Entidades fazem denúncias e exigem reconhecimento do Território Quilombola do Sapê do Norte-ES
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- Andrea
- 13/04/2009
Nós, movimentos sociais do campo e da cidade, entidades, organizações e pessoas que há mais de 10 anos lutamos contra os desertos verdes em território capixaba e nacional, estamos muitíssimo preocupado(as) com as tentativas de arranjos políticos e negociações de gabinete em torno da política quilombola em nível federal, estadual e municipal, com diversas forças agindo no sentido contrário ao reconhecimento e regularização do território quilombola.
Já faz algum tempo que se observa a guinada, inclusive de militantes da esquerda partidária brasileira, na defesa dos interesses do capital. Agora temos em terras capixabas mais um exemplo flagrante da reorientação política praticada em nível nacional, com grande repercussão, e que têm desapontado boa parte da aguerrida militância popular. Trata-se da situação das comunidades quilombolas do Território Sapê do Norte, localizado no norte do Estado Espírito Santo (especialmente nos Municípios de São Mateus e Conceição da Barra). As condições em que vivem essas comunidades refletem bem o atual estágio das parceiras entre o poder público e os interesses latifundiários e agroindustriais na região, protagonizadas por lideranças sindicais e partidárias que hoje ocupam cargos em instituições federais, estaduais e municipais.
No Sapê do Norte, coberto por eucaliptais e canaviais, as 38 comunidades quilombolas que resistem ilhadas entre estas monoculturas, vêm buscando recuperar suas terras que foram tomadas pelas grandes empresas, como é o caso da Aracruz Celulose S/A, que invadiu este território desde a década de 1970 e provocou sérios impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais na região, conforme denunciado diversas vezes e por diversos meios e espaços pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde, como por exemplo, a denúncia que fizemos à Corte Interamericana da OEA, através dos dois Relatórios de Violação de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.
Depois de dois séculos de escravidão dos afro-descendentes, o reconhecimento dos direitos quilombolas na constituição brasileira de 1988 tem gerado tensões, violência e racismo proveniente dos setores conservadores do campo que, no Espírito Santo, se articulam no famigerado Movimento Paz no Campo (MPC). Aliando-se aos interesses do latifúndio monocultor, dos ruralistas e das grandes corporações, o MPC tem buscado formas de minar a implementação da lei, através, sobretudo de lobbies nos poderes legislativos, executivos e judiciários, notadamente sobre os órgãos públicos responsáveis pelas políticas e direitos territoriais das comunidades quilombolas.
Esta luta pela restituição do território quilombola, portanto, encontra um cipoal de dificuldades. No âmbito estadual, os órgãos públicos que deveriam avaliar e regular a posse de terras, promover e fomentar a produção agrícola familiar diversificada, bem como cuidar da preservação ambiental, de um lado, fazem vistas grossas aos desmandos dos grileiros das terras devolutas e à devastação da mata atlântica e dos mananciais hídricos que ainda restam na região. De outro lado, colocam toda a estrutura de pesquisa e extensão rural a serviço da monocultura de eucalipto e financiam sua expansão a partir de programas de fomento florestal.
Mas, não é só isso. Após décadas de ocupação irregular do território quilombola pela monocultura do eucalipto e da cana de açúcar, as comunidades negras do Sapê do Norte têm sido fragmentadas em pequenos terrenos, ilhadas pelo deserto verde, cujas famílias, uma vez isoladas em meio ao eucaliptal, resistem a toda sorte de abusos e violência.
Denúncias em audiência pública promovida pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (realizada em 2008 no Município de São Mateus), que contou com a presença de várias autoridades dos Três Poderes da República, demonstraram que essa violência tem sido praticada por pessoas contratadas por grileiros, mas, também, por policiais estaduais, que inclusive invadem as casas das famílias quilombolas sem qualquer mandado judicial, provocando intimidações e ameaças.
O Poder Judiciário e o Ministério Público, com raríssimas exceções de alguns de seus membros, recebem essas denúncias com total parcialidade. Muitas vezes chegam a exagerar no rigor e até na injustiça, quando se trata de punir negros acusados (muitas vezes sem qualquer prova) de roubo de madeira pelos grileiros. Contudo, essas mesmas instituições jamais cuidaram de investigar a fundo as atrocidades praticadas pelos latifundiários e por policiais sobre as comunidades quilombolas. Enquanto isso, as famílias negras são humilhadas e discriminadas inclusive pelo racismo, mesmo quando várias denúncias são promovidas em audiências públicas com a que ocorreu em 2008.
As Administrações Municipais e as Câmaras de Vereadores também são coniventes com essa situação. Mas não é para menos. Seus membros invariavelmente têm suas campanhas eleitorais financiadas pelos proprietários da monocultura. Prefeituras e Câmaras Municipais mantêm em seus quadros pessoas declaradamente vinculadas aos movimentos políticos dos latifundiários e de pequenos proprietários cooptados pelo falso eldorado dos programas de fomento florestal da Aracruz Celulose e do governo estadual.
Um caso particular que ilustra bem a situação política da região ocorre no Município de São Mateus. Ali, o último pleito eleitoral resultou na Vitória de Amadeu Boroto (do PSB) como prefeito municipal. O secretariado de Boroto reúne desde o conservadorismo dos fazendeiros do Movimento Paz no Campo (MPC) até membros da chamada esquerda de São Mateus, cuja maior expressão tem sido a do seu chefe de gabinete, Silvio Manoel dos Santos.
Neste contexto da luta emancipadora das comunidades quilombolas, nitidamente isoladas politicamente, o governo federal procura cumprir o seu papel conciliador dos conflitos, sem alterar o status quo, como fica nítido pelos últimos acontecimentos.
Os governantes agem por parâmetros políticos bem nítidos. É bom lembrar que o governo federal tem como termômetro o apoio político recebido pela Aracruz Celulose e pelos fazendeiros do MPC, tanto do governo estadual e das prefeituras municipais, como da grande maioria parlamentar no Congresso, na Assembléia Legislativa e nas Câmaras Municipais envolvidas. Não se pode esquecer, também, que a Aracruz Celulose sempre lembra aos políticos que tiveram suas campanhas eleitorais por ela financiadas, dos acordos de reciprocidade que garantiram suas eleições.
Cabe destacar o papel desempenhado pelo senador Renato Casa Grande, que parece ter herdado a missão da defesa latifundiária do ex-senador Gerson Camata, combinando interesses corporativos com as demandas políticas dos financiadores de suas campanhas eleitorais. Com isso, tem sido um dos parlamentares mais procurados pelos representantes do MPC.
E foi exatamente numa dessas articulações políticas do MPC que foi decidida a substituição de um técnico do INCRA que tem trabalhado no processo de reconhecimento do território quilombola no Estado do Espírito Santo. Uma nota oficial da Associação dos Servidores do INCRA (ASSINCRA-ES) denunciou recentemente que o superintendente regional deste órgão federal, José Gerônimo Brumatti (ex-presidente da CUT-ES e pertencente ao grupo político de Silvio Manoel dos Santos no PT), tem promovido uma reviravolta na política de reconhecimento dos territórios quilombolas no estado. Diz um trecho da Nota Pública da ASSINCRA-ES:
Na seqüência a referida Nota Pública indaga o inevitável:
Para quem nomeou como secretário de Agricultura exatamente o Sr. Eliseu Bonomo, membro fundador do MPC em São Mateus, o prefeito Amadeu Boroto não iria patrocinar uma reunião desse calibre apenas para debater amenidades. Certamente foi acertada a nova orientação política da Superintendência Regional do INCRA no Espírito Santo, procurando colocar uma pá de cal no reconhecimento oficial do Território Quilombola no estado.
Contudo, alheias a esses movimentos oficiais e simplesmente desconsideradas nesse jogo de barganhas políticas, as comunidades quilombolas seguem com sua luta pela libertação de seu território e se colocam ainda mais atentas às próximas jogadas dos que tentam forjar o sepultamento de seus direitos ancestrais.
Assim, a Rede Alerta Contra o Deserto Verde que se constitui, por 10 anos, num coletivo de lutas e resistências dos povos atingidos pela perversidade do modelo econômico monocultor/agroindustrial e concentrador de terras se coloca solidariamente mais uma vez nessa luta dos povos tradicionais do Sapê do Norte e vem a público denunciar mais essa armação contra o reconhecimento de seu território. Reafirmamos nosso compromisso de continuar presente em todas as mobilizações organizadas pela Comissão Quilombola, na certeza de que a luta pela libertação definitiva do povo negro em nosso estado não se dobrará a jogadas rasteiras desses políticos que hoje nos traem.
E defendemos:
- A pronta titulação das terras das comunidades quilombolas do território do Sapê do Norte e do Espírito Santo;
- O Decreto 4887/03 para a regularização dos territórios quilombolas no Brasil;
- A discriminação e arrecadação das terras devolutas na região;
- A reconversão dos monocultivos para agroecologia; a recuperação das nascentes, rios e córregos; garantindo a soberania alimentar das famílias quilombolas;
- A implementação das políticas públicas para a educação e para a saúde dos povos tradicionais afro-descendentes quilombolas;
- O direito dos povos a auto-identificação, conforme a Convenção 169 da OIT.
Vitória, 4 de abril de 2009.
REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE NO ESPIRITO SANTO
Assinam também esta nota:
Comissão Quilombola Sapê do Norte (ES)
Instituto Elimu Professor Cleber Maciel – ES
ANAI - Associação Nacional de Ação Indigenista