘jovens revús’. Já não estamos sós. Em Angola, somos todos necessários. Somos todos revolucionários”.
Por fim, o ativista assina, em luta pacífica, por “uma verdadeira transformação social” em Angola.
O julgamento decorrerá entre 16 e 20 de novembro.