Ocupação da Funarte: trabalhadores perderam a paciência
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- 26/07/2011
Cansados de medidas paliativas e disputas por migalhas, os trabalhadores da cultura perdem a paciência e ocupam a FUNARTE em São Paulo.
Durante a tarde desta segunda-feira, 25/07, cerca de 600 pessoas ocuparam a sede da Fundação Nacional das Artes (FUNARTE) na cidade de São Paulo. Desde as 14h, os trabalhadores da cultura, atuantes na área de teatro, dança, circo, vídeos e outras artes manifestavam-se em um palco montado numa rua que ladeia a instituição, na região central de São Paulo. Por volta das 17h, adentraram as instalações da FUNARTE, decretando o espaço “ocupado sob custódia dos trabalhadores artísticos”.
Segundo Luciano Carvalho, do Coletivo Dolores Boca Aberta, esta é apenas a primeira atividade de uma série que ocorrerá para pôr em pauta o tema do financiamento dos programas culturais em todo o país. O movimento é contrário à forma em que vêm sendo pensadas e construídas as leis voltadas para o setor, centradas basicamente no modelo de renúncia fiscal, a exemplo da Lei Rouanet, uma forma essencialmente mercantilizada, que mais serve à “gerência de marketing das empresas”, ao invés de promover o investimento direto nos grupos e coletivos que fazem a coisa acontecer. “Às vezes, há um paliativo: um editalzinho. Mas mantêm a mesma estrutura”.
Da forma que está, as políticas federais de apoio à cultura acabam destinando o grosso da verba estatal para as empresas. Sobre o impacto que o padrão de financiamento tem provocado nas iniciativas populares e ligadas aos movimentos sociais, Luciano comenta que, nestes casos, “a cultura é relegada a guetos de resistência”, servindo à lógica da concentração de capital e “estimulando a divisão pela disputa de migalhas”.
Fábio, membro da Brava Cia. de Teatro, conta que há mais de 8 anos os grupos buscam o diálogo, através de reuniões e comissões com Ministérios, e até propostas de leis já entregaram.
Hoje, inspirados na frase de um poema de Mauro Iasi, dizem: “É hora de perder a paciência!”
Os manifestantes ocuparam o prédio da FUNARTE de forma tranqüila e festiva. Havia batuques, palhaços, danças, confecção de camiseta, malabares, recitação de poemas, projeção de vídeo etc. Assim que os cadeados foram trancados e declarada a ocupação, deu-se início à formação de comissões e divisão de tarefas. O objetivo, mais do que abrir um canal de negociação, como costuma ser, é o de montar uma vigília constante e, coletivamente, “pensar em uma nova forma de fazer política”.
Mais tarde, em plenária, os artistas decidiram que iriam dormir esta noite no local, mas preparam-se para ficar por mais tempo: “é possível que durma hoje, amanhã e...”, disse um dos ocupantes.
A ação do Movimento dos Trabalhadores da Cultura está sendo organizada por diversos grupos e coletivos - entre eles, Cooperativa Paulista de Teatro, o Movimento 27 de Março e o Movimento de Teatro de Rua de São Paulo -, mas conta com o apoio de outras organizações políticas, como o MPL-SP, a CSP-Conlutas e o MST.
De acordo com Ney Piacentini, representante da Cooperativa Paulista de Teatro, participaram da concepção do ato cerca de 300 grupos culturais, inclusive do interior do estado.
Manifesto dos trabalhadores da cultura: É hora de perder a paciência!
O Movimento de Trabalhadores da Cultura, aprofundando e reafirmando as posições defendidas desde 1999, em diversos movimentos como o Arte Contra Barbárie, torna pública sua indignação e recusa ao tratamento que vem sendo dado à cultura deste país. A arte é um elemento insubstituível para um país: registrar, difundir e refletir o imaginário de seu povo. Cultura é prioridade de Estado, por fundamentar o exercício crítico do ser humano na construção de uma sociedade mais justa.
A produção artística vive uma situação de estrangulamento que é resultado da mercantilização imposta à cultura e à sociedade brasileiras. O Estado prioriza o capital e os governos municipais, estaduais e federal teimam em privatizar a cultura, a saúde e a educação. É esse discurso que confunde política para a agricultura com dinheiro para o agronegócio; educação pública com transferência de recursos públicos para faculdades privadas; incentivo à cultura com Imposto de Renda doado para o marketing, servindo a propaganda de grandes corporações. Por meio da renúncia fiscal – em leis como a Lei Rouanet - os governos transferiram a administração de dinheiro público destinado à produção cultural para as mãos das empresas.
Dinheiro público, utilizado com critérios de interesses privados. Política que não amplia o acesso aos bens culturais e principalmente não garante a produção continuada de projetos culturais.
Em 2011 a cultura sofreu mais um ataque: um corte de dois terços de sua verba anual. De 0,2% ou 2,2 bilhões de reais, foi para 0,06% ou 800 milhões de reais do orçamento geral da União em um momento de prosperidade da economia brasileira. Esta regressão implicou na suspensão de todos os editais federais de incentivo à Cultura no país, num processo claro de destruição das poucas conquistas da categoria. Enquanto isso, a renúncia fiscal da Lei Rouanet não sofreu qualquer alteração apesar das inúmeras críticas de toda a sociedade.
Trabalhadores da Cultura, é hora de perder a paciência: exigimos dinheiro público para arte pública!
Arte pública é aquela financiada por dinheiro público, oferecida gratuitamente, acessível a amplas camadas da população – arte feita para o povo.
Arte pública é aquela que oferece condições para que qualquer trabalhador possa escolhê-la como seu ofício e, escolhendo-a, possa viver dela – arte feita pelo povo.
Por uma arte pública, tanto nós, trabalhadores da cultura, como toda a população em seu direito ao acesso irrestrito aos bens culturais, exigimos programas – e não programa único – estabelecidos em leis com orçamentos próprios. Exigimos programas que estruturem uma política cultural contínua e independente – como é o caso do Prêmio Teatro Brasileiro, um modelo de lei proposto pela categoria após mais de 10 anos de discussões.
Por uma arte pública exigimos Fundos de Cultura, também estabelecidos em lei, com regras e orçamentos próprios a serem obedecidos pelos governos e executados por meio de editais públicos, reelaborados constantemente com a participação da sociedade civil organizada e não dentro dos gabinetes.
Por uma arte pública, exigimos a imediata votação da PEC 236, que prevê a cultura como direito social, e também imediata votação da PEC 150, que garante que o mínimo de 2% (hoje, 40 bilhões de reais) do orçamento geral da União seja destinado à Cultura, nos padrões propostos pela ONU, para que assim tenhamos verbas que possibilitem o início de um tratamento devido à cultura brasileira.
Por uma arte pública, exigimos a imediata publicação dos editais de incentivo cultural que foram suspensos, e o descontingenciamento imediato da já pequena verba destinada à Cultura.
Por uma arte pública, exigimos o fim da política de privatizações e sucateamentos dos equipamentos culturais, o fim das leis de incentivo fiscal, o fim da burocratização dos espaços públicos e das contínuas repressões e proibições que os trabalhadores da cultura têm diariamente sofrido em sua luta pela sobrevivência.
Por uma arte pública queremos ter representatividade dentro das comissões dos editais, representatividade nas decisões e deliberações sobre a cultura, que estão nas mãos de produtores e dos interesses do mercado.
Por uma arte pública, hoje nos dirigimos a senhora presidenta da República, Dilma Rousseff, ao senhor ministro da Fazenda e às senhoras ministras do Planejamento e Casa Civil, já que o Ministério da Cultura, devido a seu baixo orçamento, encontra-se moribundo e impotente.
Exigimos a criação de uma política pública e não mercantil de cultura, uma política de investimento direto do Estado, que não pode se restringir às ações e oscilações dos governos de plantão.
O Movimento de Trabalhadores da Cultura chama toda a população a se unir a nós nesta luta!
Fonte: Passa Palavra.