Plano Decenal reproduz modelo de alto consumo e exportação
- Detalhes
- Patrícia Benvenuti, Brasil de Fato
- 10/04/2009
Reforçar um modelo energético que favorece as empresas transnacionais e onera a população e o meio ambiente. Essa é a lógica que permeia o Plano Decenal de Expansão de Energia (2008-2017) do governo federal, que prevê, nos próximos dez anos, um incremento de 54 mil megawatts (MW) na matriz energética brasileira.
A questão foi o tema central de um seminário promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), no dia 1º de abril, e que contou com a participação de movimentos sociais, entidades ambientalistas, pesquisadores, estudantes e representantes do governo.
Com uma potência atual de 107 mil MW, a previsão é de que, com o Plano, a produção de energia alcance, até 2017, cerca de 161 mil MW. Dos 54 mil MW que serão acrescidos, 16 mil MW correspondem a empreendimentos de geração já contratados e 38 MW ainda a contratar.
Esse aumento se dará especialmente por meio de usinas hidrelétricas e termelétricas movidas a óleo combustível, carvão mineral e gás. O restante – uma quantidade irrisória – será preenchido por energia nuclear e as chamadas energias alternativas, como a eólica e a solar. Para a consolidação do Plano, estão previstos R$ 142 bilhões.
Alto consumo
A demanda de energia elétrica para um determinado período de tempo é calculada de acordo com a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB); no caso do Plano, em um período de dez anos.
A lógica do cálculo é praticamente a mesma para todos os países, segundo o professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP) Célio Bermann. No entanto, ele ressalta uma diferença do Brasil em relação aos países mais ricos: projetar mais energia do que o crescimento econômico necessita.
Até 2017, o Plano Decenal de Expansão de Energia prevê para o Brasil uma elevação de 4% do PIB, com um aumento de 4,8% na geração de energia. Já no Japão e nos Estados Unidos, por exemplo, para cada ponto percentual de crescimento da economia, se utiliza menos de 1% de incremento de energia disponível.
O motivo da diferença, de acordo com Bermann, está no tipo de desenvolvimento que caracteriza cada país. "Eles (países ricos) conseguem fazer isso principalmente porque grande parte das indústrias que consomem energia elétrica estão nos países do Terceiro Mundo, nos países subdesenvolvidos, entre eles, o nosso".
Da energia consumida hoje no Brasil, 30% corresponde a apenas seis setores industriais, os chamados eletrointensivos: produção de aço na siderurgia, alumínio primário, ferro-ligas na metalurgia, cimento, indústria química e o ramo de papel e celulose.
Portanto, é o mercado, de acordo com o professor, que dita esse ritmo acelerado da geração de energia no Brasil, a fim de atender essencialmente essas indústrias cuja produção é voltada quase que em sua totalidade para a exportação.
Energia para quê? Para quem?
O problema começa, para Bermann, na falta de um questionamento sobre a finalidade da energia gerada. Sem essa reflexão mais crítica, a conseqüência é um planejamento energético baseado exclusivamente na demanda do mercado em curto prazo.
O Plano não leva em consideração, por exemplo, a carência de energia que atinge ainda um grande número de domicílios no país. Ao ignorar essa demanda social e apostar somente nas exigências do mercado, reproduz-se a visão "ofertista" que, segundo Bermann, predomina no atual modelo. "Como não se discute o destino da energia elétrica, se toma a quantidade de energia que vai ser demandada como base inquestionável", argumenta.
Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB, estende a necessidade desse questionamento principalmente em relação à energia das hidrelétricas que, além de limpa, seria mais barata, por ser gerada a partir da água.
Ele lembra, por exemplo, da diferença paga pela população e pelas grandes indústrias em relação à energia gerada pelas barragens. Empresas como Vale do Rio Doce e Alcoa gasta, em média, cinco centavos pelo quilowatt (KW), praticamente o preço de custo. O trabalhador, porém, desembolsa cerca de 60 centavos pelo mesmo KW – um valor que corresponde, no mercado internacional, ao da energia gerada nas termelétricas.
Cervinski recorda, ainda, do financiamento público para a construção de barragens via recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que permite que os consórcios tenham cada vez menos despesas.
Outro desenvolvimento
Célio Bermann refuta o argumento de que as indústrias eletrointensivas precisam de mais incentivos por serem responsáveis pela geração de emprego e renda. De acordo com ele, há outros setores que contribuem mais para o crescimento do país, sem, com isso, demandar tanta energia.
"A quantidade de empregos que esse tipo de indústria cria é muito menor do que outros setores industriais, que são mais intensivos em mão-de-obra, como o têxtil e de alimentos", explica.
Bermann defende, por isso, mais investimento nesses segmentos, que poderiam reorientar, inclusive, uma nova política de desenvolvimento nacional. "Temos que mudar essa forma de produção e de inserção do país no mercado internacional como mero produtor de bens primários, com baixo valor agregado mas com alto conteúdo energético e de problemas ambientais", afirma.
Unidade e articulação
A necessidade de um novo modelo energético e de desenvolvimento também é destacada por Luiz Dalla Costa, da coordenação nacional do MAB. De acordo com ele, situações como a crise econômica, o destino dos recursos da camada do pré-sal e as mais recentes denúncias contra a construtora Camargo Corrêa são importantes para reacender os debates.
As discussões, para Dalla Costa, devem ser o primeiro passo para criar articulação e unidade entre os trabalhadores, essenciais para construir um modelo que atenda aos interesses da população.
"Nós queremos que o recurso gerado pela produção da energia sirva, de fato, aos interesses da maioria do povo, não como é hoje, em que ele fica na mão das multinacionais, das grandes indústrias, só sobrando para o povo pagar a conta e os problemas sociais e ambientais", afirma.