Carta do VII Encontro Nacional da Articulação no Semi-árido Brasileiro
- Detalhes
- Andrea
- 09/04/2010
CARTA POLÍTICA
Nós, agricultores, agricultoras, organizações da sociedade civil e parceiros da Articulação no Semi-árido Brasileiro (ASA), reunidos em Juazeiro, na Bahia, entre os dias 22 e 26 de março de 2010, queremos apresentar à sociedade brasileira e internacional e aos gestores públicos do país, nos níveis federal, estadual e municipal, este documento que traduz o nosso projeto político, já em curso, de convivência com o Semi-árido. A ASA buscou, em sua ação, confluir as muitas lutas e iniciativas de organizações do Semi-árido e, a partir da execução dos Programas P1MC e P1+2, ganhou mais força na medida em que privilegiou a intensa participação de agricultores e agricultoras por meio de múltiplos intercâmbios, encontros, oficinas e implementações.
Muitas ações se concretizaram nestes anos com mais de 300 mil cisternas para consumo humano construídas, mais de 4.000 cisternas de produção e um sem número de outras infra-estruturas de captação de água de chuva para produção, como as barragens subterrâneas, os tanques de pedra e muitos outros. São milhares de famílias antes marginalizadas e que hoje dispõem de água de qualidade para sua segurança alimentar e nutricional e agregam a isso a possibilidade de produzir para seu sustento e para a comercialização.
Somadas a estas ações, um conjunto amplo e diversificado de experiências vêm construindo as bases para um modo de vida sustentável no Semi-árido.
A estratégia de rede para intervenção social no Semi-árido transcende as fronteiras e limites geográficos, associa os distantes que possuem os mesmos sonhos, vontades, desejos e também enfrentam dificuldades e desafios semelhantes. A Articulação no Semi-árido Brasileiro (ASA) inova no seu propósito de mobilização social, no método de executar programas com recursos públicos e, por último, inova na massificação do paradigma da convivência com o semi-árido.
Durante a realização do VII Encontro Nacional da Articulação no Semi-árido Brasileiro (VII EnconASA), presenciamos e confrontamos, claramente, a existência do modelo de desenvolvimento hegemônico, conservador, que por meio do agronegócio e das grandes obras, como a construção de grandes barragens, transposição de águas, de grandes perímetros irrigados, exclui as famílias de agricultores e agricultoras, amplia os processos de desertificação, contribuindo para efeitos nefastos das mudanças climáticas que ameaçam intensamente a vida no Semi-árido. Modelo que concentra riquezas, concentra a água, concentra a terra, degrada o ambiente, nega conhecimentos, dentre outros.
Em contraposição ao modelo hegemônico, propomos um modelo de desenvolvimento sustentável e solidário o qual coloca a VIDA no centro de todas as ações.
Ancorados nesse modelo de desenvolvimento sustentável e solidário, a ASA propõe e executa o paradigma da CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO, no qual a região e seu povo passam a ser concebidos e reconhecidos como belos, de grande potencial econômico, de imensas riquezas culturais, com recursos naturais esplêndidos, como um povo capaz, inteligente e com poder de construir e reconstruir sua história.
Assim, a ASA, nos seus 10 anos, afirma a CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO como eixo sobre o qual devem ser formuladas as políticas públicas para a Região. Neste sentido, o paradigma do combate à seca continua dando evidências de sua insustentabilidade e não possui sentido humano e democrático, se queremos um país para todos.
Tal realidade exige da sociedade e, em especial, dos gestores públicos, ações que garantam a efetiva democratização do acesso à terra e direito ao território, assim como a democratização do acesso à água, por meio de uma densa malha hídrica constituída de pequenas obras descentralizadas que atenda aos múltiplos usos das famílias, aliada a pequenas e médias adutoras que viabilizem o abastecimento de água a pequenos aglomerados e cidades. Que reconheça e valorize a biodiversidade e os conhecimentos associados dos povos e comunidades tradicionais, verdadeiros guardiões do patrimônio genético do Semi-árido. Que garanta a soberania alimentar e nutricional cumprindo o preceito legal do direito à alimentação recentemente inserido na própria Constituição Brasileira.
Que atue para construção de relações iguais entre homens e mulheres e que respeite e promova o direito da auto-organização das mulheres. Que a educação e a formação de crianças, jovens, agricultores e agricultoras sejam forjadas com base em um modelo de educação contextualizado na realidade, assentado na convivência com o Semi-árido, fazendo com que a escola produza novos conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento da comunidade/região/país. Que a produção de conhecimento se construa valorizando e articulando o saber acumulado das famílias agricultoras e o conhecimento científico a partir do paradigma da agroecologia para a convivência com o Semi-árido.
Que a lógica econômica que estrutura o desenvolvimento seja assentada em novas relações para uma economia a serviço da vida e a partir de relações solidárias e não na lógica de concentração e acúmulo de poucos.
Neste sentido é que acreditamos em um futuro mais democrático e participativo para o país e o Semi-árido, futuro este já em construção nas várias experiências de agricultores e agricultoras e nas políticas que as vem acolhendo.