Com ACM, morre o coronelismo?
- Detalhes
- Flávio Aguiar
- 20/07/2007
Antonio Carlos Magalhães não era um coronel tradicional. Seu poder não
vinha, originalmente, da posse da terra. Era ligado a impérios da
comunicação e aos centros urbanos. Mas tinha o estilo dos velhos
coronéis, talvez mais do que ninguém. Sua morte, aos 79 anos, é mais um
sinal dos tempos, de que pelo menos na política institucional este
estilo vem definhando, substituído por outros tipos de conluio e
dominação.
O coronelismo possuía duas características
fundamentais: o mandonismo (que podia ou não se aliar ao carisma)
pessoal e a agregação tribal. Antonio Carlos Magalhães praticava as
duas, e tinha carisma pessoal na Bahia, sem dúvida. Foi partícipe de
uma tragédia política e familiar: a morte do filho Luís Eduardo
Magalhães, na casa dos quarenta, que era para ser o grande sucessor
"moderno" do patriarca. O deputado federal ACM Neto e o filho do velho
senador, que o substituirá na tribuna, ainda não estão à altura de
serem considerados de fato "sucessores" de ACM, embora sejam seus
herdeiros políticos mais próximos.
O poder dos coronéis, que
começou a medrar no Brasil graças à herança colonial e à formação da
Guarda Nacional no Império, afirmou-se por completo com a Proclamação
da República. Foi estilo político dominante até 1930, quando Vargas,
centralizador em todos os seus estilos de governo, tanto o autoritário
quanto o popular, fez seu alcance e poder declinar graças à ampliação
(antes do Estado Novo) do poder de voto das massas urbanas (inclusive
as mulheres) e sua política de industrialização.
Por isso nunca
foi perdoado pelos velhos coronéis, nem por seus herdeiros "modernos",
os oligarcas da imprensa brasileira, onde se reproduzia o estilo
coronel de viver em política: mandonismo, tribalismo, reconhecimento de
sua própria casta como a única preparada para exercer (ou poder falar
para e do) poder.
O golpe de 1964 criou uma esdrúxula mas
compreensível aliança política que fez remanescer, transformado, o
estilo coronel de fazer política. Os golpistas, tanto os militares
quanto os modernos empresários e tecnocratas dos centros urbanos do
país, aliaram-se aos remanescentes do coronelismo nordestino. E num
primeiro momento foram unanimemente apoiados pela imprensa de espírito
oligarca. Assim, se a classe dos velhos coronéis já era quase parte da
história pregressa, seu estilo sobreviveu nos centros urbanos que
impulsionaram a modernização conservadora e excludente inclusive do
próprio setor rural, durante o regime de 64 e a Nova República
posterior.
Isso ajuda a entender a extensão do poder do senador
agora falecido, que chegou a criar o "carlismo", a palavra e o
agrupamento (tribo) hegemônicos na Bahia até as eleições recentes para
prefeito e governador. A eleição surpreendente de Jaques Wagner, do PT
baiano, ainda no primeiro turno, para o governo estadual, consolidou a
impressão de que o carlismo encontrara seu Waterloo.
Entretanto,
ainda está pra se ver se de fato o coronelismo está morrendo no Brasil,
ou está se transformando num novo estilo tribal, desenvolvendo aquilo
que os especialistas vêem como uma forma limite do coronelismo, que era
o "colegiado". Hoje a política conservadora (mas também 'a esquerda,
com freqüência) se faz em torno de colegiados que se agregam em torno
de uma grife eleitoral. Por sua vez, a mídia oligárquica se organiza em
torno de colegiados de grifes jornalísticas que desatam em quase
uníssono campanhas antiesquerda e antipovo na política. Como quase tudo
no Brasil, o coronelismo não morre, mas se transforma.
Fonte: Agência Carta Maior