Indígenas marcham até o local onde tombou a liderança guarani-kaiowá, Nísio Gomes
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- 02/12/2011
Na manhã desta quarta-feira (30), indígenas guarani-kaiowá de várias aldeias e acampamentos do Cone Sul do Estado fizeram marcha contra genocídio e pedindo a demarcação das terras indígenas ocupadas. Com faixas, pinturas típicas, arcos e flechas, camuflagem e cantos, o grupo marchou sob o sol escaldante até a pequena mata onde os indígenas continuam acampados após ataque.
Mais de 400 pessoas entre índios do Cone Sul, estudantes, militantes de movimentos sociais e indígenas de outras partes do estado e do país, além da comitiva de diversos órgãos federais vindos de Brasília, marcharam pela MS-386 até local onde o cacique Nísio Gomes foi alvejado e espancado, tendo seu corpo sido levado por jagunços, no dia 18 de novembro.
A multidão pedia pelo esclarecimento do crime. “Queremos o corpo de nossa liderança de volta”, diziam os indígenas, que agora mais que nunca crêem que o líder deles está morto. Quase duas semanas após o ataque a comunidade vive em estado de alerta, assim como outras da região, apreensivas com a possibilidade de outras lideranças serem mortas a mando de fazendeiros.
A marcha, que tinha um carro da Força Nacional como batedor, seguiu pela pista da MS-386, por um lado da estrada, tomando quase duzentos metros de pista. Pista que, dividindo a terra em duas, parecia mostrar do que é feito grande parte do valor atribuído a terra pela sociedade: De um lado soja, do outro gado. Mas não para esse povo. Os guarani-kaiowá acreditam na sacralidade da terra ancestral, a Tekoha.
O acampamento Tekora Guaiviry, reocupado a cerca de quatro meses pelos indígenas, como outros 32 no sul do Estado, espera pelo fim dos estudos dos grupos de trabalho da FUNAI, para que as terras sejam demarcadas e homologadas e os indígenas finalmente voltem a viver na porção de terra em que viveram seus antepassados.
Recepção
Na entrada das terras onde os indígenas estão acampados, em frente à bandeira que leva o nome ‘Tekoha Guaiviry’, as lideranças, entre elas algumas senhoras que dizem ter mais de 100 anos, os mais velhos cantavam e dançavam esperando pela vinda dos ‘irmãos’ que marchavam ao seu encontro. Enquanto isso, os mais jovens, armados com facões, arcos, flechas e lanças improvisadas, pintados para a guerra e camuflados com ramos e cipós, faziam, de cima da cerca e do portal de estrada, a ‘segurança’ do local.
A assessora da presidência da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), Rosângela Barros – que está com a perna quebrada e não pode participar da marcha – chegou primeiro ao Tekoha. Recepcionada por uma das lideranças, a assessora confessou uma motivação pessoal para estar ali. “Sou filha da terra”, disse Rosângela aos indígenas.
Rosângela afirmou às lideranças que se encontravam no local que o presidente da FUNAI, Márcio Meira, a incumbiu de ouvir os pedidos e propostas para que a questão da terra seja definida e que a segurança seja instaurada, não só para aquela, como para outras comunidades indígenas em MS.
Tanto a assessora quanto a coordenadora regional da FUNAI de Dourados, Maria Aparecida de Oliveira, que acompanhava Rosângela, assim como jornalistas que esperavam os marchantes chegarem ao local, tiveram suas faces pintadas, talvez para a guerra, talvez para a celebração.
Encontro
Cerca de trinta minutos após o encontro da assessora com a ‘comissão de recepção’ pôde se ver no alto da estrada, há cerca de um quilômetro, a marcha que se aproximava. Neste momento, os acampados do Tekora Guaiviry partiram ao encontro dos irmãos que vinham de longe em seu apoio. Com a aproximação dos dois grupos, ao fundo, era possível ouvir o som de uma Kombi de Amambai que, pilotada por um militante de movimento social ligado à reforma agrária, em apoio à marcha dos indígenas, tocava a imortal canção de Zé Ramalho, “Vida de Gado”.
Após o emocionante encontro, os grupos, que agora eram unos, seguiram para cortando o campo de soja, cantando e rezando, em uma caminhada sob o sol, até o lugar onde os jagunços alvejaram uma das lideranças indígenas mais respeitadas do Estado, Nísio Gomes. Mais alguns quilômetros ‘soja adentro’, os primeiros barrados de lona começam a surgir. Mais alguma centena de metros as centenas de pessoas adentram um ‘trieiro’ aberto na mata.
Cinquenta metros mata adentro, um grupo de lideranças relata ao secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Paulo Maldos, como se deu o ataque ao acampamento, na madrugada de sexta-feira, 18 de novembro, segundo eles, no mesmo local onde Nísio Gomes tombou alvejado.
Os relatos, sempre contados com precisão, apesar da clara confusão gerada pelo ataque, era repetido, liderança por liderança, indígena por indígena, até mesmo por adolescentes e crianças, tanto aos membros da FUNAI, quanto ao secretário nacional, quanto à redação do Midiamax e outros membros da marcha e indígenas de todo o Estado, deixando pouquíssima, ou nenhuma dúvida sobre a veracidade dos fatos: Naquele local, tombou a liderança, como tantas outras no Estado, e seu corpo dali foi levado, assim como o corpo de outras lideranças mortas em MS.
Boas Novas
Após o relato dos fatos, as lideranças seguiram com os visitantes até a clareira onde vivem a maioria dos acampados, a beira de um riacho de água límpida e um pouco fria. Crianças e adultos se refrescavam após a exaustiva caminhada naquele riacho, enquanto outras aproveitavam o momento para comer frutas e lanches trazidos por eles. Era momento de celebração.
Mas não só. Pouco depois as lideranças indígenas fizeram uma grande reunião com representantes do Ministério da Cultura, FUNAI, Embrapa e o secretário Paulo Maldos, onde o grupo dos acampados do Tekoha Guaiviry pode ouvir e saber das decisões e deliberações dos últimos dias tanto em Dourados, como em Ponta Porã.
Entre as novas está à promessa de aceleração nos processos demarcatórios, o aumento da segurança para acampados e lideranças, mas principalmente a mensagem de várias entidades e organizações, bem como da presidência da república e ONU: O Brasil e o mundo estão preocupados e atentos à situação dos indígenas, principalmente os guarani-kaiowá do Cone Sul de MS.
Por Alan F. Brito, MídiaMax – jornal eletrônico do Mato Grosso do Sul.