Correio da Cidadania

Entidades da Via Campesina apresentam plataforma política para a agricultura brasileira

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Ao povo brasileiro e às organizações populares do campo e da cidade

 

O atual modelo agrícola imposto ao Brasil pelas forças do capital e das grandes empresas é prejudicial aos interesses do povo. Ele transforma tudo em mercadoria: alimentos, bens da natureza (como água, terra, biodiversidade e sementes.) e se organiza com o único objetivo de aumentar o lucro das grandes empresas, das corporações transnacionais e dos bancos.

 

Nós precisamos urgentemente construir um novo modelo agrícola baseado na busca constante de uma sociedade mais justa e igualitária, que produza suas necessidades em equilíbrio com o meio ambiente. Por isso, fazemos algumas considerações e convidamos o povo brasileiro a refletir e decidir qual é o modelo de agricultura que quer para o nosso país.

 

I – A NATUREZA DO ATUAL MODELO AGRÍCOLA

 

O atual modelo agrícola, chamado de agronegócio, tem como principais características:

 

1.Organizar a produção agrícola sob controle dos grandes proprietários de terra e empresas transnacionais, que exploram os trabalhadores agrícolas e têm o domínio sobre produção, comércio, insumos e sementes.

 

2.Priorizar a produção na forma de monocultivos extensivos, em grande escala, que afetam o ambiente e exigem grandes quantidades venenos, que prejudicam a saúde e a qualidade dos alimentos. O Brasil consome mais de um bilhão de litros de veneno por ano, se transformando no maior consumidor mundial!

 

3.Organizar o monocultivo florestal, como o de eucalipto e pínus, que destroem o ambiente, a biodiversidade, estragam a terra, geram desemprego, destinando a produção para exportação, dando lucro para as transnacionais e nos deixando a degradação social e ambiental.

 

4.Incentivar a ampliação da área de monocultivo de cana-de-açúcar para produção de etanol, para exportação. Novamente, causando prejuízos ao ambiente, elevando o preço dos alimentos, a concentração da propriedade da terra e desnacionalizando o setor da produção do açúcar e álcool.

 

5.Difundir o uso das sementes transgênicas, que destroem a biodiversidade e eliminam todas as nossas sementes nativas. As sementes transgênicas não conseguem conviver com outras variedades e contaminam as demais, resultando, a médio prazo, na existência de apenas sementes controladas por empresas transnacionais. Com o controle das sementes, essas empresas cobram royalties, vendem agrotóxicos de suas próprias indústrias e pressionam governos a adotarem políticas dos seus interesses.

 

6.Incentivar o desmatamento da floresta amazônica e a destruição dos babaçuais, através da expansão da pecuária, soja, eucalipto e cana, e para exportação de madeira e minérios. Somos contra a lei que autoriza a exploração privada das florestas públicas.

 

Diante da gravidade da situação, denunciamos à sociedade brasileira:

 

1.O modelo do agronegócio protege a exploração do trabalho escravo, do trabalho infantil e a superexploração dos assalariados rurais, sem garantir os direitos trabalhistas e previdenciários e as mínimas condições de transporte e de vida nas fazendas. Por isso, a bancada ruralista nunca aceitou votar o projeto que penaliza fazendas com trabalho escravo, já aprovado no Senado.

 

2.O projeto de lei do senador Sergio Zambiasi (PTB-RS), que pretende diminuir a proibição de propriedades estrangeiras na faixa de fronteira de todo país, regulariza as terras em situação de ilegalidade e crimes de empresas estrangeiras na fronteira, como a Stora Enso e a seita Moon.

 

3.As obras de transposição do Rio São Francisco visa apenas beneficiar o agronegócio, o hidronegócio e a produção para exportação, e a expansão da cana, na região nordeste, e não atende as necessidades dos milhões de camponeses que vivem no Semi-Árido.

 

4.A crescente privatização da propriedade da água por empresas, sobretudo estrangeiras, como a Nestlé, Coca-cola e Suez, entre outras.

 

5.O atual modelo energético prioriza as grandes hidrelétricas, principalmente na Amazônia, e transforma a energia em mercadoria. Privatiza, destrói e polui o ambiente, aumenta cada vez mais as tarifas da energia elétrica ao povo brasileiro, privilegia os grandes consumidores eletrointensivos e entrega o controle da energia às grandes corporações multinacionais, colocando em risco a soberania nacional.

 

6.As tentativas de modificação no atual Código Florestal, proposta pela bancada ruralista a serviço do agronegócio, autoriza o desmatamento das áreas, buscando apenas o lucro fácil.

 

7.As articulações das empresas transnacionais, falsas entidades ambientalistas e alguns governos do hemisfério Norte querem transformar o meio ambiente em simples mercadoria. E introduzir títulos de créditos de carbono negociáveis nas bolsas de valores - inclusive para isentar as empresas poluidoras do Norte - e gerar oportunidades de lucro para empresas do Sul, enquanto as agressões ao meio ambiente seguem livremente pelo capital.

 

8.As políticas que privatizam o direito de pesca, desequilibram o meio ambiente nos rios e no mar e inviabilizam a pesca artesanal, da qual dependem milhões de brasileiros.

 

9.A lei recentemente aprovada que legaliza a grilagem, regularizando as áreas públicas invadidas na Amazônia até 1500 hectares por pessoa (antes era permitido legalizar apenas até 100 hectares). Somos contra o projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) que reduz a Reserva Florestal na Amazônia em cada propriedade de 80% para 50%.

 

II – PROPOMOS UM NOVO PROGRAMA PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA

 

Um programa que seja baseado nas seguintes diretrizes:

 

1.Implementar um programa agrícola e hídrico, que priorize a soberania alimentar de nosso país, estimule a produção de alimentos sadios, a diversificação da agricultura, a Reforma Agrária, como ampla democratização da propriedade da terra, a distribuição de renda produzida na agricultura e fixação da população no meio rural brasileiro.

 

2.Impedir a concentração da propriedade privada da terra, das florestas e da água. Fazer uma ampla distribuição das maiores fazendas, instituindo um limite de tamanho máximo da propriedade de bens da natureza.

 


3.Assegurar que a agricultura brasileira seja controlada pelos brasileiros e que tenha como base a produção de alimentos sadios, a organização de agroindústrias na forma d cooperativas em todos os municípios do país.

 

4.Incentivar a produção diversificada, na forma de policultura, priorizando a produção camponesa.

 

5.Adotar técnicas de produção que buscam o aumento da produtividade do trabalho e da terra, respeitando o ambiente e a agroecologia. Combater progressivamente o uso de agrotóxicos, que contaminam os alimentos e a natureza.

 

6.Adotar a produção de celulose em pequenas unidades, sem monocultivo extensivo, buscando atender as necessidades brasileiras, em escala de agroindústrias menores.

 

7.Defender a "política de desmatamento zero" na Amazônia e Cerrado, preservando a riqueza e usando os recursos naturais de forma adequada e em favor do povo que lá vive. Defender o direito coletivo da exploração dos babaçuais.

 

8.Preservar, difundir e multiplicar as sementes nativas e melhoradas, de acordo com nosso clima e biomas, para que todos os agricultores tenham acesso.

 

9.Penalizar rigorosamente todas as empresas e fazendeiros que desmatam e poluem o meio ambiente.

 

10.Implementar as medidas propostas pela Agência Nacional de Águas (Atlas do Nordeste), que prevê obras e investimentos em cada município do Semi-Árido, que com menor custo resolveria o problema de água de todos os camponeses e população residente na região.

 

11.Assegurar que a água, como um bem da natureza, seja um direito de todo cidadão. Não pode ser uma mercadoria e deve ser gerenciada como um bem público, acessível a todos e todas. Defendemos um programa de preservação de nossos aqüíferos, como as nascentes das três principais bacias no cerrado, o aqüífero Guarani e a mais recente descoberta do aqüífero Alter do Chão, na região amazônica.

 

12.Implementar um novo projeto energético popular para o país, baseado na soberania energética e garantir o controle da energia e de suas fontes a serviço do povo brasileiro. Assegurar que o planejamento, produção, distribuição da energia e de suas fontes estejam sob controle do povo brasileiro. Também, estimular todas as múltiplas formas de fontes de energia, com prioridade para as potencialidades locais e de uso popular. Exigir a imediata revisão das atuais tarifas de energia elétrica cobradas à população, garantindo o acesso a todos a preços compatíveis com a renda do povo brasileiro.

 

13.Regularizar todas as terras quilombolas em todo país.

 

14.Proibir a aquisição de terras brasileiras por empresas transnacionais e "seus laranjas", acima do módulo familiar.

 

15.Demarcar imediatamente todas as áreas indígenas e promover a retirada de todos os fazendeiros invasores, em especial nas áreas dos guaranis no Mato Grosso do Sul.

 

16.Promover a defesa de políticas públicas para agricultura, por meio do Estado, que garantam:

 

a) Prioridade para a produção de alimentos para o mercado interno;
b) Preços rentáveis aos pequenos agricultores, garantindo a compra pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab);
c) Uma nova política de crédito rural, em especial para investimento nos pequenos e médios estabelecimentos agrícolas;
d) Uma política de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) definida a partir das necessidades dos camponeses e da produção de alimentos sadios;
e) Adequar a legislação sanitária da produção agroindustrial às condições da agricultura camponesa e das pequenas agroindústrias, ampliando as possibilidades de produção de alimentos;
f) Políticas públicas para a agricultura direcionadas e adequadas às realidades regionais.

 

17.Garantir a manutenção do caráter público, universal, solidário e redistributivista da seguridade social no Brasil, como garantia a todos trabalhadores e trabalhadoras da agricultura. Garantir o orçamento para a Previdência Social e a ampliação dos direitos sociais a todos trabalhadores e trabalhadoras, como os que estão na informalidade e os trabalhadores domésticos.

 

18.Rever o atual modelo de transporte individual e desenvolver um programa nacional de transporte coletivo, que priorize os sistemas ferroviário, metrô, hidrovias, que usam menos energia, são menos poluentes e mais acessíveis à toda a população.

 

19.Assegurar a educação no campo, implementando um amplo programa de escolarização no meio rural, adequados à realidade de cada região, que busque elevar o nível de consciência social dos camponeses, universalizar o acesso dos jovens a todos os níveis de escolarização e, em especial, ao ensino médio e superior. Desenvolver uma campanha massiva de alfabetização de todos os adultos.

 

20.Mudar os acordos internacionais da Organização Mundial do Comércio (OMC), União Européia-Mercosul, convenções e conferências no âmbito das Nações Unidas, que defendem apenas os interesses do capital internacional, do livre comércio, em detrimento dos camponeses e dos interesses dos povos do sul.

 

21.Aprovar a lei que determina expropriação de toda fazenda com trabalho escravo. Impor pesadas multas às fazendas que não respeitam as leis trabalhistas e previdenciárias. Revogação da lei que possibilita contratação temporária de assalariados rurais, sem carteira assinada.

 

Por trabalho, alimento sadio, preservação ambiental, um novo modelo agrícola e soberania nacional!

 

Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal - ABEEF
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento das Mulheres Camponesas - MMC
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil

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