Correio da Cidadania

Intensificação do trabalho tem provocado doenças "coletivas"

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Cobranças que se aproximam do assédio moral, metas extremamente puxadas, ritmo acelerado e pagamento por produção. Essas são algumas das práticas que vêm sendo utilizadas pelos empregadores brasileiros, apresentadas  durante o seminário "O processo de intensificação do trabalho sob diferentes olhares", realizado nesta quarta-feira (27), pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

 

A intensificação do trabalho traz consequências para a saúde dos empregados: estudos apontam que novas doenças estão sendo desenvolvidas no trabalho. Não se tratam de doenças individuais, ou seja, sua origem, destacam especialistas no tema, se encontra na organização do trabalho. "Em muitas ocupações, a organização é muito parecida. Há sempre o controle do tempo e a cobrança por maior produção com menor custo.

 

Elementos da organização industrial são utilizados também no setor de serviços", aponta Selma Venco, socióloga da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 

O tema da intensificação do trabalho não é muito debatido, principalmente entre as empresas. "Elas não querem evidenciar o assunto", aponta Leda Leal Ferreira, ergonomista da Fundacentro. A pesquisadora lembra que, para o movimento sindical, o assunto não é prioridade diante das duas principais bandeiras das entidades: aumento de salários e manutenção dos empregos.

 

"Ainda não temos definido como medir a intensidade do trabalho. O caminho talvez seja mensurar a carga de trabalho, o esforço necessário para executá-lo, a fadiga do empregado", sugere Leda. A pesquisadora afirma que a melhor forma de caracterizar o trabalho intenso é analisar o trabalho e ouvir os empregados. A ergonomista vem escutando trabalhadores há mais de 30 anos. Ela garante: eles estão trabalhando mais do que antes.

 

Causas e consequências

 

Durante o seminário foram apontadas causas da intensificação do trabalho, como a política de redução do número de funcionários, ritmos acelerados da produção, redução da jornada de trabalho mantendo a mesma produção, múltiplas funções e trabalho por produtividade. "O patrão cobra uma intensidade maior para o empregado dar conta da produção", diz Leda.

 

"A conjuntura social ou a vulnerabilidade fazem com que os trabalhadores aceitem qualquer trabalho ", conclui Selma, socióloga da Unicamp. "Em nome da crise, algumas empresas aproveitaram para demitir, intensificar o trabalho e pressionar os empregados para produzir mais".

 

As empresas têm cobrado uma produção cada vez maior dos empregados com menor custo. Em muitos casos, o número de trabalhadores é inferior ao que a atividade necessita para ser executada. O sentimento de estar sempre apressado é recorrente entre os trabalhadores, continua Selma. "Trabalhar sob urgência é por si só uma péssima condição de trabalho". Outra forma utilizada pelo empregador para intensificar o trabalho é a sobreposição de tarefas, ou seja, a imposição de diferentes tarefas ao mesmo tempo.

 

A socióloga conferiu as condições de trabalho de atendentes de telemarketing e constatou situações extremas de intensificação. O coordenador de equipe de uma das empresas pesquisadas chegava a bater nos atendentes com uma vara, cobrando que a meta fosse atingida. Em muitos casos, o uso do banheiro é controlado. "É preciso pedir autorização do chefe para ir ao toalete. O grau de humilhação é muito alto".

 

O individualismo também é estimulado pelos coordenadores em diversas profissões pesquisadas. "Quando um sujeito não se sente parte do coletivo, ele não é capaz de exigir seus direitos e dignidade dentro do ambiente de trabalho", lembra a socióloga Selma, da Unicamp.

 

Pesquisadores apontaram os principais problemas entre os reflexos na saúde: síndrome do pânico, depressão, problemas músculo-esqueléticos e cardiovasculares. "Há casos extremos de suicídios de engenheiros e empresários, além de mortes de cortadores de cana-de-açúcar", lembra José Marçal Jackson filho, ergonomista da Fundacentro.

 

Cana-de-açúcar

 

Para Francisco Alves, do departamento de engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o aumento da intensidade se traduz em "produzir mais em menos tempo". "Na década de 1980, os trabalhadores da cana cortavam até 6 toneladas por dia, com uma jornada de 12 horas diárias. Hoje em dia eles conseguem atingir a marca de 12 toneladas trabalhando no máximo 8 horas. Como se explica isso?".

 

Segundo Francisco, o aumento da produtividade não está relacionado às ferramentas de trabalho, pois elas continuam sendo as mesmas, mas sim à seleção do departamento de recursos humanos das usinas. "Antigamente, não havia uma seleção criteriosa, hoje são escolhidos trabalhadores principalmente do sexo masculino e com idades entre 19 e 25 anos".

 

O professor apurou durante suas pesquisas que a maioria dos cortadores no estado de São Paulo vinha dos estados da Bahia, Minas Gerais, Maranhão, Piauí e Paraíba. Segundo Francisco, os trabalhadores migram para a Região Sudeste porque a expansão do agronegócio, principalmente da soja e do gado, não deixa alternativa de trabalho nas regiões onde nasceram. "Eles não têm como manter uma pequena produção ou sobreviver da agricultura familiar. Então vêm para São Paulo e se submetem a condições péssimas de trabalho para poder mandar dinheiro para a família".

 

O pagamento por produção, aponta o professor Francisco, é a causa da intensificação do trabalho nos canaviais. "As usinas fazem um cálculo complexo e difícil de entender e, portanto, difícil de contestar". Quando Francisco iniciou suas pesquisas sobre o trabalho nos canaviais (na década de 1980), encontrou cortadores com 30 anos de trabalho. Atualmente, um cortador trabalha nos canaviais no máximo por 12 anos.

 

"É um trabalho massacrante, com consequências gravíssimas para a saúde dos trabalhadores. E o fato de ele ter que cortar mais para ganhar mais é, sem dúvida, o maior problema", conclui o pesquisador.

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