Correio da Cidadania

Anvisa aponta irregularidades na Bayer e na Syngenta

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No espaço de uma semana, duas entre as maiores corporações mundiais do ramo de agrotóxicos tiveram produtos interditados. A primeira foi a Bayer, transnacional de origem alemã. A unidade de produção de Belford Roxo (RJ), uma das três da corporação no Brasil, teve um milhão de litros de agrotóxicos autuados pelo período de três meses devido à composição irregular encontrada em onze produtos, nocivos à saúde humana. Caso sejam comprovadas as irregularidades, a Bayer poderá pagar multa de até R$ 1,5 milhão.

 

Logo depois, em São Paulo, mil toneladas de agrotóxicos, com data de fabricação e validade alteradas, foram encontradas na fábrica da suíça Syngenta Seeds, em Paulínia (SP). De acordo com organizações especializadas no tema, esse expediente é comum na produção e comercialização dos agrotóxicos, que hoje circulam com alterações nos rótulos e nas composições. O operativo de fiscalização nas duas empresas foi feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com o apoio da Polícia Federal. Ao todo, quatro empresas foram autuadas neste ano, duas delas no Paraná.

 

Ausência de tarjas de identificação de produtos, etiquetas arrancadas e falta de controle das impurezas de um produto são algumas entre as faltas graves encontradas pela Anvisa nas instalações da Syngenta. Um dos produtos necessitava a tarja de risco mediano, encoberta com outro tipo de embalagem. As empresas rompem o que foi determinado. Na avaliação da gerente de normatização e avaliação da Anvisa, Letícia Rodrigues da Silva, duas possibilidades são postas: ou o produto não contém a dosagem para ser eficaz no uso ou então possui uma dosagem de um elemento superior ao que havia sido registrado e concedido oficialmente. Este é o pior cenário, pois o aumento da toxicidade do produto pode causar danos a trabalhadores e ao povo em geral.

 

"Chegou um ponto que havia incoerências entre o que havia sido informado e o que estava sendo informado agora, na obtenção de uma informação pós-registro vimos componentes diferentes. Foi neste sentido que se passou a buscar fiscalização, de um lado tem uma pressão por parte de alguns setores para se colocar mais produtos no mercado. Por outro há também uma pressão por parte da sociedade organizada, por parte de organizações não-governamentais, para que haja maior controle. Temos buscado equilíbrio, autorizar produtos, mas também controlar seus riscos,", explica Letícia Rodrigues da Silva.

 

Realidade exposta

 

O operativo na realidade deflagra um cenário inquietante: o crescimento no Brasil do consumo de agrotóxicos, hoje o principal usuário mundial. O Censo Agropecuário 2006, divulgado pelo IBGE, informou que 56% das propriedades brasileiras usam venenos sem assistência técnica. Hoje, são consumidos no Brasil cerca de 713 milhões de toneladas, uma média de 3,7 mil quilos por pessoa.

 

Então, os lucros das dez corporações que detêm o monopólio do setor não são à toa. O grupo Bayer, por exemplo, atuante nos setores de saúde, agrotóxicos e materiais, alcançou R$ 3,7 bilhões em vendas em 2008, o que representa um crescimento de 21% em relação a 2007, segundo dados da própria empresa.

 

Na outra ponta, a do trabalhador que se alimenta, relatório recente da Anvisa revelou que 15% dos alimentos pesquisados pela agência apresentaram taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial para a saúde. O uso de alguns venenos vem sendo retomado, caso do 2,4D – um dos compostos do agente laranja, veneno com índice alto de contaminação, usado na Guerra do Vietnã.

 

O Brasil tem sido o depósito de produtos cujo uso é proibido noutras fronteiras. Um exemplo é o Paration. Desde que foi banido da China (2006), a importação brasileira do produto duplicou e saltou de 2,3 milhões de quilos para 4,6 milhões de quilos em 2007. Um outro exemplo: o Brasil importava 82 toneladas do produto Paraquat em 2006, ano em que ele foi proibido pela União Européia sob a suspeita de ser cancerígeno. Em 2008, o país comprou uma quantidade 311 vezes maior. Entre os que vendem tal produto, está a Dinamarca. Só que lá o Paraquat não é permitido.

 

Insatisfação

 

A Anvisa é o órgão responsável pela avaliação toxicológica dos agrotóxicos. A avaliação ambiental e a concessão de registro cabem ao Ibama e ao Ministério da Agricultura, respectivamente. A Anvisa é uma agência reguladora, vinculada ao Ministério da Saúde, criada em 1999, em meio ao período neoliberal de privatizações e criação de organismos fiscalizadores. Sujeita a pressões dos monopólios do ramo, o atual operativo de fiscalização da Bayer e da Syngenta é avaliado como um importante avanço político, a partir da pressão de organizações civis e movimentos sociais.

 

"A Anvisa durante muito tempo não se manifestou sobre os agrotóxicos e agora tem se manifestado sobre os prejuízos à saúde. O simples contato do agrotóxico traz o aumento dos casos do câncer, afeta o trabalhador rural, o consumidor e o meio ambiente. As corporações colocam essas questões para segundo plano, priorizando questões econômicas em detrimento de questões ambientais e de saúde", avalia Juliana Avanci, da organização Terra de Direitos, localizada em Curitiba (PR).

 

Desde o começo deste ano, há disputas judiciais encabeçadas pela indústria de agrotóxicos contra a Anvisa. Uma decisão proíbe o órgão de divulgar os resultados de estudos sobre o acefato, utilizado na fabricação de 19 agrotóxicos, aplicado em cultivos como o algodão, cacau, café, cana-de-açúcar, soja, batata, brócolis, couve-flor, cravo, feijão e tomate. "A atual fiscalização é um avanço político e estratégico, no sentido de afrontar a hegemonia das transnacionais, abre precedente e é um órgão público se posicionando," analisa Avanci.

 

No caso da Bayer, não é a primeira derrota sofrida pela transnacional. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, em primeira instância, a corporação a indenizar produtores de soja no Rio Grande do Sul – estado brasileiro recordista no uso de venenos. No mesmo sentido, no Mato Grosso, cerca de quarenta produtores estão processando a corporação, devido ao uso de herbicida sem resultado na safra de soja.

 

Mais informações

 

- Segundo o site da Anvisa, a agência apreendeu 4,5 milhões de litros de agrotóxicos adulterados apenas em 2008. As fiscalizações ocorrem, principalmente, quando são identificados indícios de irregularidades nos produtos acabados.

 

- Análise feita em 2007 pela Anvisa revelou que 44,7% das amostras de tomate, 43,6% das amostras do morango e 40% da alface vendidos em supermercados tinham agrotóxicos acima do recomendável.

 

- Dez maiores empresas do ramo: Syngenta (Suíça), Bayer (Alemanha), Basf (Alemanha), Monsanto (EUA), Du Pont (EUA), Dow (EUA), Makhteshim (Israel), FMC (EUA), Nortox (Brasil), Iharabras (Japão), Cheminova (Dinamarca). (Fonte: Agrotóxicos, Centro de Documentação e Informação – Coordenação de Publicações, Brasília, 2009)

 

- De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, práticas alternativas, como controle biológico (67 mil ou 1,3%), queima de resíduos agrícolas e de restos de cultura (45 mil ou 0,9%), uso de repelentes, caldas, iscas etc. (405 mil ou 7,8%), que poderiam gerar redução no uso de agrotóxicos, também são pouco utilizadas.

 

Por Pedro Carrano, Brasil de Fato.

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