Correio da Cidadania

Presença de juiz em fiscalizações de trabalho escravo pode facilitar condenações

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Para produzir provas em juízo e facilitar a punição criminal de escravagistas, o Ministério Público Federal do Mato Grosso (MPF-MT) tem uma sugestão prática: viabilizar a presença de juízes em fiscalizações de trabalho escravo.

 

Na avaliação do titular da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) do MPF-MT, Gustavo Nogami, a dificuldade em renovar as provas em juízo tem sido um entrave para a condenação de fazendeiros flagrados na prática do crime. Ele lembra que a maioria das provas coletadas nas operações fiscalizatórias capitaneadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em geral com participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF), são de caráter testemunhal.

 

Os agentes envolvidos - trabalhadores, fazendeiros, "gatos" (aliciadores) etc. - se dispersam geograficamente após os flagrantes e dificilmente permanecem nas cercanias dos locais de infração. Ou seja, fica muito complicado assegurar uma nova convocação da Justiça para que as provas colhidas no ato sejam submetidas ao necessário contraditório.

 

"Na hora de se renovar a prova em juízo, ninguém acha ninguém. Todos voltam para seus lugares de origem", reforça Gustavo. "Muitos juízes federais não aceitam condenar sem que essa etapa seja cumprida", conta.

 

A coleta direta de provas com a presença do juiz é possível, segundo Gustavo, graças a alterações recentes no Código de Processo Penal. Bastaria pedir uma medida cautelar antecipadamente com uma solicitação para que o juiz acompanhe a fiscalização de trabalho escravo. Além do MTE, do MPT e da PF, também participariam da blitz um representante do MPF e um juiz federal, com o propósito de garantir in loco as provas em juízo. "Existe essa possibilidade e podemos tentar. Não tenho conhecimento de que isso já tenha sido feito, mas certamente ajudaria nessa questão das provas em juízo".

 

Uma das providências essenciais para viabilizar a presença de juízes em fiscalizações seria uma maior coordenação entre as instituições na preparação das operações de fiscalização, que precisariam ser organizadas com maior antecedência. "Para fazer o pedido de cautelar [que poderia desencadear a superação da dificuldade de renovar as provas em juízo, parte do sistema processual penal e garantia existente na lei], é preciso planejar", emenda Gustavo. "Nossa idéia é mudar esse cenário de impunidade".

 

Gustavo conta que a sugestão - que ainda será submetida aos juízes federais do Mato Grosso - faz parte de um roteiro amplo de recomendações que o MPF-MT elaborou para tentar desobstruir os processos criminais contra exploradores de trabalho escravo.

 

"Ainda não sabemos como o Judiciário vai reagir. Mas queremos aproveitar essa janela de oportunidade", continua. Ele pretende realizar uma série de conversas com representantes das outras instituições envolvidas para discutir esse roteiro.

 

"Dia T"

 

Paralelamente, o MPF-MT, que faz parte da Comissão Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae), protocolou um total de 30 ações criminais na Justiça, referentes ao crime de escravidão, envolvendo um total de 60 pessoas. A iniciativa foi batizada pelos procuradores de "Dia T contra o Trabalho Escravo", em alusão às comemorações do Dia do Trabalho.

 

"Coloquei a necessidade de analisar o conjunto dos processos de trabalho escravo. E todos foram receptivos", rememora o procurador dos Direitos do Cidadão. "Apenas coordenei o trabalho dos colegas de Cuiabá, Sinop e Cáceres. Nenhum outro tema conseguiu mobilizar um esforço como esse".

 

Ele afirma compartilhar do descontentamento com a posição do Mato Grosso como um dos líderes no ranking de incidência de casos de escravidão. Também ativo em outros fóruns como na Agenda do Trabalho Decente, o MPF-MT chegou até a redigir e divulgar uma carta de repúdio ao trabalho escravo. "Isso mostra o engajamento da instituição na repressão ao crime".

 

Além de medidas práticas como a sugerida pelo MPF-MT, a lista de explicações para as raríssimas condenações criminais por trabalho escravo no Brasil - a despeito da iniciativa provavelmente única e isolada da Vara Federal de Marabá (PA), que condenou 27 fazendeiros, em março deste ano, por crimes relacionados ao trabalho escravo de uma só vez- é extensa. Para dar conta de todas elas, seriam necessárias desde abrangentes dissertações sociológicas a políticas públicas eficientes a mudanças estruturais no meio rural. A sensibilização de agentes do Judiciário, por meio de iniciativas como o curso promovido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), constitui também mais um passo para a punição criminal de escravagistas.

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