Ato da OAB-RJ: “Nossa democracia não pode ter bolsão de exceção”
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- 23/07/2014
Afrontas à ordem jurídica, desrespeito ao processo legal, dificuldade de advogados no acesso aos autos, condenações por articulações midiáticas. O ato contra a criminalização de manifestações começou na manhã desta terça-feira, dia 22, com muitas críticas à condução do Judiciário, da mídia e do Ministério Público em relação às manifestações que começaram em junho do ano passado e, principalmente, às prisões de militantes na última semana. Advogados e manifestantes lotaram o plenário Evandro Lins e Silva, na sede da OAB/RJ, em defesa da democracia e do direito à manifestação.
"Nossa democracia não pode ter bolsão de exceção. Os órgãos do estado democrático de direito não podem selecionar quais princípios constitucionais vão seguir e, com isso, hostilizar princípios da democracia. A OAB está de pé na defesa da democracia", afirmou o presidente licenciado da Comissão da Verdade do Rio e ex-presidente da Seccional, Wadih Damous. "Não estamos inocentando ou culpabilizando ninguém. Estamos defendendo que todo o processo tem que ser cumprido", concluiu.
Responsável pela abertura da mesa, o vice-presidente da OAB/RJ, Ronaldo Cramer, destacou que o ato foi realizado pela OAB em conjunto com outras entidades e lembrou o histórico de eventos realizados na Seccional a partir das pautas levantadas pelas manifestações. "Reforma política, desagravo a advogados desrespeitados no contexto das manifestações, apoio a grupos de advogados como o IDDH (Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos), o Habeas Corpus e o Coletivo dos Advogados do Rio de Janeiro (CDA) para que possam atuar", elencou. O desrespeito às prerrogativas dos profissionais que atuam em defesa dos manifestantes foi outro aspecto citado por Cramer.
"Estamos falando de inquéritos sem prova, decisões não fundamentadas e dificuldade de acesso aos atos. Quando as garantias processuais são desrespeitadas, é hora de se preocupar", assinalou, finalizando com uma releitura da frase do jurista uruguaio Eduardo Couture, que dizia que nenhum cidadão poderia dormir tranquilo no dia em que os juízes sentirem medo. "Ouso discordar de Couture: nenhum cidadão poderia dormir tranquilo no dia em que os advogados sentirem medo. E enquanto a OAB existir, nenhum advogado deve ter medo".
Atual presidente da Comissão Nacional da Verdade, Nadine Borges falou da importância do habeas corpus como instrumento jurídico fundamental para os preceitos democráticos e questionou: "será que a advogada que foi buscar ajuda no consulado confiava no habeas corpus?". Nadine anunciou, também, que foi elaborado um manifesto a ser entregue para autoridades nacionais e internacionais.
Leia abaixo declarações de parlamentares e advogados presentes ao ato.
- Chico Alencar - deputado federal (Psol/RJ): estou revivendo sentimentos de quatro décadas atrás. A história só se repete como farsa ou tragédia, e estamos aqui para evitar uma tragédia. Essa sala está lotada para evitar a marcha ré pública que se anuncia. Se o fascismo não existe mais como política organizada, permanece no comportamento conservador de determinados segmentos. Vivemos tempos sombrios. O que nos une aqui é o combate ao autoritarismo. Não vamos aceitar que livros virem bombas ou que indícios se tornem provas contundentes.
- Jandira Feghali - deputada federal (PC do B/RJ): Este ato não poderia ser em outro lugar que não a OAB. É importante darmos amplitude a esses atos. Estão tentando colar a esquerda na ilegalidade, no crime. Nós já conhecemos este filme. Quem está com a ilegalidade são eles. Estamos aqui para defender a legalidade, seja pra quem for. Com democracia não se transige. Estaremos aqui sempre, sem medo de perder votos.
- Robson Leite - deputado federal (PT/RJ): O que acontece agora no Rio de Janeiro vem ocorrendo sistematicamente. Em março, o mandado de busca e apreensão coletivo na Maré já demonstrava o que viria. A situação era muito parecida com a que acontece agora. É fundamental a união dos setores progressistas para dizer um sonoro não à criminalização da esquerda e de movimentos reivindicatórios. Garis foram criminalizados, professores foram criminalizados e agora manifestantes são criminalizados.
- Jean Wyllys - deputado federal (Psol/RJ): Diante da contradição do judiciário, que tem um juiz que prende e um desembargador que solta, achamos que valia fazer uma consulta ao CNJ. Não foi intimidatório. Ao contrário de matéria divulgada no Fantástico, não defendemos crimes. Defendemos o estado de direito.
- Janira Rocha - deputado estadual (Psol/RJ): Em 2012, processo semelhante ao vivido pelos manifestantes foi sentido pelos bombeiros e policiais militares. Existem lutadores que estão vivendo esse problema. A gravidade dos fatos é muito grande e a tendência é que tenhamos que estar a cada dia mais juntos.
- Jefferson Moura - vereador (Psol): A presunção da condenação que acontece hoje no Rio faz parte de regimes de exceção. Fez parte de uma página que pensamos ter sido virada há tempos. Cabe a nós dar voz aos oprimidos e garantir a todos o direito de expressão. Defender a democracia é um princípio de todos nós.
- Cyro Garcia - presidente do PSTU no Rio: Estamos assistindo à instituição de uma pena de morte informal. E assistindo à criminalização da pobreza e, consequentemente, dos movimentos sociais, que lutam constantemente pela diminuição da pobreza. Temos que repetir atos como estes para libertar presos políticos e para defender a desmilitarização da Polícia Militar.
- Marino D'Icaray - advogado de ativistas presos: Esse ato é fundamental para nos dar força. Vivemos tempos sombrios. Essa prática de omitir provas dos advogados e apresentá-las a alguns privilegiados tem se tornado corriqueira. Até hoje não tenho a íntegra dos processos de meus clientes. Está ocorrendo uma clara ilegalidade. O que acontece é antecipação de juízo, o mesmo princípio da execução sumária. Vamos lutar para conseguir a nulidade dessas prisões, estão prendendo para investigar. Os manifestantes estão tendo que tirar livros e panfletos de casa, como há 50 anos. Essa DRCI [Delegacia de Repressão a Crimes de Informática] nada mais é que o novo Dops.
- Rodrigo Mondego - advogado do CDA: Desde o ano passado direitos são violados no Rio de Janeiro. Direito de manifestação, direito ao livre pensamento e outros. Consequentemente o direito a presunção de inocência e a um julgamento justo são violados. O estado do Rio de janeiro viola direitos humanos. O princípio dos advogados que militam na rua é defender o direito de manifestantes dizerem o que quiserem, mesmo que não concordem com as pautas. Quando uma advogada como Eloísa Samy faz uma opção por ir no desespero ao consulado do Uruguai, fica claro que ela está sendo criminalizada por sua atuação.
- Thiago Melo - advogado do IDDH: Quando lembramos que o primeiro condenado é Rafael Braga, um morador de rua preso com material de limpeza, temos a noção de que é fundamental estarmos aqui. Esta é uma reunião de vigilância da democracia. Vêm sendo cometidas muitas arbitrariedades contra os direitos de manifestação e reunião. Vemos nitidamente uma condenação política desses manifestantes.
Fonte: redação da Tribuna do Advogado.