Correio da Cidadania

Bureau da Quarta Internacional: “Na Tunísia e Egito as revoluções estão em curso”

0
0
0
s2sdefault

 

A situação, como em qualquer outra revolução, está mudando de hora em hora. Qualquer avaliação será, sem dúvida, ultrapassada pelos acontecimentos dentro de algumas horas ou dias. Mas já podemos dizer que a Tunísia e o povo egípcio estão escrevendo as primeiras páginas das revoluções do século 21. Eles estão enviando ondas de choque para todo o mundo árabe, de Alger até Ramallah, a partir de Aman para Sanaa, no Iêmen. Estas revoluções remontam, dentro das determinadas condições históricas dessas sociedades, desde a crise que abala o sistema capitalista mundial. Os "motins da pobreza" são combinados com uma mobilização imensa pela democracia. Os efeitos da crise econômica mundial combinada com a opressão das ditaduras fazem destes países, na situação atual, os elos fracos da dominação imperialista. Eles estão criando as condições para a abertura de processos de revoluções sociais e democráticas.

 

Manifestações, greves, comícios, comitês de autodefesa, mobilizações de sindicatos e associações civis, a mobilização de todas as classes populares, "os de baixo"e "os do meio", que estão balançando durante a insurreição, "aqueles acima que não podem mandar como antes ", a convergência entre os partidos da oposição radical contra o sistema, todos estes são os ingredientes de uma situação pré-revolucionária ou revolucionária que hoje está pronta para explodir.

 

Hoje é a vez do Egito ver centenas de milhares de trabalhadores, jovens e desempregados se levantarem contra a ditadura de Mubarak.

 

Na Tunísia, uma sangrenta ditadura foi derrubada. Ela foi o foco do ódio de toda uma sociedade, as classes populares e, especialmente da juventude. O regime de Ben Ali, a sua repressão, a sua corrupção, um sistema apoiado por todas as potências imperialistas, França, EUA, a União Européia, teve que ser jogado fora.

 

É esse mesmo movimento que está varrendo o Egito hoje.

 

Há, naturalmente, diferenças históricas entre os dois países. Egito é o país mais populoso do mundo árabe. Ele tem um lugar decisivo na geoestratégia do Oriente Médio. As estruturas do Estado, as instituições, o papel do Exército são diferentes lá. Mas é o mesmo movimento de base que está afetando os dois países.

 

As massas tunisianas não podiam mais suportar um sistema econômico - "um bom aluno da economia mundial", segundo Strauss-Khan - que as faziam passar fome. A explosão dos preços dos alimentos básicos, o desemprego de quase 30%, centenas de milhares de profissionais treinados e qualificados e jovens sem emprego, constituíam um terreno fértil para o crescimento de uma revolta social que, combinada com uma crise política, levou a uma revolução.

 

Houve aumentos de preços dramáticos de todos os produtos essenciais, incluindo arroz, trigo e milho, entre 2006 e 2008. O preço do arroz triplicou em cinco anos, passando de aproximadamente US$ 600 por tonelada em 2003, para mais de 1.800 dólares por tonelada em maio de 2008.

 

O recente aumento no preço do grão é ilustrada por um salto de 32% registrado no segundo semestre de 2010, no índice composto de preços de alimentos.

 

O grande aumento nos preços do açúcar, cereais e oleaginosas levou os preços dos alimentos a níveis recordes em dezembro, superando os de 2008, que tinham detonado motins em todo o mundo.

 

Ao mesmo tempo, o FMI e a OMC estão exigindo a abolição de todas as barreiras tarifárias e fim de subsídios para todos os alimentos.

 

A recente subida especulativa nos alimentos estimulou o desenvolvimento mundial da fome a uma escala sem precedentes, que está atingindo uma série de países da África e do mundo árabe.

 

O Egito também sofreu os efeitos desta explosão de preços dos alimentos. A economia não cria empregos suficientes para atender as necessidades da população. As políticas neoliberais implementadas desde 2000 causaram uma explosão de desigualdades e um empobrecimento de milhões de famílias. Quase 40% dos egípcios continuam a viver com menos de dois dólares por dia. E 90% dos desempregados são jovens com menos de 30 anos.

 

Outra coisa notável é que a federação sindical nacional do Egito - liderada por membros do governo - parcialmente retirou seu apoio ao governo nas duas semanas posteriores à insurreição da Tunísia. Eles queriam controles de preços, aumentos salariais e um sistema de distribuição subsidiada de alimentos para as pessoas serem capazes de obter as necessidades básicas, como chá ou óleo. Exigências desse tipo são inéditas, partindo de dirigentes sindicais, convencidos adeptos do neoliberalismo. Esse é o impacto dos acontecimentos da Tunísia

 

Na Tunísia, esta revolução tem raízes profundas. O atual movimento social é o resultado de um ciclo de mobilizações e movimentos, que construiu a sua força a partir da história das lutas do povo tunisiano e suas organizações, em particular, muitas associações de direitos humanos e das liberdades democráticas e sindicais, como muitos setores da UGTT (União Geral dos Trabalhadores da Tunísia).

 

Lembramo-nos da luta de algumas personalidades pela liberdade de expressão e de viajar em 1999, o movimento de estudantes do ensino médio em 2000, as mobilizações contra a guerra no Iraque em 2001, a segunda intifada em 2002-2003, greves e manifestações em Gafsa em 2008, Ben Guerdane em junho de 2010 e Sidi Bouzid, que no final de 2010 abriu o caminho para a revolução.

 

É um movimento histórico que começou com esta combinação de uma revolta social e de derrubada de uma ditadura, mas que hoje pretende ir mais longe. É uma revolução democrática radical que tem demandas sociais anticapitalistas.

 

Ben Ali teve de fugir, mas a essência do seu sistema criminoso permaneceu no local. A força da mobilização limitou os apoiadores de Ben Ali a deixarem o governo de forma gradual, mas enquanto escrevemos esta declaração, o primeiro-ministro ainda é o apoiador de Ben Ali, Ghannouchi.

 

E a revolução quer ir mais longe: "Fora RCD!", "fora Ghannouchi!". Por trás dessas exigências está o conjunto do sistema político, todas as instituições, todo o aparato repressivo que devem ser erradicados. É preciso acabar com todo o sistema de Ben Ali, para estabelecer todos os direitos e liberdades democráticas: o direito à liberdade de expressão, direito à greve, direito de manifestação, pluralismo de associações, sindicatos e partidos.

 

Abolir a presidência e instalar um governo provisório revolucionário! Livrar-se da ditadura e de todas as operações que querem proteger o poder das classes dominantes, significa hoje a abertura de um processo de eleições livres para uma Assembléia Constituinte. Este processo deve basear-se na organização de comitês, conselhos, coordenações e conselhos populares, que surgiram a partir do processo, para não sejam confiscadas por um novo regime oligárquico.

 

Neste processo, os anticapitalistas defenderão as exigências essenciais de um programa de ruptura com o imperialismo e a lógica capitalista: a satisfação das necessidades vitais das classes populares - o pão, os salários, empregos, reorganização da economia com base em necessidades sociais fundamentais - serviços públicos grátis e adequados, escolas, saúde, direitos das mulheres, reforma agrária radical, a socialização dos bancos e setores-chave da economia; alargar a proteção social para o desemprego, saúde e aposentadoria; o cancelamento da dívida, soberania nacional e popular. Este é o programa de um governo democrático que possa estar ao serviço dos trabalhadores e da população.

 

Ao mesmo tempo, para organizar a defesa dos distritos, para expulsar os líderes da RCD da administração do Estado ou de grandes empresas, para reorganizar a distribuição dos alimentos, os trabalhadores e os jovens estão organizando suas próprias assembléias e comissões. Os setores mais combativos e mais radicais devem apoiar, incentivar, organizar e coordenar todas estas estruturas de auto-organização. Eles são fundamentais para a criação de um poder democrático das classes populares.

 

No Egito, no momento em que escrevemos esta declaração, o país está num estado de insurreição. Apesar da repressão sangrenta, as ondas de mobilização do povo se desenvolvem. Centenas de milhares de manifestantes estão nas ruas do Cairo, Alexandria e Suez. O escritório do partido da governo, o PDN, e os símbolos do regime têm sido atacados. O ódio ao sistema de Mubarak, a rejeição total da corrupção e a vontade de satisfação das demandas sociais vitais, contra os aumentos de preços têm provocado e estimulado a mobilização de todas as classes populares. O regime é vacilante. A liderança do Exército apoiado pelos EUA tentou um "golpe auto-gestado" colocando Omar Suleiman, chefe dos serviços secretos e dos pilares do atual regime Mubrak, como vice-presidente. O Exército está tensionado. Houve cenas de confraternização entre o povo e os soldados, mas confrontado com a determinação dos egípcios, a liderança do Exército também pode escolher o confronto e a dura repressão.

 

A demanda de milhões nas ruas é clara: Mubarak deve ir, mas é a ditadura toda, todo o seu aparato repressivo que devem ser derrubados, e um processo democrático com todos os direitos e as liberdades colocado no lugar. A convocação para um dia de mobilização em 1 de fevereiro é o próximo passo.

 

Nos últimos 30 anos Mubarak tem mantido um regime ditatorial, prendendo e assassinando os seus opositores, suprimindo qualquer expressão independente dos movimentos sociais e políticos da oposição. A farsa eleitoral de novembro de 2010, totalmente controlada pelo NDP, que ganhou mais de 80% dos assentos no Parlamento, é o exemplo mais recente. Nos últimos anos têm existido importantes movimentos grevistas dos trabalhadores têxteis de El-Mahalla, greves gerais e manifestações e protestos de diferentes categorias sociais, grandes mobilizações anti-imperialistas contra a ocupação militar do Iraque e do Afeganistão em 2004, marcando a negação e isolamento de um regime que se sustenta apenas pelo apoio dos EUA e da União Européia.

 

O Egito é, com Israel e Arábia Saudita, um dos três pilares da política imperialista na região. Os EUA, Israel e a Europa fazem de tudo para impedir que o Egito fuja da sua zona de influência e farão tudo que puderem para se opor a um desenvolvimento revolucionário dos protestos.

 

A revolução da Tunísia incendiou o mundo árabe. É também, para toda uma geração, a sua primeira revolução. Tudo pode mudar hoje, com a ascensão do povo egípcio. A mobilização terá seguramente repercussões pela região, principalmente incentivando a Palestina, apesar da vergonhosa declaração de Mahmoud Abbas.

 

Temos de construir um muro de solidariedade em torno dos processos revolucionários que se desenvolvem na Tunísia e Egito, baseada em uma solidariedade ativa com as mobilizações em todo o mundo árabe. Não podemos ignorar a possibilidade de golpes do aparelho repressivo de Ben Ali, ou as ameaças de seu amigo Khadaffi. Além disso, se o regime se decidir pelo confronto, os líderes do Exército poderiam desencadear uma repressão sangrenta.

 

Confrontado com o aprofundamento do processo revolucionário, as potências ocidentais e as classes dominantes vão tentar retomar o controle, quebrando essa imensa esperança.
O povo da Tunísia e Egito devem ser capazes de contar com a totalidade do movimento operário internacional, e todos os movimentos de justiça global. Nos sindicatos, associações, partidos de esquerda, temos de apoiar as lutas desses povos e os trovões de revolta no mundo árabe.

 

Viva a revolução da Tunísia e do Egito!

 

Solidariedade com as lutas no mundo árabe!

 

Bureau da Quarta Internacional.

0
0
0
s2sdefault