Correio da Cidadania

Ruralistas querem excluir Maranhão da Amazônia Legal

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Pecuaristas, empresários e prefeitos do Sul do Maranhão se uniram para defender a exclusão do estado do território da Amazônia Legal. Parte dos municípios maranhenses (Imperatriz, Açailândia, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu e Itinga do Maranhão, entre outros) faz parte da Amazônia Legal, área em que vigora a regra de preservação de 80% da Reserva Legal, ou seja, apenas 20% das propriedades podem ser desmatadas para uso econômico.

 

Com o intuito de modificar essas restrições, o Sindicato dos Produtores Rurais de Açailândia (MA) e de Imperatriz (MA), bem como as dez prefeituras que fazem parte da Associação dos Municípios da Região Tocantina (AMRT) e a Associação Comercial e Industrial de Imperatriz, divulgaram a "Carta Aberta da Região Tocantina", em que defendem a redução dos limites de preservação da Reserva Legal e Área de Proteção Permanente (APP) - matas ciliares, cobertura vegetal de nascentes etc. - para 35%, seguindo a proporção atualmente adotada para as fazendas localizadas no Cerrado. 

 

Para esses segmentos, a exclusão do Maranhão da Amazônia Legal proporcionaria mais benefícios para a região, já que os empreendimentos agropecuários seriam estimulados, favorecendo a geração de emprego e renda, "variáveis que interferem diretamente nas questões sociais e na melhoria da qualidade de vida da população". Eles enxergam "falta de sensibilidade com as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável que são próprios do nosso estado e, em especial, da nossa região" em algumas das recentes medidas do governo federal para o combate ao desmatamento na Amazônia.

 

Segundo eles, essas ações "põem em risco o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade da nossa economia, antes estimulada para o desenvolvimento do setor agropecuário, responsável pelos avanços até a presente data". Localiza-se, próximo às fronteiras que unem Maranhão, Pará e Tocantins, no chamado Bico do Papagaio (entre os rios Araguaia e Tocantins), uma das maiores concentrações de casos de trabalho escravo no país.

 

Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Açailândia, José Egídio Quintal sustenta que "o aumento (da área passível de desmate) é uma necessidade do desenvolvimento sustentável, pois a região em questão é uma área de transição e não Amazônia propriamente dita". Propriedade do próprio José Egídio foi alvo de flagrante de trabalho escravo em recente operação do grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

 

Na própria Carta Aberta a nas declarações do pecuarista José Egídio, porém, a confusão com os números referentes à Reserva Legal fica patente. Apesar de defender que o estado como um todo seja excluído da Amazônia Legal e que a regra do Cerrado (preservação de 35% das áreas) passe a ser adotada, outro item do documento estabelece que, nas propriedades ainda não exploradas, seja adotado o limite de 50% nas áreas de florestas, “de forma a evitar tratamento diferenciado e com o princípio constitucional da isonomia”.

 

O próprio José Egídio declara que "não é contra a preservação ambiental, mas que as fronteiras do agronegócio de fato já foram abertas" e propõe o limite de 50% para a Reserva Legal. Além da permissão para desmatar uma porcentagem maior da terra, os produtores rurais querem também que o reflorestamento com espécies exóticas seja aceito como parte da área preservada, além da compensação com outras áreas dentro do próprio estado e da contrapartida financeira em troca da "renúncia à derrubada das matas".

 

Na época da construção da Rodovia Transamazônica, lembrou o ruralista José Egídio, o governo incentivava e até exigia a abertura das fronteiras. Para ele, hoje é muito difícil manter a floresta intacta: conservar 80% de Reserva Legal, como determina o Código Florestal, é "impossível".

 

De quebra, os fazendeiros pedem ainda que o governo estadual do Maranhão e o Fórum dos Governadores da Amazônia Legal (cujas propostas, como a regularização fundiária em caráter de urgência, contam com o apoio dos signatários da Carta Aberta), "adotem medidas que possam produzir efeitos legais no sentido de suspender ações impetradas pelos órgãos ambientais, bem como a suspensão temporária dos processos administrativos e judiciais já iniciados, inclusive quanto à aplicação de multas que venham a punir produtores rurais, até que o Zoneamento Ecológico-Econômico e o Macrozoneamento da Amazônia sejam concluídos".

 

Eles requisitam ainda que o governo estadual faça uma "gestão junto ao governo federal" para suspender os efeitos da Resolução 3.545, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que proíbe a liberação de recursos do crédito rural oficial à proprietários rurais que não estejam em dia com a documentação de titularidade fundiária e de regularidade ambiental. 

 

Depois da divulgação da "Carta Aberta da Região Tocantina" em agosto do ano passado, uma comissão representando os fazendeiros foi a Brasília em novembro último para apresentar seus pleitos.

 

Movimentos sociais repudiam ideia

 

O padre Dário Bossi, da Paróquia São João Batista, em Açailândia (MA), ressalta que os pedidos dos fazendeiros estão sendo colocados em prática há muito tempo. Para ele, a necessidade de novos empréstimos bancários justifica a mais recente mobilização dos pecuaristas, prefeitos e empresários locais. O religioso ressaltou ainda que o governo estadual é um dos principais destinatários da Carta Aberta, pois os ruralistas apostam na possibilidade de que uma lei estadual possa referendar e legitimar a exclusão de parte dos municípios maranhenses da Amazônia Legal.

 

Em resposta ao manifesto dos fazendeiros que foi divulgado e publicado nos jornais locais, os movimentos sociais e organizações da região prepararam uma mobilização defendendo a manutenção do Maranhão na Amazônia Legal.

 

Milton Teixeira, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), em Açailândia (MA), conta que, de reuniões organizadas a partir de setembro de 2008, emergiu o documento de reação e protesto intitulado "O Maranhão é Amazônia e seu povo quer manter sua identidade!".

 

Na visão dos movimentos que aderiram à mobilização, as reivindicações dos ruralistas significam apenas "aumentar o número de bois e diminuir o número de pequenos produtores rurais, expulsando-os para as periferias das cidades", que resultam no trabalho infantil e na exploração sexual, na violência urbana e em "outros frutos da semente do trabalho escravo".

 

"Por que os interesses econômicos dos que pensam e querem somente um desenvolvimento meramente extrativista e depredador devem prevalecer sobre a vida, devastando e condenando à morte milhares de pessoas, animais e espécies vegetais?", indagam os movimentos na resposta aos fazendeiros. "Aos poucos, mesmo sem a atenção da grande mídia, foram sendo extintas comunidades inteiras de ribeirinhos, quebradeiras-de-côco, castanheiros, seringueiros, índios, quilombos, dando lugar a grande rebanhos de gado, imensos plantios de soja e de eucalipto".

 

Juntamente com a manutenção de parte do Maranhão na Amazônia Legal (que requer o compromisso do Estado Brasileiro na defesa da preservação de 80% da Reserva Legal das propriedades da região), os movimentos condenam o processo de grilagem de terras e apontam o risco da autorização de espécies exóticas em substituição à mata nativa. A aprovação desse último item, segundo eles, "levaria ao triunfo da monocultura do ‘deserto verde’ de eucalipto, cujas conseqüências em termos de empobrecimento do solo e das águas profundas são cientificamente demonstradas e gravíssimas".

 

Os representantes da sociedade civil contrários à manifestação dos fazendeiros solicitaram ainda que a Gerência Regional do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Imperatriz (MA) seja "reforçada economicamente e acreditada politicamente". "Todas as ações impetradas pelos órgãos ambientais, as multas aplicadas, bem como todos os processos administrativos e judiciais já iniciados são legítimos", colocam os movimentos sociais que assinam o documento "O Maranhão é Amazônia e seu povo quer manter sua identidade".

 

A suspensão desses instrumentos de punição até a conclusão do Zoneamento Ecológico-Econômico é rechaçada pelo grupo. "O ZEE está sendo implementado exatamente para estruturar e garantir a continuidade de aplicação de todas essas medidas", adicionam. Espera-se que, quando o ZEE for concluído, a destinação e utilização das terras se torne mais clara e a liberação de recursos de créditos rurais oficiais seja menos ambígua. "Até lá, a sociedade civil organizada aqui representada exige que se mantenha a aplicação da lei e concorda com o bloqueio de financiamentos a proprietários rurais pelo Banco Central do Brasil", emendam.

 

"Nossa carta está circulando o Brasil todo e continua recebendo adesões. Nossa resposta está bem clara nela. Televisões, rádios e jornais locais receberam representantes do movimento em defesa da Amazônia Legal e deram espaço às nossas idéias", relata o padre Dário, de Açailândia (MA).

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