Correio da Cidadania

Cordão da Mentira comove manifestantes no centro de São Paulo

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Bloco protesta contra as mortes nas periferias e os incêndios em favelas.

 

Os moradores de rua, no Largo General Osório, se levantaram de seu leito e deram passagem. As prostitutas na Luz, que não é a nova, cantaram junto. Bolivianos, no Largo São Bento, recolheram suas clandestinas mercadorias, do chão, para não atrapalhar. Os meninos descalços, no Largo São Francisco, pararam o futebol improvisado, queriam acompanhar. Todos se sentiram representados.

 

Durou toda a tarde do último sábado (29) o segundo desfile do Cordão da Mentira, com o tema “Quando vai acabar o genocídio popular?”, e comoveu aproximadamente 300 pessoas que acompanharam o bloco, entre familiares de vítimas do Estado, artistas, estudantes, militantes de movimentos sociais de diversas regiões de São Paulo, além dos próprios músicos do bloco. O ato faz parte da semana de eventos que vai lembrar os 20 anos do “Massacre do Carandiru”, ocorrido em 2 de outubro de 1992.

 

O trajeto foi todo costurado como uma espécie de “manta do mal”, em que cada ponto em que se passava era um nó, que se desatado explicava uma prática adotada nas periferias contra a população pobre da cidade. O carnaval de luto começou na frente do Memorial da Resistência, antiga sede do DOPS. Selito, um dos coordenadores do Cordão da Mentira, explicou o enredo e o motivo de iniciar o ato naquele ponto. “Estamos diante de uma continuidade das práticas adotadas pela ditadura militar, ela não acabou. Nossos sambas, de hoje, vieram para a rua questionar essas práticas, há um genocídio na periferia, estão matando os pobres, os negros e os índios.”

O povo satiriza o Estado

 

Na sede do projeto Nova Luz, uma encenação apresentou um político que “preocupado” com “essa gente que chegou não se sabe de onde” e que causou “essa desordem e essa sujeira”. O político cenográfico resolve expulsar todos para “construir um país do futuro” e cria o projeto “Nova Luz”, a teatralização termina com vaias e gritos de “fascista” para o “político”.

 

Com pouco mais de dez minutos, os estandartes de desaparecidos da ditadura militar e as cruzes de assassinados nos crimes de maio de 2006 foram apresentados aos moradores da Ocupação Mauá, prédio ocupado há mais de cinco anos no bairro da Luz. Lá, em frente ao imóvel, o bloco parou. Montou-se um barraco de papelão e, em silêncio, todos acompanharam enquanto ele pegava fogo. A intervenção é uma clara crítica aos incêndios nas favelas de São Paulo – só no ano de 2012 foram 68.

 

Em seguida, Selito, no carro de som, canta “Mil faces de um homem leal”, dos Racionais MC’s, acompanhado pelos gritos de “Marighella”. Nelson da Cruz Souza, o Nelsão, coordenador da ocupação Mauá, se disse emocionado e agradeceu a iniciativa: “Que bom, saber que eles estão aqui, o pobre tem sofrido muito nessa cidade, o Estado quer nos empurrar para as periferias e, lá, nos matar, como tem feito”.

 

Na sede da Secretaria da Segurança Pública, na rua Libero Badaró, mais silêncio. O grupo Mães de Maio deita suas cruzes e chora seus filhos. Um grupo de jovens, com os rostos maquiados a simular marcas de agressões, se espalha pela escada do prédio. Policiais se apressam em fechar o portão e passam a vigiar, de dentro, o ato. Manifestantes apontam o dedo e gritam “fascistas”, os policiais riem e debocham. Um ativista pergunta ao policial: “Quando a ditadura militar vai acabar?”, ele ri e responde: “Acabou faz tempo”. Do carro de som, alguém grita: “Quem não reagiu, está vivo”, em alusão à frase proferida pelo governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), quando a Rota assassinou nove suspeitos em um sítio, em Várzea Paulista, interior do Estado.

 

No Fórum Hely Lopes Meirelles, as Mães de Maio lembraram os crimes que vitimaram seus filhos. “Ninguém nunca pagou pelas nossas lágrimas”, gritava Débora Maria, idealizadora do grupo. No ano de 2006, 493 pessoas morreram nas periferias do Estado, em ataques da Polícia Militar, após o Primeiro Comando da Capital (PCC) ter assassinado policiais.

 

O ato terminou na Praça da Sé. “Mas daqui para frente, é a insatisfação de cada um, é o desejo de mudança e que a luta continue”, disse Selito.

 

Por Igor Carvalho, SpressoSP.

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