Correio da Cidadania

Fiscais do trabalho repudiam comenda a acusado pela Chacina de Unaí

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Florianópolis (SC) - A condecoração do fazendeiro e prefeito de Unaí (MG), Antério Mânica (PSDB) pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais causou indignação aos participantes do 26º Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Enafit), na capital catarinense. Antério é acusado (junto com seu irmão Norberto) de ter encomendado a execução de quatro integrantes de uma equipe fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 28 de janeiro de 2003. O crime ficou conhecido como Chacina de Unaí.

 

Antério recebeu a Medalha da Ordem do Mérito em cerimônia no Palácio das Artes, nesta segunda-feira (24). Três auditores fiscais - Eratóstenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages - e o motorista da equipe, Aílton Pereira de Oliveira, morreram no ataque violento com armas de fogo na Chacina de Unaí. Os fiscais atingidos morreram na hora, mas Aílton, mesmo ferido à bala, conseguiu conduzir o carro até a estrada principal, chegou a ser socorrido, mas acabou não resistindo.

 

Nesta sexta-feira (28), a Chacina de Unaí completará 58 meses. Ainda não houve julgamento sobre o caso. Em janeiro, serão cinco anos sem que os culpados tenham sido punidos. Na tarde da última terça-feira (25), uma moção de repúdio proposta pela Associação de Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFT/MG) foi lida durante o Enafit.

 

"A categoria mineira se sentiu agredida, levamos um bofetão dos ditos representantes do povo. Mas estamos recebendo apoio unânime da categoria de auditores fiscais", disse José Augusto de Paula Freitas, presidente da AAFT/MG. Norberto Mânica e seus irmãos - Luiz Antônio e Celso - também foram flagrados explorando mão-de-obra degradante em Unaí (MG).

 

Na opinião de Rosa Jorge, que preside o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a homenagem dos deputados estaduais mineiros foi uma afronta. "No momento em que se fala em ética, condecorar alguém sob o qual pesa uma acusação de ser mandante dos assassinatos de agentes do Estado é um absurdo", declara a dirigente sindical.

 

Os auditores fiscais presentes no encontro nacional aprovaram a publicação da moção de repúdio proposta pela AAFT/MG em nome de toda categoria. "Vamos mostrar nossa indignação a todos que estiverem a nosso alcance", adiciona a presidente do Sinait. "As provas são suficientes para comprovar a ligação dele com o crime. Tanto que ele já foi indiciado. Foi um crime bárbaro".

 

Que mérito?

 

Rosa Jorge questiona inclusive o mérito da medalha, pois muitos moradores de Unaí reprovam a gestão de Antério. Nas urnas, porém, ele mostrou força. A despeito das acusações, foi reeleito nas eleições municipais deste ano com quase 60% dos votos válidos.

 

Segundo a representante do Sinait, o inquérito da Polícia Federal e do Ministério Público apresenta o incômodo causado pelas multas impostas pelos auditores, principalmente Nelson José da Silva, como motivação do crime. "Ele [Nelson] era o alvo principal porque levava a fiscalização a sério. Para ele, era como uma missão fazer com que os direitos dos trabalhadores fossem garantidos", conta José Augusto, presidente da AAFT/MG.

 

Nelson já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas. De 1995 a 2004, houve ao menos sete inspeções em propriedades pertencentes à família Mânica, em que foram lavrados 30 autos de infração relativos a irregularidades.

 

Ex-colega de João Batista e Eratóstenes, o auditor fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG), Vander Rossi Nunes Pinto, declara que não se surpreendeu com a comenda concedida pela Assembléia Legislativa mineira. "A política é assim mesmo, não me surpreendo, não há mais ética no exercício da política", lamenta.

 

O procurador federal Mauro Hauschild, que é diretor da Escola da Advocacia-Geral da União (AGU), também se pronunciou sobre a Chacina de Unaí durante o encontro. O Sinait, contou, fez uma solicitação para que a AGU tente agilizar a tramitação do processo como parte interessada, em nome do Estado. De acordo com Mauro, ainda há recursos pendentes e é possível propor ações cíveis para indenizar as famílias e o Estado.

 

"Os danos causados são irreparáveis financeiramente, mas é preciso que se faça isso em nome do Estado. A atuação política diante de tantos casos de violência contra médicos peritos - cujas estatísticas são altas - impõe que o Estado se mobilize e não deixe que casos assim continuem acontecendo. Enquanto não agimos, temos notícia de que pessoas estão sendo agraciadas pela sociedade", comentou, em clara referência ao caso de Antério Mânica.

 

Confissão?

 

Rosa Jorge lembrou ainda de um outro episódio polêmico envolvendo representantes da população no Parlamento. Numa espécie de desabafo durante audiência pública conjunta das comissões de Agricultura e de Meio Ambiente da Câmara Federal realizada na terça-feira passada (18), o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS) afirmou que produtores agropecuários estão sendo pressionados pelos bancos, pela carga tributária, pelos ambientalistas e pela atuação do MTE.

 

Durante a audiência que tinha como objetivo debater "A real possibilidade de ocupação econômica do território nacional em vista da legislação ambiental e da legislação vigentes no país", Luís Carlos Heinze defendeu o segmento ruralista que "está gerando hoje 40% do PIB [Produto Interno Bruto]" e ajudou o país a acumular os R$ 200 bilhões de reservas brasileiras.

 

"O Brasil não está numa crise maior porque foi esse povo que plantou soja no seu estado, e que exportaram laranja, suíno, frango, leite, boi...", analisou o parlamentar gaúcho. "Quem está gerando riqueza nesse país", diz ele, "está sendo varrido de cima de suas propriedades: primeiro pelos bancos, segundo pela carga tributária e agora pelos ambientalistas (...) e também pelo pessoal do Ministério do Trabalho".

 

Ele foi ainda mais longe na sua explanação (ouça trecho). "Aqui em Goiás, e até isso acontece, os caras tiveram que matar um fiscal, de tão acuado que estava esse povo... O cara não agüenta mais. Pelo amor de Deus!", disse. "A sociedade brasileira tem que estar do lado da gente que produz".

 

O deputado federal Luís Carlos Heinze é titular da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR). "Vamos tentar entrar com uma ação para provar que houve quebra de decoro parlamentar", conta Rosa Jorge, presidente do Sinait.

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