Correio da Cidadania

Pinheiros ou M’Boi Mirim, a prefeitura já fez a sua escolha

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Em 2012, M’Boi Mirim terá 46% a menos no orçamento, enquanto Pinheiros terá 12% a mais. Os problemas do bairro na zona Sul mostram que a prioridade deveria ser outra

 

Pense rápido. Se você fosse prefeito de São Paulo, qual região mereceria mais a sua atenção: Pinheiros ou M’Boi Mirim? Gilberto Kassab já fez a sua escolha, e optou pela primeira. Para o orçamento de 2012 da cidade de São Paulo, a subprefeitura de Pinheiros será a que terá o maior aumento, são 12% de recursos a mais. Do outro lado da tabela está M’Boi Mirim, que sofrerá o maior corte, nada menos do que 46%.

 

A área da subprefeitura de M’Boi Mirim abrange os bairros de Jardim São Luis e Jardim Ângela e é quase o dobro da circunscrita pela subprefeitura de Pinheiros (Itaim Bibi, Alto de Pinheiros, Jardim Paulista e Pinheiros). São 62,74 Km2 contra 32,06 Km2, e a diferença também se reflete na população, 563 mil contra 289 mil.

 

Com maior facilidade de acesso a equipamentos públicos, como escolas, hospitais e parques, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região da subprefeitura de Pinheiros é comparado ao de países ricos: 0,91. Esse índice leva em conta dados como a expectativa de vida ao nascer, educação e renda per capita de seus habitantes. Quanto mais próximo de 1, melhor é o resultado. Em M’Boi Mirim, o IDH é de 0,64, abaixo da média nacional, próximo de alguns países africanos.

 

Fora todas essas diferenças, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo informou ao SPressoSP que o papel que cabe às subprefeituras é apenas o de zeladoria, ou seja, varrição de ruas, tapar buracos e cuidar do recapeamento de ruas. Não é papel delas cuidar da saúde, educação e bem-estar de seus moradores, embora o próprio site da Secretaria apresente uma versão mais ampla de atribuições, diferentemente do que diz a assessoria.

 

Nos boletins mensais que todas as subprefeituras divulgam, o mês de novembro teve como destaque, em todas as 31 subprefeituras, os mais de 2 mil quilômetros de vias recapeadas na cidade. Mesmo com o dobro de tamanho, M’Boi Mirim teve apenas 34 quilômetros de vias melhoradas, enquanto o número de Pinheiros chegou a 130 quilômetros.

 

 

A reportagem do SPressoSP foi às ruas das duas regiões de São Paulo. Confira a série de reportagens sobre como vivem os moradores desses dois extremos.

 

Um oásis e um caos social na mesma cidade


No M’Boi Mirim, moradores levam quatro horas para chegar ao trabalho e reclamam da falta de transporte público, enquanto Pinheiros concentra 14 estações de trem e metrô

Por Mario Henrique de Oliveira e Sâmia Gabriela Teixeira

 

“O Haiti é aqui”. Foi assim que Rosevaldo Caetano Alves, da Comissão de Moradores da Região de M’Boi Mirim, descreveu o bairro da periferia da região do extremo sul de São Paulo. A fala do líder comunitário foi apenas parte do discurso de indignação que fez à reportagem do SPressoSP. Lá, os moradores destacam o trânsito entre os problemas mais graves do local, mas não só isso.

 

 

“O transporte público aqui não funciona e a via é mal planejada. Isso, apesar de parecer ser apenas mais um problema, é o que provoca outros diversos transtornos aos moradores. Temos problemas de saúde, perdemos emprego, temos poucos professores nas escolas, poucos profissionais nos hospitais”, relata Alves. “Aqui é um lugar esquecido pelo poder público.”

 

Ainda de acordo com ele, o problema de mobilidade também afeta o acesso ao lazer dos moradores. “Nossas crianças não vão para bairros vizinhos. Brincam próximas de esgotos a céu aberto, córregos poluídos. O Brasil se mobilizou para ajudar o Haiti? Acho ótimo! Mas vivemos numa situação igual aqui. Com a mesma estrutura, carência e falta de segurança”, afirma Alves.

 

São Paulo foi considerada a pior cidade no que diz respeito à mobilidade urbana entre nove capitais brasileiras no Estudo Mobilize 2011. Se o trânsito causa transtornos ao paulistano, no M’Boi Mirim é ainda pior.

 

Os moradores das comunidades do bairro Jd. Ângela normalmente acordam às 3 horas da madrugada para conseguir chegar ao trabalho às 8 ou 9 horas da manhã. Maria dos Anjos, por exemplo, mora há cerca de 40 anos em M’Boi e há mais de 20 trabalha como cozinheira na casa de uma família, em Moema. Sua rotina não difere dos demais moradores, e além do prejuízo com os atrasos no trabalho, ela explica que essa complicação diária é um entrave até para o emprego: “O que o governo faz é nos privar do direito de ir e vir. Não podemos visitar nossa família em bairros vizinhos nem mesmo em um fim de semana. O trânsito aqui não ameniza em nenhum horário e em nenhum dia. Vemos jovens e mais jovens passando em entrevistas de emprego e depois sendo recusados quando a empresa conhece o local onde moram. Eles voltam frustrados. Isso é muito grave. Tudo vem do trânsito, mas não é um simples problema de transporte público. É descaso social.”

 

Da periferia para o centro

 

A região da subprefeitura de Pinheiros, que contará com um aumento de 12% no orçamento para o ano de 2012, pode ser considerada privilegiada no quesito transporte, se comparada a outras subprefeituras, principalmente a do M’Boi Mirim. Entre trens e metrô, a local conta com nada menos que 14 estações, fora as inúmeras linhas e corredores de ônibus.

 

“O pior é no horário que tenho que ir para a aula, lá pelas 18 horas. Muitas vezes a Praça Pan-Americana está travada e levo uns 40 minutos para atravessar a ponte e chegar ao Butantã”, diz o estudante Frederico Duarte. Em visita do SPressoSP à região, a reportagem ouviu algumas reclamações, mas a maior parte dos entrevistados tinham a consciência de que eram “privilegiados”, por morar e trabalhar nesta área de São Paulo.

 

“A gente reclama de quando o ônibus para um pouco, mas é porque vivemos estressados. Se for parar para pensar temos é sorte. São poucas ruas esburacadas e o trânsito em geral flui bem. Final de semana então nem se fala, dá para andar de bicicleta tranquilo nas ruas”, conta Leandro Segurado, também estudante, que dificilmente leva mais de uma hora para chegar à sua universidade.

 

A auxiliar de escritório Sara Rodrigues trabalha na região central da cidade e mora no Campo Limpo, e diz que leva cerca de duas horas para chegar em casa, “mas por culpa de lá (Campo Limpo), pra chegar até aqui (Largo da Batata) é rapidinho. É aqui que a viagem começa mesmo”, conta ela. O largo da Batata acaba de ser totalmente reformado para receber a estação Faria Lima do metrô, linha 4 – amarela, e é um importante entroncamento entre a Marginal Pinheiros, a Avenida Faria Lima e as ruas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde, que levam e trazem o fluxo direto da Avenida Paulista. Vias que contam com imóveis de alto valor de mercado, prédios luxuosos, importantes escritórios e shoppings centers.

M’Boi Mirim, longe de ser uma prioridade

 

“Vemos jovens e mais jovens passando em entrevistas de emprego e depois sendo recusados quando a empresa conhece o local onde moram”, diz Maria dos Anjos.

 

Em 2010, os moradores da região de M’Boi realizaram dois grandes atos de protesto contra o descaso da prefeitura e subprefeitura em relação aos pedidos para melhoria no transporte público local. Até hoje, o que conseguiram foram a inversão de uma faixa nos horários de pico, ainda assim sem chegar ao chamado “fundão” do bairro, onde a via é estreita e movimentada.

 

Apesar dessa inversão, mais próxima do Terminal do Jd. Ângela, o trânsito local não tem hora para começar. Saindo às 6h30 da região central de São Paulo, a reportagem do SPressoSP chegou ao número 10.100 da estrada M’Boi Mirim somente às 10h, lembrando que estava no sentido contra-fluxo.

 

José Jailson, morador da Chácara Bananal, “fundão” do Jd. Ângela, diz que “é comum chegar do trabalho às 21 ou 22h, e que o trânsito, ainda neste horário, é tão lento, que as pessoas preferem descer e seguir a pé muitas vezes por 3 ou 4 quilômetros”.

Diante da situação, os moradores se questionam por que melhorias na região não são prioridades. O prefeito Kassab, em julho deste ano, remanejou R$ 11 milhões da verba para a duplicação da estrada M’Boi Mirim para outros fins. Questionado, justificou que “se foram transferidos, é porque era prioridade que fossem transferidos”.

 

No próximo ano, a região que abriga cerca de 700 mil habitantes sofrerá ainda mais consequências da distribuição de verba orçamentária da prefeitura. A subprefeitura de M’Boi Mirim terá uma redução de 46% no orçamento de 2012 se comparado a 2011. Já a subprefeitura de Pinheiros contará com 12 % a mais no orçamento.

 

No caminho para M’Boi Mirim, pela janela de um ônibus que saiu da região de Pinheiros, o cenário agrada aos olhos e mostra a gritante diferença  dos dois bairros. A avenida Faria Lima é dourada, com coqueiros altos, enfeitados com luzes de natal, shoppings centers, edifícios comerciais modernos e com o canteiro central da via com jardinagem planejada e grama aparada. Essa desigualdade torna-se cada vez mais visível conforme o ônibus Terminal Jd. Ângela se afasta da Marginal Pinheiros, repleta de prédios espelhados, para chegar aos bairros mais distantes, quando aos poucos a beleza dos edifícios caros contrasta com as casinhas com tijolos aparentes, na margem oposta do rio da marginal. E, neste ponto da cidade, ainda nem chegamos a M’Boi Mirim.

 

Por Mario Henrique de Oliveira e Sâmia Gabriela Teixeira,  SpressoSP

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