Ato denuncia despejo em massa no extremo sul de São Paulo
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- Danilo Dara, Brasil de Fato
- 13/03/2009
Seu Irineu chegou a São Paulo, ao bairro do Cocaia, há quase 30 anos, fugindo da seca do sertão pernambucano. Constituiu família, construiu sua casa de alvenaria com suas próprias mãos, o que lhe deixava orgulhoso. Junto à esposa, criou seus oito filhos, "à custa de muito trabalho e sacrifício". Numa quinta-feira no início de 2009, recebeu a visita de uma pessoa que se dizia assistente social da prefeitura, e que prometia benfeitorias para a comunidade. Seu Irineu conta que ela pegou seu nome, documentos, e "disse que eu devia assinar um cadastro. Era muito simpática a moça, de fala bonita".
Menos de uma semana depois, viu uma algazarra, um falatório, uma aglomeração. Aproximou-se, e lá estava a mesma mulher num palanque, dizendo para todas as pessoas, reunidas num campinho de futebol enlameado, que eram obrigadas a deixar suas casas num prazo de dez dias, que eram invasores, que tudo ali seria derrubado. "E como fica nossa situação?", questionou seu Irineu.
"Um cheque de 8 mil reais: é isso, ou sair sem nada!, foi o que disse a mulher", relembra o homem. Ele conta ter visto muitos moradores confusos, os quais, com medo, aceitaram o cheque, que já vinha com o nome de cada um, assinado pelo "Consórcio Santa Bárbara". "A prefeitura queria dar só 5 mil, mas a empreiteira deu mais 3 mil para não ter problema; é pegar ou largar!', pressionava a mulher". Seu Irineu pegou, e, cinco dias depois, tinha em mãos diversas passagens rodoviárias: sem alternativa, iria mandar toda sua família de volta para sua terra natal, em Pernambuco. Todos, menos ele, porque o dinheiro não dava para a mudança e passagem de todos. "Vou morar de favor, até conseguir comprar minha passagem", conclui.
Situação limite
Esta é a situação de centenas de famílias do Cocaia, do Gaivotas, do Cantinho do Céu e de outras tantas comunidades localizadas nos distritos do Grajaú e Capela do Socorro, no extremo sul da zona sul de São Paulo. A grande maioria delas, muito próximas às represas Billings e Guarapiranga. Comunidades constituídas por dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, tendo visto negados os seus direitos mais elementares, desde sempre batalharam pela sobrevivência e por uma vida digna para si e para suas famílias, entre seus bairros periféricos e a busca de perspectivas no centro da cidade. São mulheres, homens, crianças e idosos fadados a uma difícil sina, geralmente demarcada pela origem nordestina e a cor escura da pele: a condenação a diversos tipos de exploração na megalópole paulistana ou, quando deixam de dar lucro às empresas, e a especulação imobiliária torna-se um negócio mais vantajoso na região onde vivem, são expulsos para regiões cada vez mais periféricas e precárias. Em resposta a essa situação, muitos moradores e apoiadores estão fizeram nesta sexta-feira, 13, uma manifestação política na Av. Dona Belmira Marin, uma das principais da região, e um ato em frente à Subprefeitura da Capela do Socorro.
Parte dessas famílias já havia sido expulsa, nos mesmos termos, das regiões onde se consolidaram as grandes operações urbanas Faria Lima, Vila Olímpia, Águas Espraiadas, localizadas ao longo de todo o milionário eixo sudoeste da cidade. Os argumentos geralmente são os mesmos: invasores que não têm direito às suas casas (muitas vezes com décadas e décadas de usocapião), muito menos podem atrapalhar os empreendimentos imobiliários.
No caso do extremo sul, a ênfase retórica recai sobre dois outros argumentos, cada vez mais em voga: morar em área de risco e de proteção ambiental. Em relação a esse problema, diversos urbanistas e movimentos sociais da cidade apontam que a solução seria uma verdadeira reforma urbana, com planejamento para a cidade como um todo, investimento em infra-estrutura e habitação social, e não a expulsão das famílias, lhes dando em troca um "cheque-despejo" de 5 ou 8 mil reais. Experiências semelhantes demonstraram que, com esse dinheiro, quando muito, ou se consegue adquirir um novo barraco na beira de (outra) represa, numa área mais distante, ou a passagem de ônibus para nova incerteza no norte, deixando para trás a história construída e os direitos conquistados no sul. É o caso de Seu Irineu e família, e de milhares como ele.
Extremo Sul
Segundo o Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CEDECA) de Interlagos, que atua na região, na prática já são mais de três mil famílias sendo despejadas pelo programa de urbanização "Mananciais", em articulação com a "Operação Defesa das Águas". Em nota, a entidade denuncia: "o referido programa de urbanização, apesar de possuir em seu orçamento verbas para atender a população que precisa ser retirada dos locais onde mora, apresenta como ação concreta apenas o oferecimento de um cheque de oito mil reais como indenização a cada família. (...) O programa prevê intervenção em 80 comunidades da zona sul de São Paulo. Só no Parque Cocaia I, cerca de mil famílias e, pelo menos, três mil pessoas. Entre elas, são muitas as crianças e os adolescentes que serão deixados na rua". Não é segredo para ninguém que, dentre os principais financiadores da eleição de Gilberto Kassab para a prefeitura de São Paulo, estavam grandes empreiteiras e incorporadoras do setor.
Uma das últimas etapas para a preparação do terreno, literalmente, dos tais "projetos de urbanização" chegou há cerca de um mês no Parque Cocaia I (na parte chamada Jardim Toca): o ultimato para saída dos barracos. Muitos moradores do bairro receberam um prazo de dez dias para que se retirassem de suas casas. Esse prazo, para muitas dessas famílias, se encerra amanhã, dia 14 de março de 2009.
(Colaboraram Gustavo Mello e Rodrigo Gomes)