Encontro Nacional Pela Vida e outro Modelo de Segurança Pública
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- Andrea
- 08/08/2009
O Estado brasileiro cimentou sob as bases de seu desenvolvimento econômico, político e cultural o uso oficial e extra-oficial de aparelhos de criminalização dos povos que de algum modo representam uma ameaça à sua ordem sócio-racial. O estudo da História e a simples consulta a evidências históricas refletidas no cotidiano das comunidades criminalizadas deste país permitem entender que o Estado brasileiro, distribuído nos seus três poderes e o seu sistema de justiça criminal, é composto por uma normatividade seletiva e, como conseqüência, institutos e instituições seletivas de controle, dominação e extermínio da população negra, indígena e popular.
Atualmente o Estado brasileiro tem sob a sua guarda penal uma população de quase meio milhão de pessoas distribuídas em cerca de 1.500 instituições carcerárias no país. Como resultado de um processo sempre crescente de encarceramento, a população encarcerada cresce proporcionalmente em ritmo mais veloz do que a população livre.
Em alguns estados brasileiros cerca de 50% destes já poderiam ter o seu livramento condicional se os prazos legais fossem cumpridos. Uma parcela significativa da população carcerária do país cumpre pena em unidades policiais sem ser julgada e em unidades policiais; e 60% do total de todos presos cumprem pena sem que se tenha transitado em julgado a condenação criminal.
Ao focar-se sobre as características da população carcerária, verifica-se que 95% dos presos são homens, cerca de 85% das presas são mães, mais de 50% são negros, mais de 90% são originários de famílias que estão abaixo da linha da pobreza, mais de 80% dos crimes punidos com pena de prisão são contra o patrimônio, mais de 90% têm menos do que os oito anos de ensino constitucionalmente garantidos, menos de 3% cumprem penas alternativas, mais de 80% não possuem advogados particulares para a sua defesa, mais de 90% são condenados a cumprir a pena de prisão em regime fechado, mais de 70% dos que saem da prisão retornam para ela e menos de 10% dos que cumprem pena em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) ou outras medidas mais rígidas de segurança se adéquam ao perfil estabelecido para tanto (MIR, 2004)[1].
De outro lado, esse Estado também tem o seu lado genocida. Conforme relatório preliminar de Philip Alston, relator da ONU para execuções sumárias e extra-judiciais apresentado àquela organização em maio do presente ano, no Brasil os policiais matam em serviço e fora de serviço. Porém, nenhuma investigação é feita a respeito, já que tudo se justifica a partir dos autos de resistência, isto é, suposta morte em confronto. Todos os casos são classificados como situação de "Resistência Seguida de Morte" e a investigação se concentra no histórico de vida do morto. Neste país, as polícias cristalizaram em sua atuação uma cultura que orienta e prepara seus agentes para matar aqueles que supostamente representam uma ameaça a ordem sócio-racial.
Diante da necessidade de legitimar o PRONASCI – Plano Nacional de Segurança com Cidadania – é que forças de governo, contando com o apoio de alguns segmentos sociais, estão empreendendo a I CONSEG – Primeira Conferência Nacional de Segurança Pública - um processo de formulação de política criminal travestida de "segurança pública" que nega a participação autônoma e paritária dos movimentos sociais e visa formular políticas criminais e de "prevenção ao crime" sem o necessário debate com a sociedade.
Em contraponto à CONSEG, organizações de movimentos sociais e comunidades organizadas de várias regiões do país estarão de 14 a 16 em Salvador realizando I ENPOSP – Encontro Popular Pela Vida e por um outro Modelo de Segurança Pública.
O objetivo deste encontro é articular nacionalmente organizações de movimentos sociais que discutem e atuam no campo de segurança pública e Direitos Humanos no sentido de pensar uma estratégia unificada de enfrentamento às múltiplas formas de violência bem como pensar um modelo de segurança pública que contemple as comunidades e/ou segmentos que representam.
O I ENPOSP discutirá temas como segurança pública, violência policial e execuções sumárias; violência paramilitar e grupos de extermínio; violência penal, política carcerária nacional e defesa de direitos de presos(as) e seus familiares; saúde e segurança; representação criminal nas mídias e nas artes; sistema de Justiça Criminal e os limites da política nacional de segurança – SUSP (Sistema Único de Segurança Publica), PRONASCI e o processo de construção da CONSEG.
O I ENPOSP será aberto com um "Ato político pela vida e por uma outra segurança pública" que a partir das 14hs na Praça da Piedade fará concentração e seguirá em marcha de protesto até o local de abertura do encontro.
Realizam o encontro organizações como Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas (ASFAP/BA), Movimento Negro Unificado (MNU), CMA Hip Hop, Círculo Palmarino, Fórum de Juventude Negra da Bahia, Campanha Reaja Ou Será Mort@, Resistência Comunitária, Instituto Steve Biko, Quilombo do Orubu, MSTB, CEAS, Assembléia Popular, Pastoral da Juventude, NENN UEFS na Bahia; Comitê contra a Criminalização da Criança e do Adolescente, Fórum Social por uma Sociedade Sem Manicômios, Movimento Negro Unificado, RLS, Brasil de Fato, Observatório das Violências Policiais-SP, Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, Coletivo Contra Tortura, DCE/USP, Francilene Gomes Aguiar, Kilombagem, Associação de Juízes pela Democracia, IBCCRIM, Comunidade Cidadã, Pastorais da Juventude do Brasil, CNBB de São Paulo; Centro de Defesa de Direitos Humanos de Petrópolis, Conselho Regional de Psicologia, Defensores de Direitos Humanos, Movimento Direito Para Quem (?), Grupo Tortura Nunca Mais - Rj, Instituto Carioca de Criminologia, Assessoria Popular Mariana Crioula, Justiça Global, Movimento Nacional de Luta Pela Moradia, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Projeto Legal, Rede De Comunidades e Movimentos Contra a Violência, CORED, CAEV-UFF, Nós Não Vamos Pagar Nada/Uff, Dce Uerj, Lutarmada Hip-Hop, Fórum de Juventude Negra, Central de Movimentos Populares do Rio de Janeiro; Movimento Nacional De Direitos Humanos – MNDH/Es; Fórum Estadual de Juventude Negra – Fejunes; Fórum Estadual LGBT; Círculo Palmarino; Comissão de Direitos Humanos da Oab/Es; Pastorais Sociais da Arquidiocese de Vitória; Associação Capixaba de Redução de Danos – Acard e Associação de Mães e Familiares de Vítimas da Violência – Amafavv/Es do Espirito Santo além de varias representações independentes de familiares e vitimas de execuções sumarias, violência policial e de prisão de todo território nacional.
[1] MIR, Luis. Guerra Civil – Estado e trauma. São Paulo, Geração, 2004. 962p.
PROGRAMAÇÃO
Abertura - Dia 14 de agosto
Ato político pela vida e por uma outra segurança pública
15 h - Concentração na Praça da Piedade
18h – Abertura solene - Saudação as comunidades e organizações participantes
19h- Conferência Magna – Familiares de presas e presos e de vítimas de execuções sumárias e extra judiciais – As sobreviventes do genocídio brasileiro falando em primeira pessoa.
Representante das Mães de Acari (RJ)
Representantes da AMAV (ES)
Representante das Mães de Cana –brava (BA)
Representante das Mães de Maio-2006 (SP)
Representante da ASFAP (BA)
Dia 15 de agosto
Construção de um plano de enfrentamento ao genocídio brasileiro
8 às 10 h – Informes sobre a situação particular de cada Estado frente à CONSEG, PRONASCI, Políticas carcerárias e de segurança publica, pensando em um contraponto nacional à política genocida do Estado brasileiro (indicado pelos representantes da Comissão Operativa de cada estado)
10 às 12 h – Painel - Subsídios para o debate: Reflexões acerca do atual modelo de segurança pública
12 às 13 h – Almoço
13 às 18h - Discussões temáticas (grupos reunidos concomitantemente a partir das 14hs)
Grupos de Trabalho
Tema 1: Segurança pública, Violência policial e Execuções sumárias
Tema 2: Violência paramilitar e grupos de extermínio: as responsabilidades do Estado
Tema 3: Violência penal, política carcerária nacional e defesa de direitos de presas e presos e seus familiares
Tema 4: Limites da política nacional de segurança: A sociedade civil organizada frente ao SUSP, PRONASCI e o processo de construção da CONSEG
Tema 5: Saúde e Segurança: as conseqüências de uma política não pensada
Tema 6: Violência simbólica: representação criminal nas mídias e nas artes
Tema 7: Sistema de Justiça Criminal em Debate
18hs: Encaminhamento dos relatórios dos grupos para Coordenação.
Dia 16 de agosto
8 às 12 h – Encaminhamento das formulações e definição de rumos políticos frente à política genocida do Estado brasileiro.
14 h – Finalização dos trabalhos.