Levante Popular da Juventude: “na Copa, lutar pelo Brasil”
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- 26/03/2014
Depois de mais de sessenta anos o maior evento de futebol do planeta retorna ao Brasil. No imaginário popular ainda permanece a lembrança da Copa de 1950, quando fomos derrotados pelo Uruguai em pleno Maracanã. Quando a FIFA elegeu o Brasil para realização da Copa de 2014, uma euforia tomou conta de grande parte do povo brasileiro: seria a hora de levantar a taça em casa? Se do ponto de vista técnico havia uma sombra de dúvidas sobre o desempenho da nossa seleção para tal feito, do ponto de vista político a realização da Copa do Mundo se colocou como uma conquista, um marco do “Brasil do futuro”.
No entanto, a aparente unanimidade em torno deste evento começou a se esfacelar a partir das Jornadas de Junho, no ano passado, quando milhares de pessoas protestaram em frente aos estádios que sediavam os jogos da Copa das Confederações. Desde então, a Copa está nas manchetes. Por um lado, a convocatória de protestos contra a Copa; por outro, todas as propagandas na televisão, das empresas patrocinadoras, já estão em ritmo de Copa. Mas vai ou não vai ter Copa? Nessa disputa, parece que só existem dois lados: ou você defende a Copa, a FIFA, o governo, o Estado, ou você é contra: contra a Copa, contra a seleção, contra o Brasil. É isso o que provocam as perguntas erradas: nos levam a falsos dilemas.
Futebol e Identidade
O futebol, no Brasil, sempre foi utilizado para reforçar certo sentimento nacional. Na Copa de 70, por exemplo, a Ditadura Militar apostou muito na seleção brasileira como forma de fazer o povo esquecer seus problemas com o lema “A Copa do Mundo é nossa”. Mas, ao mesmo tempo, tivemos o técnico João Saldanha (militante do Partido Comunista Brasileiro, expulso da função logo antes da Copa) e o doutor Sócrates, exemplos de profissionais do esporte que conseguiram, através do futebol, politizar, disputar e fortalecer os interesses populares.
Um sentimento de união nacional é colocado em marcha pelo futebol e nos mobiliza enquanto nação. Isso é bom ou é ruim? Depende. Pode ser bom ou ruim. Para que possamos operar esta distinção é preciso que se compreenda porque o futebol se tornou um esporte popular no Brasil, além de entender quais são os interesses que estão ligados aos grandes eventos esportivos e acabam prejudicando os interesses da maioria.
O futebol é uma marca da cultura brasileira, um dos elementos que nos dá identidade. Ao longo da história, grande parte dos jogadores que ganharam destaque no Brasil eram pobres e começaram jogando na várzea, nos times de bairros. A história dos próprios times nos mostra a raiz popular do futebol. Essa é uma das razões porque a gente se emociona quando nosso time e nossa seleção entram em campo. Por isso somos apaixonados pelo futebol.
Contradições
O futebol é para todos, mas nem todos jogam a partir das mesmas condições. Os meios de comunicação repetem para as crianças e adolescentes que o futebol é o caminho para sair da pobreza. Mas ironicamente só vemos um completo descaso com os times pequenos, times de bairro, assim como em relação aos times femininos. Não há estádios públicos de livre acesso para a população. Não há ginásios e quadras decentes nos bairros. Não há um investimento mínimo para que a população possa praticar algum esporte. No capitalismo, o esporte se tornou uma mercadoria a ser vendida como entretenimento, para divulgar marcas e ser assistido na TV.
Há algumas décadas o futebol vem sendo reduzido a um grande negócio de escala internacional. Hoje, mais do que nunca, o futebol é controlado por grandes organizações que têm uma administração privada, se preocupando exclusivamente com o lucro. A CBF – dirigida pelo delator e apoiador da ditadura José Maria Marin – e a FIFA, são corporações, sobre as quais não há nenhum controle democrático, que na maioria das vezes operam a partir de práticas mafiosas. Essas organizações, juntamente com os grandes veículos de comunicação, sequestraram o futebol, impondo o domínio do capital sobre o esporte, em detrimento da cultura popular. A partir dessa lógica, a realização de grandes eventos esportivos acaba solapando os direitos dos diferentes setores da sociedade impactados por eles. É justamente porque amamos o futebol, porque sabemos que o futebol faz parte da identidade do nosso povo, que lutamos contra tudo isso.
Ao se colocar como sede da Copa, acreditou-se na promessa de que chegariam recursos com capacidade de modificar a estrutura urbana precária que há décadas sofre por falta de investimentos dos governos. Acreditou-se que a Copa seria uma grande oportunidade para melhorar a vida da população. Mas não é isso que estamos vendo. O capital internacional não está preocupado com a melhoria das condições de vida dos brasileiros. É verdade que algumas cidades se tornaram polos de empregos na construção civil, porém, o que vimos foram apenas construções de novos estádios e quase nenhuma melhoria na infraestrutura urbana. Milhares de trabalhadores e recursos mobilizados, nenhuma necessidade estrutural do nosso povo atendida. E depois da Copa, onde irão trabalhar esses milhares de operários? A Copa vai passar e o que vai ficar para o Brasil?
O problema central, portanto, não é a existência de um evento que reúne seleções de futebol de todo o planeta. Os problemas centrais são: Copa para quem? Quem são os beneficiários desse megaevento? Qual é o legado que a Copa deixará no Brasil? Que mecanismos permitem empresas como a FIFA subjugar os interesses populares com a subserviência do Estado brasileiro? Quais são as prioridades do Estado brasileiro?
Durante as Jornadas de Junho, milhares de jovens direcionaram sua indignação contra a Copa, pelo simbolismo que a construção de opulentos estádios representa diante de uma sociedade acometida por carências básicas. Embora as contradições sociais constitutivas de nossa história possam ter se tornado mais visíveis, a verdade é que os problemas que o povo brasileiro sofre não surgiram com a Copa, nem irão acabar com a suspensão ou realização deste evento. A pobreza, a violência de Estado, os despejos, o caos urbano não apareceram agora. O nosso grande desafio, portanto, é enfrentar esses problemas históricos do povo brasileiro.
Tal relação perversa entre o interesse público e acumulação privada, que a Copa expressa, mas não é causa, demonstra que as prioridades do Estado brasileiro hoje são pautadas prioritariamente pelas empresas, pelo capital, pela burguesia, e não pela necessidade e vontade da maioria. Aliás, em que momento o povo foi consultado para opinar sobre todas essas questões?
Se fosse pelo povo certamente não haveria remoções com desrespeito de direitos, os estádios seriam acessíveis para todos, e não elitizados. O turismo sexual seria duramente combatido. Ninguém expulsaria os ambulantes das ruas por causa da Copa, as obras não teriam indícios de superfaturamento e corrupção, o uso de dinheiro público respeitaria as reais prioridades do país e o Governo Federal não se submeteria a exigências absurdas da FIFA. Não existiriam restrições à liberdade de manifestação, muito menos violência policial. Por aí vemos que nunca participamos na tomada dessas decisões. Aliás, o povo nunca é chamado a participar em nenhuma grande decisão que envolve o nosso país.
Desafios
Necessitamos urgentemente de uma grande mudança. Se o povo tivesse participado desde o início, teríamos uma Copa muito diferente e muito melhor do que esta que está aí. Os problemas seguirão sem solução se o Estado brasileiro não mudar seu modo de funcionamento. É por isso que erguemos a bandeira em defesa da Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o Sistema Político e levaremos essa pauta em todas as manifestações desse ano. Pois enquanto as decisões seguirem sendo tomadas sem o povo, os erros continuarão se repetindo, com ou sem Copa.
Deste modo, entendemos que mais importante do que questionarmos a realização da Copa no Brasil é lutarmos contra a estrutura de poder que reproduz sistematicamente a desigualdade em nosso país. Para tanto, não é necessário torcer contra a seleção brasileira ou, no outro extremo, nos furtarmos de se manifestar nas ruas. Na Copa, vamos Lutar pelo Brasil!
Levante Popular da Juventude