Correio da Cidadania

O "fanatismo" midiático e o terrorismo

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Ao nomear terroristas suicidas de “extremistas religiosos”, os veículos de comunicação acabam sendo eles próprios “fanáticos”.

 

Poucas informações são conhecidas sobre o autor do atentado terrorista realizado contra um ônibus que transportava turistas israelenses na Bulgária nesta quarta-feira (18/07). Era um jovem que se vestia e se portava como qualquer outra pessoa presente no local, mas que se identificava com uma carteira de motorista falsa dos Estados Unidos. Estas foram as únicas informações que o ministro do Interior do país forneceu aos meios de comunicação.

 

Apesar disso, jornais se apressaram em divulgar a suposta relação do terrorista suicida com a religião islâmica e Israel acusou o grupo libanês Hezbollah e o governo iraniano pelo atentado. Uma leitura mais atenta do terrorismo pode esclarecer muitos dos mitos e estereótipos reproduzidos em eventos como esse.

 

A mídia e o terror

 

Segundo as informações divulgadas internacionalmente, o jovem que podemos ver nas imagens divulgadas pelo governo búlgaro era um cidadão sueco. Um cidadão sueco, alertam os jornalistas, mas com família na Argélia, de nome árabe (Mehdi Ghezali) e que estudou em colégios islâmicos no Reino Unido. Além disso, de acordo com a mídia, este jovem permaneceu detido em Guantánamo e depois do evento procurou entrar ilegalmente no Afeganistão.

 

Não é a primeira vez, no entanto, que a mídia procura estabelecer relações causais entre a crença no islã e a ação terrorista sem demonstrar qualquer fundamento.

 

Em 2011, quando o brasileiro Wellington de Oliveira invadiu sua antiga escola, em Realengo, executando e ferindo adolescentes, jornalistas e analistas atribuíram ao Islã as razões do massacre. Citando a irmã adotiva do atirador, alguns jornais brasileiros divulgaram que o carioca havia se convertido ao islamismo e que pouco saía de casa.

 

A reação dos meios de comunicação foi muito semelhante após o assassinato de dezenas de jovens na Noruega e a explosão de prédios do governo em Oslo. Apesar de ninguém possuir qualquer informação sobre o autor, ou seus motivos, analistas internacionais qualificados se prontificaram a explicar a conexão dos atentados com o islã. No entanto, como depois foi descoberto, o autor era Anders Behring Breivik (32 anos), educado na elite política e econômica da Noruega, “cristão” e “nacionalista conservador”. Apesar disso, ninguém ousou atribuir a causa de sua ação às suas preferências religiosas tal como fazem com os mulçumanos.

 

Nos Estados Unidos, podemos noticiar episódio parecido após o atentado em Oklahoma em 1995. Supondo que os autores seriam islâmicos, o então presidente norte-americano Bill Clinton enviou tradutores de árabe ao local. O atentado, entretanto, foi planejado e executado por Timothy McVeigh, um norte-americano, católico e bem-sucedido militar.

O “fundamentalismo” midiático

 

Pesquisas sobre terrorismo não corroboram, no entanto, esta visão reproduzida por muitos veículos de comunicação. Segundo relatório elaborado pela Europol (agência de inteligência europeia), dos 294 incidentes terroristas ocorridos no continente em 2010, apenas 1 foi conduzido por islâmicos. A grande maioria dos atentados foi realizada por grupos neonazistas.

 

A pesquisa de Robert Pape, cientista político dos Estados Unidos, também coloca em xeque a maioria dos clichês midiáticos sobre a personalidade dos terroristas. De acordo com suas investigações, a maioria dos terroristas suicidas (57%) de 1980 até os dias atuais era laica e apenas 43% eram religiosos, sendo que nem todos eram islâmicos.

 

Mas, o que explica, então, o tratamento dado por grande parte da mídia internacional ao terrorismo?

 

Seja porque é preciso atender aos curtos prazos dos meios de comunicação, seja para dar a notícia em primeira mão, os jornalistas acabam por reproduzir as informações concedidas por agências de notícias sem nem mesmo refletir acerca de seu conteúdo. Como consequência disso, é comum ler em diferentes veículos as mesmas notícias, e a repetição incessante dos fatos acaba por se naturalizar.

 

Assim, mesmo jornais com diferentes posições políticas acabaram por descrever Osama Bin Laden da mesma forma: um “fanático” que lutava contra os “infiéis” norte-americanos por estes terem libertado suas mulheres e criado uma democracia. Seguindo as ideias produzidas nestas agências, os jornalistas deixaram de perceber que por trás de sua retórica o saudita possuía um plano político de terminar com a influência dos Estados Unidos na Península Arábica, como tanto assinalou Jason Burke, e não por que queria trazer a burca à América.

 

A descrição do fanático, de uma pessoa que se mostra quase sempre cega, cabe também ao dia-a-dia das redações de notícias que fecham os olhos para uma análise crítica.

 

Por Marina Mattar, Opera Mundi.

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