Governo busca troca da ditadura dos juros altos pela do controle dos gastos públicos
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- Paulo Passarinho
- 01/09/2011
O Banco Central aparentemente surpreendeu e contrariou o mercado financeiro ao decidir reduzir a taxa Selic em meio ponto percentual. Definida em 12% ao ano, a decisão do Copom – Comitê de Política Monetária – mantém o Brasil, contudo, com a taxa real de juros mais alta do mundo. Esse fato vai continuar a interferir em nossa taxa de câmbio flutuante, ao sabor do mercado especulativo de divisas, que continuará a contar com uma fonte segura de ganhos financeiros, mantendo a pressão cambial que valoriza o real frente ao dólar.
Faço questão de abordar o comportamento do Banco Central, pois tenho sustentado que o mesmo apenas sanciona decisões que anteriormente são amadurecidas e defendidas pelas instituições financeiras. Desta feita, o roteiro surpreendeu: apesar das manifestas posições dos grandes bancos e corretoras, a favor da manutenção da taxa Selic em 12,5%, houve a decisão em sentido inverso.
Setores da mídia dominante especulam que a posição de Dilma Rousseff, que seria favorável à queda dos juros, foi determinante para a decisão anunciada pelo Banco Central. Esses setores criticam a presidente, pois essa postura de Dilma poderia enfraquecer o que denominam de “autonomia do Banco Central”, essencial para a administração da política monetária.
A rigor, apenas a má fé ou a ignorância sustentam a possibilidade de existir alguma autonomia em decisões dessa natureza. A autonomia de bancos centrais foi uma idéia construída nas duas últimas décadas, principalmente, procurando camuflar a ideologia dominante do capital financeiro, na determinação do nosso futuro econômico. E esse não é um fenômeno restrito ao Brasil. As lições que nos vêm dos EUA e da Europa mostram que o problema é global.
Não existe autonomia na determinação da política monetária. A política monetária é apenas parte de um todo – a política macroeconômica – envolvendo medidas pertinentes, e - espera-se - lógicas, nas áreas fiscal e cambial. Conforme é de amplo conhecimento, desde janeiro de 1999 o país encontra-se submetido a uma política macroeconômica baseada no tripé câmbio flutuante/superávit fiscal/taxa real de juros elevada. Essa “escolha”, desde então, não guarda nenhuma autonomia: essa foi a contrapartida assumida pelo governo de FHC, quando a política inicial do real faliu, como garantia ao pacote financeiro articulado pelo FMI para retirar o país da crise cambial de 1998/1999.
Quando nos envolvemos em nova crise cambial, em 2001/2002, novamente o FMI entrou em ação e os compromissos do governo brasileiro junto ao capital financeiro internacional foram renovados. Naquela ocasião, havia uma peculiaridade: estávamos em meio a um processo eleitoral e a possível eleição de um oposicionista aos tucanos elevava a temperatura, as incertezas e a própria especulação.
Foi essa a razão que fez com que FHC, em pleno calendário eleitoral, arrancasse o compromisso de Lula, Garotinho e Ciro Gomes – os candidatos de oposição a FHC e ao candidato José Serra – em respeitar o novo acordo estabelecido. Foi a partir desse processo que surgiu a famosa Carta aos Brasileiros, o compromisso de Lula em manter as “regras do jogo”.
A autonomia, portanto, que podemos destacar é, na verdade, uma aberração, uma inversão: a política macroeconômica brasileira não é soberana, definida por nossas necessidades materiais, mas estabelecida a partir de uma ingerência externa e fortemente condicionada pelos interesses de bancos nacionais e estrangeiros.
Prova disso foram as movimentações que antecederam a decisão do BACEN em reduzir a taxa de juros, divulgada na quarta-feira. Na segunda-feira, a presidente e o ministro da Fazenda divulgam que reforçarão em 10 bilhões de reais, nesse ano, o superávit primário, eufemismo para designar a parcela do Orçamento da União destinada ao pagamento de juros. Na própria quarta-feira, anunciam que irão conter a expansão dos gastos com custeio abaixo do crescimento do PIB; viabilizar a conclusão do processo de votação e aprovação da criação do fundo de pensão dos servidores públicos; aprovar, igualmente, projeto de Lei que limita a expansão anual das despesas de pessoal da União; e alterar as atuais regras de remuneração da caderneta de poupança. Para o orçamento de 2012, a ministra do Planejamento garante que o rigor com as contas públicas será mantido. Levando-se em conta as receitas financeiras do Tesouro, em suas bilionárias movimentações com a dívida pública, o orçamento projetado para 2012 destina 47% do mesmo para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
A medida que mexe com as regras de remuneração das cadernetas está vinculada a outra proposta, que podemos considerar positiva. Trata-se de diminuir o peso dos títulos da dívida pública indexados pela taxa Selic. O ideal seria desvincular a Selic de todo e qualquer mecanismo de indexação dos títulos do Tesouro. A dívida pública não pode ter como indexador uma taxa que é típica de operações do Banco Central em suas operações de política monetária, vinculadas ao controle de liquidez e subordinadas a uma lógica de curto-prazo. Mas, se a idéia de diminuir o peso dos títulos atrelados à Selic já é um desafio que será de difícil viabilização – dadas as condições que atrelam o governo ao sistema financeiro –, extinguir a Selic como indexador da dívida seria quase impossível.
Basicamente, portanto, o que Dilma pretende viabilizar é “trocar” a ditadura dos juros altos pelo garrote vil do controle dos gastos públicos. Essa não é uma proposta nova. No governo Lula, frente a essa mesma posição, defendida então por economistas conselheiros do presidente, Dilma a atacou de frente, chamando-a de rudimentar e de uma “idéia sem cabeça”. Agora, parece que a sua cabeça mudou de idéia.
Ademais, a decisão do Copom foi baseada na percepção das dificuldades que a crise internacional poderá nos causar, combinada com a desaceleração da atividade econômica que – depois de cinco elevações consecutivas da taxa Selic – vários indicadores já apontam. Frente, naturalmente, a uma deterioração das condições da economia internacional, ninguém poderá nos garantir que o remédio de sempre, a elevação da taxa básica de juros, não voltará a ser usado sem a menor parcimônia.
De qualquer forma, o que mais impressiona é que, nesta semana, mais que nunca, nos ficou a impressão de que a presidência da República e o ministério da Fazenda são subordinados ao Banco Central. E este, o Banco Central, a quem se subordina, com a sua dita autonomia?
Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.