Correio da Cidadania

Estudos sobre ganho ambiental do etanol de cana são contraditórios

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A vanguarda brasileira na pesquisa e na produção de etanol está ameaçada com o recente (e crescente) interesse mundial pela bioenergia. Por um lado, os cientistas apoiados pela indústria nacional ainda não têm respostas seguras para convencer os consumidores internacionais sobre as vantagens ambientais do etanol de cana-de-açúcar. Por outro, empresas norte-americanas investem recursos muito superiores na pesquisa com os chamados etanóis de segunda e terceira geração (celulósicos e de hidrocarbonetos, respectivamente). 

 

Esse cenário de impasses ficou evidente no Workshop Impactos Sócio-Econômicos, Ambientais e de Uso da Terra, organizado em 16 de junho pelo programa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), com apoio da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).

 

Lançado em 2007, o Bioen busca intensificar pesquisas em São Paulo relativas à bioenergia, especialmente ao etanol de cana-de-açúcar, a partir de cinco eixos de estudo: biomassa; processos de fabricação do biocombustível; biorrefinarias e alcoolquímica; aplicação de etanol para motores automotivos e impactos sócio-econômicos, ambientais e de uso da terra.

 

De acordo com a coordenadora do Bioen, Gláucia Souza, 154 projetos foram submetidos ao programa. O total de recursos já contratado é da ordem de R$ 43 milhões, sendo R$ 27 milhões de pesquisas com plantas, R$ 16 milhões com processos industriais e R$ 427 mil para estudos de impactos.

"Eu freqüentemente recebo visita de empresas norte-americanas interessadas em saber mais sobre nosso etanol, que é um ilustre desconhecido nos debates internacionais sobre combustíveis de baixo carbono", revelou o presidente da Unica, Marcos Jank. "O orçamento individual de cada uma delas [empresas dos EUA] gira em torno de US$ 50 milhões só para pesquisa com hidrocarbonetos", comparou Jank, que foi professor da Universidade de São Paulo (USP) durante 20 anos, mas segue há dois anos carreira no setor privado. 

 

Até o início deste século, o Brasil fazia pesquisas com etanol "confortavelmente solitário", destaca o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito. "De quatro anos para cá, a concorrência internacional explodiu. Não é porque temos terra e tradição na área que podemos ficar tranqüilos", alertou. "Os cientistas brasileiros precisam ser mais competitivos internacionalmente. Há resultados interessantes escondidos em artigos em português".

 

Guerra dos números

 

Os solos absorvem e liberam carbono: quando a vegetação é nativa, esse sistema está em equilíbrio, ou seja, a quantidade de gases de efeito estufa emitidos e recuperados é equivalente. Quando há desmatamento, o estoque de carbono do solo tende a diminuir; mas, com o plantio de alguma cultura, ele pode se recuperar e até aumentar. 

 

Dentro do contexto de compromissos multilaterais para se diminuir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, comprovar cientificamente que a cana-de-açúcar realiza o chamado seqüestro de carbono é estratégico. Não só para melhorar a aceitação internacional do etanol brasileiro, mas também para pleitear o pagamento por créditos de carbono durante as negociações da segunda fase do Protocolo de Kyoto, que voltarão a ser travadas em dezembro deste ano, na 15ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, em Copenhagen (Dinamarca).

 

Foram apresentados, durante o workshop do Bioen, resultados de três pesquisas que mediram o chamado balanço energético do solo utilizado para plantação de cana-de-açúcar.

 

No estudo feito pela Universidade de Illinois, dos Estados Unidos, a partir de lavouras em diversos países (inclusive o Brasil), o saldo foi negativo: ou seja, a plantação de cana-de-açúcar emitiu gases de efeito estufa.

 

Na pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP), o resultado foi o oposto: os solos que abrigam a cana seqüestraram carbono da atmosfera. Conclusão semelhante à pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Agrobiologia, que acrescentou a ponderação de que o acúmulo de carbono nos solos depende ainda do grau de degradação dos mesmos.

 

"Ficou patente, aqui, a incerteza e a variabilidade que cercam os números com os quais trabalhamos", avaliou o coordenador da Divisão de Impactos do Bioen, Heitor Cantarella. "Precisamos padronizar as metodologias. Nossa intenção é criar um grupo de trabalho para discutir com calma essa harmonização", reforçou a coordenadora do programa Bioen, Gláucia Souza.

 

Em maio, o presidente Barack Obama anunciou novas regras para as metas de combustíveis renováveis nos EUA. Elas classificam oficialmente o etanol de cana-de-açúcar como mais ambientalmente eficiente que o etanol de milho: enquanto o primeiro reduziria em média 44% das emissões de gases de efeito estufa em comparação à gasolina, o segundo diminuiria apenas 16%.

 

Esses índices levam em conta os gases liberados em todo o ciclo do biocombustível: desde a agricultura, produção, distribuição até o uso nos veículos. No cálculo, entra também o chamado uso indireto da terra: a estimativa do desmatamento ocorrido em função da migração da atividade agropecuária "empurrada" pelas lavouras de cana e de milho. A emissão indireta responde por 46 dos 73 gramas de CO2 (gás carbônico) por megajoule estipulados para o etanol de cana - no etanol de milho, de um total de 99 gramas de CO2 por megajoule, somente 30 viriam do desmatamento.

 

Retirado de Repórter Brasil.

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