Correio da Cidadania

Balanço da luta camponesa em 2008

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O governo brasileiro intensificou seu apoio ao agronegócio priorizando o Programa de Agrocombustíveis, a partir do etanol, atendendo aos interesses de grandes empresas nacionais e do capital internacional. Além de procurar regularizar a grilagem de terras na Amazônia e de alienar partes extensas do território nacional às empresas transnacionais, o governo disponibilizou recursos públicos ao agronegócio. Só o setor sucroalcooleiro recebeu este ano mais de R$ 6,4 bilhões, apenas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que aplica os recursos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador - também no agronegócio. Essa política de incentivo aos agrocombustíveis só aumentou em 2008, sendo que no final do ano houve uma forte redução nos projetos programados, tendo em vista que a crise financeira internacional, logo no seu início, impactou fortemente a atividade sucroalcooleira. Essa redução de investimento denunciou, mais uma vez, a fragilidade e a conhecida dependência desse setor quanto aos recursos públicos e à ação do Estado.

 

A Reforma Agrária está paralisada, sem que o governo cumpra a função de adotar o conjunto de medidas indispensáveis para valorizar e multiplicar a agricultura familiar e camponesa, atacar e reverter a elevada concentração da propriedade da terra no Brasil, que é uma das maiores do mundo. Transformou-se em um mero programa de assentamentos, que está bastante aquém das próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) elaborado no início do Governo. O ano de 2008 foi o pior para Reforma Agrária no governo Lula. O número de famílias assentadas correspondeu a, apenas, cerca de 20 % do total das famílias assentadas em 2007, desempenho que, por sua vez, já estava abaixo da meta estabelecida.

 

Além de abandonar o II PNRA, o governo e os seus órgãos responsáveis pela Reforma Agrária - Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) - permaneceram omissos na solução de questões centrais e estratégicas para a Reforma Agrária no país. Questões que foram assumidas como bandeiras de lutas pelos movimentos sociais do campo, a exemplo do limite da Propriedade da Terra; da aferição da função social da propriedade a partir dos requisitos amplos definidos na Constituição Federal; da revogação da medida provisória que reprime os trabalhadores em suas ocupações de latifúndios improdutivos; da aprovação do Projeto de Emenda à Constituição contra o trabalho escravo; além da  atualização dos índices de produtividade para ampliar a desapropriação de terras.

 

No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma, mesmo que tenha vontade política de demarcar os territórios quilombolas, o INCRA não dispõe de pessoal capacitado e de estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de relatórios técnicos. O resultado disso foi o insignificante número das comunidades tituladas durante o governo Lula: apenas 8 comunidades em todo Brasil , dentre um universo de três mil.  O agronegócio tem exercido pressões contrárias à titulação dessas terras e, infelizmente, o governo tem sido mais sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores ligados ao agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o direito de auto-identificação, conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.

 

No Nordeste brasileiro a situação é ainda mais perversa. As usinas historicamente violam os direitos trabalhistas e negam a função social da terra. Promovem também a constante degradação do meio ambiente, seja através do desmatamento, seja pela poluição dos rios da zona canavieira nordestina provocada pelo constante derramamento do vinhoto, substância tóxica resultante da produção de álcool etílico pelas usinas, bem como pelo uso intensivo de agrotóxicos que contaminam o solo e os cursos de água. Os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, e Rio Grande do Norte, aumentaram, em média, 25% a produção de cana-de-açúcar sobre as áreas de produção de alimentos e da mata nativa. Como conseqüência aumentou o preço dos alimentos. Os governos federal e estadual permaneceram na Zona da Mata nordestina sem cobrar os débitos milionários de muitas usinas. Em vez de executar essas dívidas fiscais e tributárias e, por essa via, obter terras para assentar trabalhadores e trabalhadoras, os governos facilitam o perdão ou securitização das dívidas, favorecendo novos financiamentos para devedores crônicos e reincidentes.

 

Um dos maiores desafios para os movimentos sociais e entidades de direitos humanos foi o enfrentamento ao trabalho escravo nas usinas de cana de açúcar. Várias denúncias foram feitas aos órgãos competentes e apenas algumas originaram um procedimento de fiscalização efetivo e sério por parte do Ministério Público do Trabalho. Alagoas que até então não figurava na relação dos Estados que mais tinham incidência de trabalho escravo, nesse ano de 2008 ficou em terceiro lugar, seguindo-se aos estados de Goiás e do Pará. Foram registrados 656 trabalhadores libertados, na operação chamada "Zumbi dos Palmares". Já em Pernambuco aconteceram três operações nas quais foram resgatados cerca de 700 cortadores de cana submetidos a trabalho degradante e em situação similar à escravidão. As usinas autuadas foram a Usina Ipojuca, localizada no município de mesmo nome, e a usina Vitória, no município de Palmares, pertencente ao futuro prefeito local, conhecido como Beto da Usina. Algumas Usinas fiscalizadas pela força-tarefa chegaram a ser interditadas. Após inspeções judiciais, porém, todas foram liberadas.

 

No sertão nordestino, se intensifica o crescimento do agronegócio, com o decisivo apoio dos governos, através de ações e de recursos públicos. É o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, na fruticultura irrigada em Pernambuco, com uso intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e, sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores. O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco é mais um projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó paraibano, a exploração das atividades de mineração faz aumentar a grilagem de terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.

 

Em Pernambuco, o governo estadual articula um diabólico projeto para levar a cana-de-açúcar para o sertão do Araripe, irrigando grandes empreendimentos com recursos dos pernambucanos e submetendo também os sertanejos, historicamente produtores de alimentos, a um modelo produtivo concentrador de terra e de renda, bem como historicamente gerador de trabalho escravo e degradante, de baixos índices de desenvolvimento humano. O governo pernambucano não tem se diferenciado do federal e dos demais governos nordestinos na omissão frente aos pleitos dos camponeses e de seus movimentos e nas concessões ao agronegócio, tendo articulado ativamente o apoio do governo Lula aos usineiros e fornecedores de cana pernambucanos. Além disso, o governo tem atuando fortemente para conter as fiscalizações e as autuações do Ministério de Meio Ambiente e do Ibama, frente aos graves danos ambientais causados pelo setor sucroalcooleiro do estado.

 

Os trabalhadores (as) e os movimentos sociais não assistiram de braços cruzados a essa injustificável omissão dos governos federal e estaduais diante da Reforma Agrária, em claro favorecimento ao latifúndio e ao agronegócio. Em todo o Nordeste resistiram e se mobilizaram, nos acampamentos e nos assentamentos que continuam privados de investimentos e de ações governamentais, apresentando propostas e reivindicações, bem como lutando contra essa conjuntura que tem se mostrado desfavorável para o avanço da Reforma Agrária e da justiça social e fundiária. Os movimentos sociais no campo seguirão firmes em 2009, como fizeram em 2008, enfrentando os desafios para reverter as omissões governamentais e para conter o avanço desenfreado da violência no campo, que caminha junto com o avanço do agro-hidronegócio e das empresas transnacionais.

Para além de resistir, os trabalhadores rurais continuaram demonstrando, com suas lutas e com propostas produtivas concretas, que a construção de um país soberano, justo e sustentável somente será possível com o fortalecimento da agricultura camponesa e com uma reforma agrária verdadeira e profunda.

 

Fonte: Comissão Pastoral da Terra - Nordeste

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