Alagoas: a miséria que vem da cana
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- Andrea
- 10/03/2009
Carta aberta dos Movimentos Sociais que ocupam a Fazenda Campo Verde em Branquinha do Grupo João Lira, agora Acampamento 8 de Março
Com a chegada dos portugueses ao Brasil, a relação com a terra foi alterada. Anteriores a 1500, os povos indígenas tinham uma convivência harmônica com a natureza e a terra era considerada um bem natural de todos. Com a presença da metrópole, a terra passou a ser mercadoria e a ter dono, que no início era a Coroa. Em 1850, com a primeira lei de terras, as mesmas foram privatizadas para evitar que os negros que foram "libertos" em 1888 tivessem acesso.
A agricultura praticada e incentivada pelos portugueses sempre foi baseada na grande extensão de terras (latifúndio), na mão-de-obra escrava (índia e negra) e mais tarde na super-exploração dos assalariados (como é até hoje). E seu principal objetivo sempre foi a exportação.
Em Alagoas, a dominação do território se deu à custa do sangue do povo Caeté, no suor e no sangue do povo negro e na destruição da mata atlântica. A base da economia foi e é a produção de cana-de-açúcar para produção de açúcar e, mais recentemente, de etanol.
Em torno da cana nasceu e se fortaleceu uma elite que determina os rumos do povo alagoano. Os usineiros, como ficou conhecida esta categoria, aprisionaram o Estado e impuseram uma escravidão "moderna" à sociedade alagoana.
Na pequena Alagoas, formada por 102 municípios, 57 são produtores de cana-de-açúcar. Os usineiros e fornecedores abocanharam 410.835 hectares de terra, o equivalente a 63,95% da área agricultável do estado, gerando apenas um emprego a cada 6,6 hectares de terra.
Essa ânsia desenfreada de explorar a natureza e o ser humano criou um estado de alguns ricos (cerca de 20 famílias), uma legião de empobrecidos – 56% dos alagoanos vivem abaixo da linha da pobreza – e uma concentração de terras que insulta o conceito de democracia.
Pesa, ainda, sobre o setor o calote dado ao PRODUBAN, que levou o banco dos alagoanos a falência, e a relação de exploração dos canavieiros que cortam uma tonelada de cana para receber - quando recebem - em média 4 reais. Numa fiscalização do grupo móvel realizada nas usinas de cana-de-açúcar de Alagoas foram libertos cerca de 600 assalariados vivendo em condições análogas à escravidão.
A forma como essa atividade econômica vem sendo desenvolvida fere o artigo 186 da Constituição Federal, que reza que a terra tem de cumprir sua função social. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho.
Apoiados no que determina a Constituição Federal, em nome da natureza que "geme", e da memória dos índios e negros que foram mortos e dos canavieiros explorados, os movimentos sociais do campo (MST, CPT, MLST e MMC) ocuparam nesta madrugada a fazenda Campo Verde, em Branquinha, de "propriedade" do grupo João Lyra e cobram a desapropriação do imóvel por não cumprir a sua função social. O grupo João Lyra foi notificado no ano passado por prática de trabalho escravo; na ocasião o grupo móvel do Ministério do Trabalho libertou 61 trabalhadores em áreas da usina Laginha.
Continuaremos a nossa luta em defesa da reforma agrária e cobraremos que o art. 184 da Constituição Federal que diz que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, seja cumprido e que o imóvel seja desapropriado para fins de reforma agrária.
Substituir a lavoura da cana destinada à produção de açúcar e etanol por alimentos é o objetivo da ocupação, garantindo a soberania alimentar e levando alimentos limpos e diversificados para a mesa dos mais pobres.
A coordenação dos movimentos vai protocolar, na terça-feira (10) o pedido da desapropriação do imóvel no INCRA e solicitar do superintendente, Gilberto Coutinho, agilidade no processo.
Branquinha-AL, 10 de março de 2009,
Pelo limite da propriedade da terra, em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento de Libertação dos Sem Terra e Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).