Correio da Cidadania

Atingidos por barragens escrevem carta a Lula

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Excelentíssimo Senhor

Luis Inácio Lula da Silva

Presidente da República

Brasília/DF

 

Aqui estamos, neste encontro com Vossa Excelência, porque acreditamos que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) cumpre um papel histórico em defesa dos direitos do povo atingido, somos parte da luta popular em nosso país e estamos convencidos que nossa ação contribui na luta permanente contra todas as estruturas injustas da sociedade.

 

Ouvimos com alegria Vosso pronunciamento por ocasião do lançamento do Plano Safra 2009/2010, onde Vossa Excelência manifestou preocupação com a situação vivida pelos atingidos por barragens, reconhecendo a dívida histórica que o Estado Brasileiro tem com estas populações ribeirinhas, camponesas, quilombolas, indígenas e moradores das cidades e vilas atingidas.

 

Entendemos vosso gesto como uma manifestação concreta de quem, de fato, tem vontade política de solucionar este problema histórico.

 

Vivenciamos, no início deste governo, vários avanços que foram ao encontro da solução dos problemas do povo atingido. Lembramos aqui que o CONSISE (Conselho dos Presidentes das Estatais do Setor Elétrico), a partir de debates conosco, estava avançando na definição de um conceito de atingido. Definição importante para avançarmos na resolução destes problemas.

 

 

Assistimos também o acolhimento de nossas propostas para a implementação de programas de recuperação e desenvolvimento das comunidades atingidas, também debatidas e inicialmente encaminhadas na Eletrobrás. Poderíamos citar aqui outros fatos que consideramos avanços na relação entre o Estado brasileiro e a organização dos atingidos por barragens neste período.

 

No entanto, estranhamos muito, e já manifestamos esta opinião para vários representantes deste governo, ao verificarmos um grande recuo do governo nesta relação. Este procedimento estranho perdurou por vários anos até 2009.

 

É importante destacar que após Vosso pronunciamento no lançamento do Plano Safra 2009/2010, com exceção do Ministério de Minas e Energia (MME), retomamos o processo de diálogo coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República.

 

Entendemos que, como Vossa Excelência mesmo manifestou, há muitos problemas na política energética vigente. Sobre isso, nossa opinião é que:

 

1) Não reconhece e muitas vezes ferem os direitos dos atingidos, fato comprovado no atual estudo coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Relatório que encontra-se em fase final de debates e aprovação, que em futuro próximo deverá ser encaminhado a Vossa Excelência;

 

2) Continuam ferindo a soberania nacional e energética na medida em que está sendo entregue para as grandes empresas privadas o controle dos nossos recursos naturais como a água, grande fonte de produção de energia. E junto com esta uma extraordinária acumulação de lucro para estas grandes empresas, além de um visível retrocesso no tratamento das questões sociais e ambientais. Tudo feito com enormes somas de dinheiro público, provindos em grande parte do BNDES;

 

3) Cobram da população brasileira tarifas de energia extremamente elevadas, totalmente distante dos custos de produção da nossa principal fonte de energia que são as hidrelétricas. A saber, pagamos a quinta maior tarifa de energia elétrica do mundo;

 

4) Impõe a construção de obras extremamente discutíveis e contestadas como as hidrelétricas no rio Xingu, iniciando pela proposta de construir Belo Monte;

 

5) Há uma completa ausência de conceitos, dados e informações confiáveis por parte de Estado brasileiro a respeito das áreas e povos atingidos. Citando o caso clássico do Rio Madeira, nas usinas de Santo Antonio e Jirau, onde diziam haver 700 famílias atingidas. Hoje já consideram a existência de 1.200 propriedades atingidas somente na UHE Santo Antônio. Passado um ano e meio do início da construção da obra é que o INCRA, em conjunto com as construtoras, está fazendo o mapa da área, o que pode alterar novamente estes dados;

 

6) Salientamos que toda esta situação é ainda mais grave e amplia o sofrimento quando afeta comunidades tradicionais, pescadores, quilombolas, indígenas e, sobretudo as mulheres;

 

7) Finalmente, percebemos o aumento da violência e criminalização contra os atingidos e suas lideranças, chegando aos extremos de serem efetuadas prisões arbitrárias e assassinatos, sendo as últimas mortes ocorridas no reassentamento de Pedro Velho, na barragem de Acauã, na Paraíba, e em Rondônia, na comunidade de Jaci Paraná em Porto Velho, atingida pela barragem de Jirau. É recorrente ainda o incentivo à prostituição, o aumento do consumo de álcool e drogas, desestruturando as famílias atingidas por estas obras.

 

O que aqui relatamos está amplamente documentado e cientificamente comprovado em muitos trabalhos acadêmicos e pesquisas realizadas. Além do testemunho de vida dos povos atingidos, e mesmo em documentos oficiais do Estado brasileiro. Inclusive em documentos e propostas entregue pelo MAB, a este governo desde 2002.

 

Levando em conta os problemas apontados e acreditando na boa vontade deste governo propomos:

 

1) Que se inicie imediatamente um cadastro para que tenhamos dados oficiais confiáveis sobre as populações atingidas por barragens no Brasil;

 

2) Que se garanta o reassentamento de todos os atingidos por barragens, utilizando-se inclusive de processo de desapropriação de latifúndio por utilidade pública, assim como se faz atualmente com as famílias atingidas por barragens;

 

3) Que seja criada uma política de tratamento das questões sociais e ambientais para as populações atingidas por barragens, onde se defina o conceito de atingido já aprovado no CONSISE, quais os direitos básicos desta população e qual o órgão público responsável por executar e fiscalizar o cumprimento desses direitos;

 

4) Que sejam criadas políticas públicas específicas para os atingidos por barragens ou a adequação das já existentes. Se constitua um fundo especial com recursos do BNDES e do Fundo Social das Estatais e se inicie entre o governo e MAB a imediata implantação de programas de recuperação e desenvolvimento de comunidades atingidas (PROSDESCA) já discutidos na Eletrobrás;

 

5) Que se realize um amplo debate com a sociedade brasileira sobre a Política Energética Nacional, com o objetivo de incentivar ações de eficiência e economia de energia;

 

6) Que seja feita uma séria revisão nos absurdos preços das tarifas de energia elétrica cobrada da população brasileira;

 

7) Que sejam criados mecanismos para que as empresas que se apropriaram indevidamente de mais de 10 bilhões de reais nos últimos 10 anos devolvam estes recursos na forma de investimentos coletivos necessários aos municípios (em especial nas áreas da saúde, saneamento, habitação, agricultura camponesa);

 

8) Que assim que aprovado, o governo aplique as recomendações contidas no relatório de direitos humanos, coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos;

 

9) Que não se leve adiante a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e que esta questão seja um dos pontos de debate com a população brasileira;

 

10) Que nosso país reassuma de forma pública e com participação popular o controle da geração, transmissão e distribuição da energia, iniciando pela não renovação das concessões que vencem nos próximos anos.

 

Salientamos que as práticas hoje desenvolvidas de forma fragmentada e individualizada, obra por obra, e internamente em cada obra servem como forma concreta de ampliar a exploração sobre o povo atingido e fragilizar ainda mais os oprimidos. Entendemos que o Estado brasileiro deva combater este tipo de prática e nunca incentivá-las.

 

Acreditamos que políticas de Estado podem ajudar na solução deste problema e nós do MAB, à nossa maneira, iremos contribuir para isto.

 

Finalmente entendemos que este governo deve tratar com carinho as reivindicações dos camponeses(as) em especial com relação às dívidas agrícolas e à compensação financeira para a preservação ambiental e dar toda ajuda solidária ao sofrido povo do Haiti, conforme documento entregue neste momento que manifesta a opinião da Via Campesina.

 

Atenciosamente,

 

Coordenação Nacional do MAB

ÁGUA E ENERGIA NÃO SÃO MERCADORIAS

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