Stora Enso e Aracruz Celulose pressionam o governo para expandir o deserto verde na Bahia
- Detalhes
- Andrea
- 11/03/2009
Para a sociedade civil o governo da Bahia confirma o que o Padre José vem afirmando ao longo dos anos: que o extremo sul é refém das empresas de celulose. Antes bem disfarçadamente o governo defendia e apoiava. Agora, não tem disfarce. Desde os convites do Instituto de Meio Ambiente (IMA) para a oficina onde deveria ser ‘discutida’ a expansão da empresa Veracel Celulose. Dos presentes, poucos não faziam parte da cadeia ligada à empresa de celulose. A maioria dos presentes era de alguma forma beneficiário da empresa. Funcionários diretos; das empresas prestadoras de serviços, fomentados etc.
A programação já veio definida: duas apresentações do IMA e uma apresentação da Veracel que levou 30 minutos mostrando as vantagens que a empresa trouxe para região: agricultura consorciada com eucalipto, projetos sociais como uma farinheira em União Baiana, município de Itagimirim, cursos de corte e costura em outros municípios e localização das terras onde devem ser alvo dos novos plantios de eucalipto: região sul da Bahia e mais 2978 novos postos de trabalho.
Mas as poucas pessoas presentes não se conformaram e diante de muita resistência a diretora do IMA abriu espaço para que a sociedade pudesse participar. Foram questionadas desde a manipulação dos convites pela empresa até a programação imposta. Lucas Leite, vereador do município de Eunápolis afirmou que em visita feita pelos membros da Câmara de Vereadores, a convite da empresa poucos dias antes, ele teve a oportunidade de conhecer a vergonha que a empresa chama de agricultura consorciada com eucalipto, de milho, feijão, mandioca etc. Para Lucas Leite não passa de uma tentativa da empresa de enganar a população, pois, o projeto não tem como funcionar. "Mesmo com muito produtos químicos para adubação, a plantação está raquítica, desnutrida. Com a quantidade de produtos usados para manter a farsa e também os venenos usados na plantação de eucalipto, eu, como engenheiro agrônomo, considero impróprias para consumo."
O Ministério Público de Eunápolis fez uma observação importante, que a empresa está com as licenças canceladas pela Justiça Federal e que enquanto a ação não for concluída a empresa está atuando ilegalmente. Lembrou também que não existe o Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE) da região, conforme exige a Legislação Ambiental da Bahia. O Zoneamento deveria ser a base para qualquer projeto regional. A Avaliação Ambiental Estratégia que deveria ter antecedido antes do EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto no Meio Ambiebte) também não está concluído. "Não existe sequer discriminatória do que é área urbana e área rural, o IMA deu uma licença para plantio de eucalipto na Av. Fadini, em Eunápolis. Uma vergonha" conclui o Promotor de Justiça.
A presidente da Associação de Moradores do Distrito de União Bahiana (AMDUB), município de Itagimirim, esclareceu aos presentes que não existe farinheira construída pela Veracel neste município como a empresa tem anunciado. A farinheira foi construída pelo município, no governo de Gildo Gonçalves, com um recurso oriundo de uma emenda parlamentar do deputado estadual Eraldo Rocha. Por enquanto a Veracel cedeu apenas uma área para a comunidade plantar mandioca, através de um contrato de comodato, com duração de três anos, assinado em junho de 2008, cuja cultura somente foi plantada no mês de novembro de 2008. Portanto ainda não existe produção. Contudo, antes da assinatura do comodato a empresa distribuiu o jornal Semana, nº 31, de 29 de fevereiro de 2008. Em uma das reuniões com a comunidade onde mostrava a produção de goma oriundas desta área o jornal afirmava: "O distrito de União Baiana, localizado no município de Itagimirim, já está colhendo os resultados do projeto Roça do Povo. O projeto está beneficiando mais de cem famílias pela produção de mandioca e farinha, e foi desenvolvido por meio do programa Formação de Redes Sociais, em funcionamento desde setembro de 2006". Segundo a presidente, a comunidade foi muito prejudicada com o plantio de eucalipto. "A comunidade ficou isolada pelo eucaliptal e muitos trabalhadores perderam seus postos de trabalho em decorrência da venda de terras. Os produtores e moradores antigos que estão nas áreas vizinhas com os plantios da empresa já percebem que a água está ficando escassa".
O representante do MST acusou o estado de conivente e incentivador do plantio de eucalipto. ‘O IMA tem dificultado o processo de reforma agrária no extremo sul. O IMA tentou impedir que os últimos assentamentos recebessem o dinheiro destinado para construção da nossa agrovila". E prossegue dizendo que "o governo tem que fomentar as discussões é no sentido de resolver os problemas causados pela monocultura de eucalipto. Tem que pensar e solucionar o problema de centenas de famílias que vivem acampadas nas estradas, embaixo da lona preta, no sol escaldante esperando a reforma agrária acontecer de fato para garantir alimento para seus filhos e filhas."
E também o representante do Movimento de Luta pela Terra informou aos presentes que a Veracel tem eucalipto plantado em terras reivindicadas pelos índios Pataxó e plantios em terras devolutas. "As terras devolutas, segundo a Constituição Federal Brasileira devem ser destinadas para a reforma agrária, ao invés de beneficiar empresas e grupos estrangeiros". Ele ressaltou ainda a falta de alimentos produzidos pelos pequenos agricultores neste município e os preços altos dos produtos consumidos culturalmente que chegam a Eunápolis de municípios distantes como Vitória no Espírito Santo e Vitória da Conquista, respectivamente a 500 e 400 quilômetros de distância.
Houve também o depoimento de um ‘fomento’ que descreveu com detalhes as irregularidades que aconteceram em relação ao licenciamento ambiental da sua propriedade. Segundo o senhor Ademar, após assinar o contrato de fomento com a Veracel ela enviou uma empresa terceirizada que fez todo o serviço: desmatou, jogou veneno e plantou o eucalipto. A empresa cuidou do licenciamento ambiental e ele nunca teve acesso a este licenciamento. Seu Ademar só ficou sabendo através da imprensa que a licença da sua propriedade foi cancelada por manipulação do conselho. Até hoje a Veracel não deu nenhuma explicação ou tentou resolver o problema.
Por considerar danosa em todos os sentidos, diversas entidades assinaram um documento pedindo a moratória do plantio de eucalipto e NÃO licenciamento para uma nova empresa, a Veracel II. "A expansão desenfreada da monocultura de eucalipto vem provocando também conflitos sócio-ambientais e violações dos direitos humanos como a ocupação ilegal de terras indígenas; ocupação de terras devolutas; o desrespeito aos direitos das populações tradicionais; o agravamento das condições da agricultura familiar e camponesa; a paralisação da reforma agrária; a elevação constante dos preços de terra na região; a favelização crescente da população expulsa para as periferias das cidades onde são obrigadas a sobreviver em condições subumanas; o desabastecimento e insegurança alimentar provocados pela diminuição do número de famílias agricultoras e pela destinação exagerada de terras apenas para a monocultura e, finalmente, a falta de adoção de ações afirmativas para um desenvolvimento sustentável e inclusivo".
Este documento está fundamentado na Constituição Federal Brasileira, artigo 225, que diz: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
Mesmo diante de tantas denúncias o governo da Bahia, através do Instituto de Meio Ambiente, continuou com a farsa. À tarde, a oficina contou com da participação de 60% de pessoas ligadas à empresa, 30% de pessoas do governo (municipal e estadual) e apenas 10% da sociedade civil. O Instituto de Meio Ambiente distribuiu um questionário com perguntas que conotam a decisão do governo estadual de conceder as licenças solicitadas a qualquer custo, tais como: ‘Que medidas mitigadoras e compensatórias podem ser adotadas em relação aos impactos negativos’. Ou ainda: ‘você como representante de sua entidade, de que modo pode contribuir para o desenvolvimento das ações e acompanhamento do empreendimento’?
No relatório, "Silvicultura de Eucalipto no Sul e Extremo Sul da Bahia: Situação Atual e Perspectivas Ambientais", publicado em dezembro de 2008, o próprio governo admite "a grave falta de governança, pois não há ordenamento nem zoneamento do território; não há coordenação das intervenções públicas relativas aos plantios de eucalipto na região; não há políticas agrícolas, não há políticas fundiárias, não há controle da legalidade da venda de terras; não há estudos/normas específicas estabelecendo índices recomendáveis de ocupações para as plantações por municípios; não há um mapeamento que proporcione uma visão de conjunto dos conflitos antigos e atuais, nem do status nem do tratamento dados aos mesmos nas esferas administrativas de diversos órgãos atuantes na região ou judiciário. A impressão que se tem é que as condicionantes das licenças ambientais são percebidas como os únicos instrumentos de governança na região..."
Diante disto, a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, repudia o comportamento da Veracel Celulose bem como a conivência e omissão do Estado da Bahia.
Março de 2009.
REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE