Avaliação do Comitê da Copa sobre a participação popular em Fortaleza no mega-evento
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- Andrea
- 01/04/2011
Copa do Mundo, a Prefeitura Municipal de Fortaleza e a tríade descaso, desresponsabilização e contenção da insatisfação popular: até quando?
Em meados de fevereiro, movimentos populares foram convidados pela Coordenação de Participação Popular da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) para "debater politicamente", conforme constava no convite enviado pela própria prefeitura, questões de imprescindível interesse público, tais como o Plano Diretor, Zonas Especiais de Interesse Social, Conselho Municipal das Cidades e Copa do Mundo de 2014. Em relação à Copa, era a primeira vez que a PMF se reuniria com movimentos organizados para tratar de um tema que já bate – literalmente – à porta de centenas de famílias da capital cearense, atormentando-as quanto a um futuro incerto.
Após a apresentação dos slides que revelaram que, para receber no máximo quatro jogos da Copa do Mundo de 2014, serão investidos R$ 562,02 milhões em obras de duplicação de vias e construção de um Veículo Leve sobre Tilhos (VLT), integrantes do Comitê Popular da Copa questionaram representantes da Prefeitura – Geraldo Acioly, Elmano Freitas e Ibiapino, os dois últimos, ex-militantes das lutas populares de nosso Estado –, sobre o que vem assustando a população: as remoções de comunidades para dar lugar a grandes avenidas; a quantidade de removíveis; o valor da desapropriação; o destino dessas famílias; os impactos ambientais e urbanísticos que o evento irá gerar e, ainda, a situação das pessoas que ora moram nas rua. Ficamos bastante surpresos com o conteúdo das respostas dos supostos interlocutores.
A cada frase, tornava-se clara a intenção da Prefeitura em se desresponsabilizar quanto aos impactos ou remoções mais escandalosas, e a opção de atribuir culpa ao Governo do Estado, como no caso da construção do VLT e da marcação irregular de casas. Assim como nos tempos coloniais, muitas casas têm amanhecido portando símbolos anunciadores da retirada dos seus donos, a despeito de qualquer diálogo. "Deve ser ação do Estado", afirmaram. Quando não, respostas evasivas e dados imprecisos eram lançados. Ora, há que se questionar sob que base de cálculo chegou-se ao custo de R$ 562,02 milhões, se a Prefeitura alega não saber quantas pessoas serão removidas e qual o valor que receberão a título de indenização. Como fechou-se essa conta? O destino das famílias que residem há anos naquelas localidades, não foi considerado?
Surpreendidos pela quantidade de informações trazidas pelos movimentos sociais, que não se contentaram com as respostas evasivas e com as promessas de que grandes obras alterarão os rumos da cidade, a tríade - aqueles que já estiveram do lado de cá - partiu para a tática nada progressista: a contenção da insatisfação popular, pelas promessas.
Promessas de uma participação que tem se mostrado fajuta, frouxa e volúvel, uma característica do modo de governar da Prefeitura de Fortaleza. Além disso, vimos ainda alguns representantes do poder público tentando ditar o que movimento deveria ou não reivindicar e mesmo como fazê-lo, tudo com o uso de artimanhas discursivas para desvirtuar a argumentação dos/as presentes ou lançá-los/as umas contra as outras.
Apesar disso, apoiamos e nos comprometemos com a realização de espaços de participação amplos, pois sempre estivemos dispostos a debater tais questões. Nesse sentido, acertamos uma reunião com este caráter para após a entrega dos projetos à Caixa Econômica Federal, que ocorreria dali a alguns dias, na qual seriam socializadas as informações detalhadas dos mesmos, algo que até então não existiam. Mesmo inseguros quanto à possibilidade de alteração dos planos e proposição de alternativas, já que a submissão dos mesmos a um financiador já estaria dada, fomos à reunião mais uma vez e fomos surpreendidos: os detalhamentos não foram levados e a pauta de discussão foi alterada, evitando-se, com isso, o debate e a deliberação coletiva sobre as obras.
É de se imaginar que também deva ter surpreendido o fato de ainda existirem movimentos unidos na defesa de uma cidade realmente justa. Movimentos que não aceitarão, assim como o poder público tem feito, que o capital dite quem são os condenados da cidade à condição de refugo humano. A Fortaleza Bela está no topo das cidades mais desiguais do mundo; aquela que é uma das quatro mais desiguais cidades brasileiras, conforme Relatório da ONU, publicado em 2010, e que aponta como uma das causas para tanta injustiça social a interferência dos interesses econômicos de grupos particulares na definição das políticas públicas.
Outro dado que revela a capitulação da Prefeitura às pressões e aos interesses do mercado, usando dinheiro público para fins privados, foi a afirmação de que serão aceitas as condições impostas pela FIFA. Isso significa que as obras privilegiarão a ligação do setor hoteleiro ao Castelão, bem como a região leste da cidade, conhecido alvo de interesses dos especuladores imobiliários. Enquanto isso, Fortaleza continuará com um déficit habitacional que supera os 270 mil domicílios e com precários sistemas de saneamento básico e de saúde. Fica claro, pois, que, para cumprir a agenda definida pelo grande capital, pouco importam as necessidades reais da população. Pouco importa que as áreas de risco se avolumem, que uma situação de epidemia de dengue se instale, que as filas dos hospitais cresçam cada vez mais. Que o Plano Diretor da cidade, fruto de muitos anos de luta do movimento urbano fortalezense, seja solenemente desrespeitado.
O que ali não foi dito, mas que as experiências dos megaeventos em diversos países e as ações que têm sido praticadas no Ceará, como as remoções já ocorridas e a tentativa de fragilizar a legislação ambiental, tornando mais fácil a apropriação dos nossos melhores recantos pelo capital, é que, com o argumento da Copa, uma profunda higienização social começa a ser realizada. Não estamos falando de uns poucos, mas de até 7.000 famílias integrantes, principalmente, de comunidades constituídas por ocupações urbanas que poderão ser removidas para regiões limítrofes, em conjuntos habitacionais sem infraestrutura básica, acesso a transporte e creches, ao arrepio da legislação, ou serão indenizadas a preços irrisórios, o que as obrigará a procurar um lugar qualquer para morar ou ainda, por mais absurdo que isso possa parecer, mas não impossível de acontecer, serão trancafiadas em abrigos, até que o clima da Copa se dissolva.
Todavia, ainda há resistentes. E essa resistência cresce a cada dia, naquelas pessoas que não foram amordaçadas por promessas e por políticas compensatórias, artifícios que estarão sempre submetidos à lógica e à prioridade de quem se acha dono/a do poder. E essas resistências, devemos ressaltar, já extrapolam os limites de cada cidade-sede e se encontram em articulações nacionais que reúnem várias organizações e comitês locais estão em curso, visando a fortalecer as manifestações em defesa de direitos, por todo o país.
Não seguiremos a cartilha da higienização social e da destinação da cidade ao capital, hoje encampada pela Prefeitura de Fortaleza. Estamos certos que o desassossego, feito pólen ao vento, será levado para outras pessoas, que se somarão às que já optaram por resistir à exclusão e lutar pela garantia de direitos, pela independência política e pela soberania popular.
Comitê Popular da Copa
Fortaleza, 23 de março de 2011