Protestos dominam Copenhague
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- Ricardo Coelho, publicado em Esquerda.net
- 17/12/2009
De manhã, bem cedo, juntamo-nos na estação de comboio mais próxima do Bella Center, onde acontece a COP-15. Hoje era o dia de "Reclamar o poder!", uma ação para trazer para dentro da conferência as vozes das populações. A idéia é invadir o local, realizando lá dentro uma assembléia dos povos.
Quatro grupos são formados. O grupo azul, no qual me encontro, realizará uma marcha legalizada, tentando depois superar as barreiras. O grupo verde parte de outro local e tentará penetrar no Bella, separando-se em grupos. O grupo amarelo é composto por representantes de ONG's ecologistas e de indígenas , que sairão do local para se juntar à manifestação.
Uma marcha com 4 mil manifestantes percorre as ruas. Todos os cuidados são tidos para evitar que a polícia divida a manifestação ou prenda alguém isoladamente. As pessoas formam cadeias humanas apertando os braços e a marcha toma a forma de um quadrilátero compacto.
A marcha decorre com a alegria que já se tornou usual por aqui e uma vez mais temos uma festa com rave e samba nas ruas. Um grupo vestido com roupas de gala e levando nas mãos champanhe e bandejas de prata com uvas monta uma manifestação de ricos, com slogans como "nós amamos o capitalismo verde" ou "parem de se queixar". Outro grupo, o Exército de Palhaços Rebelde, caricaturizava a polícia nas suas poses de autoridade.
Quando chegamos à entrada do Bella Center a massa humana começa a ser cercada. Filas de polícias tentam penetrar, mas são escorraçados com a força dos nossos corpos. Ninguém se deixa intimidar pelas ameaças e ninguém responde com qualquer tipo de violência. Quando um energúmeno tenta agredir a polícia com um pau de bandeira, automaticamente é afastado e o pau é retirado das suas mãos. Os manifestantes gritam "nós somos pacíficos, que são vocês?", enquanto reforçam a barreira humana que obriga a polícia a recuar progressivamente.
Há dois aspectos que devo reforçar aqui, dado o impacto que tiveram em mim. O primeiro é o total controle da multidão, no sentido de assegurar que nem um polícia é agredido, nem uma pedra é atirada, nem uma janela é partida, tudo de acordo com os princípios pacifistas da ação. O segundo é a capacidade que as pessoas que me rodeiam demonstram para encontrar formas de acalmar os ânimos, recorrendo a canções e ao humor. Num momento em que receava uma carga policial, uma manifestante perguntava a um polícia qual o caminho para o Bella Center. O ridículo da situação fez-nos rir e aliviou o stress.
Quando vimos que não íamos conseguir entrar, a multidão recuou um pouco. Isto deu-me oportunidade de me afastar para tirar fotos, o que me pode ter salvo de ser detido. No momento em que me afastei, reforços policiais chegam de todos os lados e carros blindados empurram os manifestantes. Uma barreira de bicicletas é montada, mas não dura muito tempo. A polícia começa a carregar nos manifestantes e alguns são detidos.
Enquanto decorria esta marcha, vários grupos de ativistas tentavam entrar na reunião de várias direções. Nenhum conseguiu entrar, dado que a polícia respondeu com gás lacrimogêneo, gás pimenta e bastonadas. Ao todo, cerca de 230 pessoas foram detidas.
A habitual repressão policial não impediu a realização da Assembléia dos Povos. Ocupando a rua e recusando as ordens para a dispersão, os ativistas juntam-se num grande círculo e alguns representantes de movimentos de trabalhadores, ecologistas, de indígenas e de agricultores discursam. Segue-se uma interessante experiência de democracia participativa.
O grupo separa-se em vários grupos menores, cada qual com a tarefa de encontrar alguns pontos que acham que deveriam estar em cima das mesas de negociações. Temos uma discussão breve, mas interessante e produtiva, em que cada qual expressa as suas idéias e os outros podem mostrar a sua aprovação abanando as mãos. De cada grupo sai um conjunto de idéias, que são compiladas.
As decisões da assembléia andam todas em torno do aprofundamento da democracia. Defendemos soluções para as alterações climáticas baseadas na participação das comunidades, maior justiça na distribuição de recursos, separação entre necessidades reais e consumos supérfluos, participação popular na produção, reconciliação do conhecimento tradicional com conhecimento científico e a união de todos os grupos políticos (verdes, vermelhos e negros) na construção da alternativa.
A imprensa noticia também que Tadzio Müeller continua preso e que será julgado em tribunal pela ridícula acusação de instigação à violência. Recomendo vivamente que se assista sua entrevista ao Guardian, numa reportagem que mostra também a excelente intervenção que fez no Klima Forum.
Os acontecimentos dentro da conferência apenas demonstram a pertinência deste protesto. Algumas ONG's foram impedidas de entrar na reunião de manhã, enquanto outras foram expulsas depois de centenas de representantes terem se manifestado nos corredores e saído para tentar juntar-se à manifestação. Não tendo conseguido atravessar o forte cordão policial e tendo sofrido agressões por parte da polícia, os representantes da sociedade civil tentaram voltar para o Bella Center, para descobrirem que já não eram bem-vindos lá. Fica a lição: a dissidência não é tolerada nas cimeiras internacionais.
Chávez e Evo incendeiam a platéia
Entretanto, Evo Morales e Hugo Chavez incendiavam a platéia. Morales defendeu a limitação do aumento da temperatura global em 1ºC, o mais ambicioso apelo feito na conferência. O presidente da Bolívia defendeu também que o Norte deve compensar o Sul pelos danos causados pelas alterações climáticas e que deve ser criado um tribunal internacional para os crimes contra o clima.
Morales argumentou ainda que o sistema capitalista está na base das alterações climáticas e que devemos superar este sistema para salvar a terra. Chávez reforçou esta conclusão, afirmando que se não lutarmos contra o capitalismo então a humanidade irá desaparecer. Segundo o presidente da Venezuela, se o clima fosse um banco já teria sido salvo.
Discursos muito distantes da hipocrisia de Al Gore, que se apresenta na reunião como um herói depois de ter conseguido transformar o Protocolo de Kyoto num instrumento para a criação de novos mercados especulativos. As grandes ONG's não fazem eco destes discursos, mencionando apenas os apelos à sobrevivência do Tuvalu e das Maldivas. É pena, teriam muito para aprender com as comunidades do Sul que estão construindo modos de vida ecológicos e igualitários.
Lançamento
Depois da manifestação, consigo ainda apanhar o lançamento do livro "Upsetting the offset: the political economy of carbon trading" na Copenhagen Business School. Este livro conta com a participação de vários acadêmicos e ativistas e apresenta poderosas críticas contra o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Pode ser descarregado gratuitamente no site da MayFlyBooks.
À noite, no Fórum pelo Clima, o WALHI – Friends of the Earth Indonésia - apresenta um filme sobre o impacto destrutivo das monoculturas de palma na Indonésia. Estas monoculturas têm vindo a expandir-se rapidamente, ocupando áreas de floresta tropical e causando dramas ambientais e humanos imensuráveis.
A procura por óleo de palma tem vindo a aumentar exponencialmente, dado que é uma gordura barata que pode ser incorporada nos mais diversos produtos alimentares. Os objetivos de incorporação de biocombustíveis na União Européia apenas servem para agravar esta tendência. A semente de palma é também usada na produção de rações baratas para vacas e porcos.
Os ativistas do WALHI defendem o abandono da promoção de biocombustíveis e o fim da importação de produtos à base de palma da Indonésia e da Malásia, sem manifestar qualquer simpatia por esquemas de certificação que apenas servem para enganar os consumidores.
Retirado do site da Revista Fórum.