Correio da Cidadania

Trabalhadores da cultura ocupam Funarte

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Cerca de 300 trabalhadores da cultura ocuparam, nesta sexta-feira (27), a sede da Fundação Nacional das Artes (Funarte), na cidade de São Paulo. O ato foi organizado pelo Movimento 27 de Março, que reúne os grupos Redemoinho, Teatro de Rua de SP e Roda de Fomento. Os manifestantes exigem mudanças nos mecanismos que hoje regulam o fomento à cultura e que são, em sua maioria, regulados pela Lei Rouanet.

 

A legislação proporciona isenção fiscal para as empresas que investirem em áreas ligadas às artes plásticas, teatro, dança ou música. Segundo Roberta, uma trabalhadora que não quis se identificar, isso gera uma lógica mercadológica para o incentivo à cultura, pois só recebem dinheiro os projetos que dão lucro para as empresas.

 

"O nosso produto (teatro, artes plásticas, dança e música) é encarado como mercadoria, e esse não é o seu propósito. A nossa intenção é que essa cultura chegue a todos, que haja um acesso democrático a ela. No entanto, as propostas do governo caminham para a privatização da cultura. Ou seja, estamos com nossos editais atrelados às verbas de empresas privadas", critica.

 

Os trabalhadores reivindicam o fim do mecanismo de isenção fiscal da Lei Rouanet, a criação de um fundo público de financiamento para a cultura e que a área tenha um orçamento mínimo anual definido por lei. Além disso, querem o descongelamento dos 75% do Orçamento da União para o Ministério da Cultura.

 

Uma representante do Ministério deverá ir ao local, ainda nesta sexta-feira, para ouvir as propostas dos trabalhadores.

***

Confira abaixo o documento divulgado pelos manifestantes durante a ocupação

CARTA ABERTA AO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

Hoje, no Dia Mundial do Teatro, nós, trabalhadores de grupos teatrais de São Paulo organizados no Movimento 27 de Março, somos obrigados a ocupar as dependências da Funarte na cidade. A atitude extrema é provocada pelo falso diálogo proposto pelo governo federal, que teima em nos usar num debate de mão única. Cobramos, ao contrário, o diálogo honesto e democrático que nos tem sido negado.

 

O governo impõe um único programa: a transferência de recursos públicos para o marketing privado, o que não contempla a cultura mas grandes empresas que não fazem cultura. E se recusa, sistematicamente, a discutir qualquer outra alternativa.

Trocando em miúdos.

 

O Profic – Programa de Fomento e Incentivo à Cultura, que Vv. Ss. apresentam para discussão como substituto ao Pronac, que já existe, sustenta-se sobre a mesma coisa: Fundo Nacional de Cultura – FNC, patrocínios privados com dinheiro público (o tal incentivo/renúncia fiscal que todos conhecem como Lei Rouanet) e Ficart – Fundo de Investimento Cultural e Artístico.

Ora, o Fundo não é um programa, é um instrumento contábil para a ação dos governos. Já o Ficart (um fundo de aplicação financeira) e o incentivo fiscal destinam-se ao mercado, não à cultura. O escândalo maior está na manutenção da renúncia/incentivo fiscal, a chamada Lei Rouanet, que o governo, empresas e mídia teimam em defender e manter.

 

O que é a renúncia ou incentivo fiscal? É Imposto de Renda, dinheiro público que o governo entrega aos gerentes de marketing das grandes empresas. Destina-se ao marketing das mesmas e não à cultura. É o discurso que atrela a cultura ao mercado que permite esse desvio absurdo: o dinheiro público vai para o negócio privado que não produz cultura e o governo transfere suas funções para o gerente da grande corporação.

 

Diminuir a porcentagem dessa transferência ou criar normas pretensamente moralizadoras não muda a natureza do roubo e da omissão do governante no exercício de suas obrigações constitucionais. Não se trata de maquiar a Lei Rouanet (incentivo fiscal); trata-se de acabar com ela em nome da cultura, do direito e do interesse público, garantindo-se que o mesmo dinheiro seja aplicado diretamente na cultura de forma pública e democrática.

 

Assim, dentro do Profic, apenas a renúncia fiscal pode se apresentar como programa, um programa de transferência de recursos públicos para o marketing privado, em nome do incentivo ao mercado. Trata-se, portanto, de um programa único que não vê e não permite outra saída, daí ser totalitário, autoritário, anti-democrático na sua essência.

 

E é o mesmo e velho programa que teima em mercantilizar, em transformar em mercadoria todas as atividades humanas, inclusive a cultura, a saúde e a educação, por exemplo. Não é por acaso que os mesmos gestores do capital ocupam os lugares chaves na máquina estatal da União, dos Estados e Municípios, coisas que conhecemos bem de perto em nosso Estado e capital, seus pretensos opositores.

 

E esse discurso único não se impõe apenas à política cultural. É ele que confunde uma política para a agricultura com dinheiro para o agronegócio; que centra a política urbana na construção habitacional a cargo das grandes construtoras; e outra coisa não fazem os gestores do Banco Central que não seja garantir o lucro dos bancos. Não há saída, não há outra alternativa, os senhores continuam dizendo, mesmo com o mercado falido, com a crise do capital obrigando-os a raspar o Tesouro Público no mundo todo para salvar a tal competência mercantil.

 

Pois bem, senhores, apesar do mercado, nós existimos. Somos nós que fazemos teatro, mas estamos condenados: não queremos e não podemos fabricar lucros. Não é essa a nossa função, não é esse o papel do teatro ou da cultura. Nós produzimos linguagens, alimentamos o imaginário e sonhos do que muitos chamam de povo ou nação; nós trabalhamos com o humano e a construção da humanidade. E isso não cabe em seu estreito mundo mercantil, em sua Lei Rouanet e seu programa único.

 

Nós somos a prova de que outro conceito de produtividade existe. Os senhores continuarão a tratar o Estado e a coisa pública apenas como assuntos privados e mercantis? Continuarão a negar nosso trabalho e existência? Continuarão a negar a arte ou a cultura que não se resumem a produtos de consumo?

 

Por isso, além do FNC, exigimos uma política pública para a cultura que contemple vários programas (e não um único discurso mercantil), com recursos orçamentários e regras democráticas, estabelecidos em lei como política de Estado para que todos os governos cumpram seu papel de Poder Executivo.

 

É esse diálogo que os senhores se negam, sistematicamente, a fazer enquanto se dizem abertos ao debate. Debate do quê? Do incentivo fiscal. Mas nos recusamos a compartilhar qualquer discussão para maquiar a fraude chamada Lei Rouanet.

Queremos discutir o Fundo. Mas queremos, também, discutir outros programas e oferecemos, novamente, o projeto de criação do Prêmio Teatro Brasileiro como um ponto de partida. Os senhores estão abertos a esse diálogo?

 

Movimento 27 de Março

São Paulo, Dia Mundial do Teatro e do Circo.

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