CPI da Dívida sofre boicote no governo, na Câmara e na mídia
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- Andrea
- 25/02/2010
A dívida pública brasileira tem aumentado nos últimos anos. Enquanto isso, o pagamento de juros e amortizações compromete anualmente cerca de 30% do orçamento e 5% do produto interno bruto (PIB), o que restringe a política econômica e o gasto público. Atualmente, a dívida brasileira atinge o patamar de R$ 1,6 trilhão. O gasto anual com a rolagem é de cerca de R$ 165 bilhões.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Federal investiga os indícios de ilegitimidade desse débito. Porém, o assunto parece não ter relevância para grande parte da imprensa brasileira.
Instalada em agosto de 2009, a consolidação da CPI em si já é considerada vitoriosa pelos proponentes e pelos movimentos que lutam por uma auditoria da dívida brasileira. O processo de criação da comissão requereu um esforço dentro e fora do Congresso, com o recolhimento de assinaturas e realização de debates.
A comissão não contou com a simpatia nem da base governista, nem da oposição de direita, segundo o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP), proponente da CPI. Por uma questão regimental, a comissão teve que entrar na ordem do dia e foi assegurada pelo então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) e confirmada pelo atual Michel Temer (PMDB-SP).
De acordo com Valente, o tema passa por todos os setores da sociedade, daí a importância de se trazer a questão para a ordem do dia no Congresso Nacional. "A dívida brasileira é o principal nó em nossa economia. Além do que essa insanidade de pagar a dívida religiosamente contribui para a idéia de ter um superávit primário, o que tira recursos da saúde e da educação", justifica.
Composição desfavorável
A composição da mesa teve uma demora inédita: seis meses. Contra a morosidade, Valente ameaçou levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a Câmara, enfim, acatou o pedido.
Mas o mais inusitado foi a escolha dos representantes da mesa. Há um acordo tácito na Câmara que garante ao proponente da CPI a presidência ou a relatoria, mas Valente não obteve nenhuma das duas.
A presidência da comissão ficou com o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) e a relatoria com Pedro Novais (PMDB-AP), que também foi relator da Lei de Responsabilidade Fiscal – dispositivo que restringe o gasto público para honrar as dívidas.
Boicote total
Segundo Valente, há um boicote do governo e da oposição de direita para não trazer "figurões" da gestão atual e anterior. "Tentamos trazer o [Pedro] Malan e o [Antonio] Palocci [ambos ex-ministros da Fazenda] e até o Fernando Henrique Cardoso, mas a base do governo e o PSDB boicotam essas convocações. Ainda não ouvimos o [Henrique] Meirelles e o [Guido] Mantega. Inclusive, há uma orientação do governo para que eles não sejam convocados", afirma o parlamentar.
O principal figurão a depor na comissão foi o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Em seu depoimento, o banqueiro afirmou que a dívida brasileira é "pesada e grande, mas administrável".
Além dessa resistência no parlamento, Valente relata o descaso da grande imprensa em relação ao tema. "Há um boicote total. A Folha de S. Paulo, por exemplo, se recusou por três vezes a publicar um artigo nosso sobre a CPI. Esses veículos são financiados por grandes bancos, que se beneficiam do pagamento da dívida", analisa.
Procedimentos
Até o momento, os debates na CPI circundam a questão do endividamento dos Estados, que exigem renegociação, e, quando puxado pelo proponente e pelos movimentos, discutem a política econômica por meio do pagamento religioso de juros e amortizações.
A comissão se encontra em fase final e o relator Pedro Novais deve apresentar o seu parecer em meados de março. Valente prevê que o relatório deve ser conservador e sua assessoria já analisa dados levantados para propor um documento alternativo, que pode ser votado na comissão.
"Estamos analisando para ver se há irregularidades no pagamento da dívida. Encontramos algumas coisas, mas não podemos adiantar", explica o deputado.
Renato Godoy de Toledo, Brasil de Fato.