2012
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- Paulo Passarinho
- 04/01/2012
Fazer previsões ou prognósticos é sempre uma tarefa de alto risco. Especialmente, se tratamos de matéria ou assunto de natureza econômica. Contudo, esse é um exercício que constantemente os economistas são instigados a fazer. “Cavacos do ofício” é o que podemos evocar, lembrando o dito popular, sem renegar ou lamentar nosso triste destino. Afinal, a esfera econômica talvez seja a principal variável que influencia o plano material e social de nossas cada vez mais complexas e interdependentes sociedades. Sendo assim, é natural que, no campo das previsões para o ano que se inicia, sejamos incluídos dentre aqueles que devem expor as suas convicções e sensibilidades sobre o que poderá advir neste futuro próximo, dos doze seguintes meses do nosso calendário gregoriano.
O ano de 2011 nos trouxe com força as dimensões da crise global que se inicia em 2007/2008 e que para muitos havia sido superada em 2010, após o mergulho recessivo de boa parte das economias nacionais em 2009 – incluindo a brasileira. Entretanto, o que assistimos em 2011, nos centros principais da economia mundial? Crise estrutural das bases da unificação européia, sob regência da Alemanha, e manutenção da estagnação econômica dos Estados Unidos, apesar das injeções de vultosos recursos públicos em bancos, empresas e programas de amparo social a grupos mais vulneráveis.
Curiosamente, a partir da dinâmica de crescimento da China e da Índia, e do papel que suas respectivas demandas por matérias primas e alimentos exercem em economias como a brasileira, o que observamos é que a periferia do capitalismo global é quem vem apresentando respostas mais adequadas ao atual momento de crise global. A pergunta que se torna inevitável, desse modo, é até que ponto será sustentável um processo dessa natureza? Em que medida as dificuldades da Europa e dos Estados Unidos poderão afetar o dinamismo desses gigantes emergentes asiáticos? E as dificuldades latentes dessas economias, e de suas conflituosas e hipercomplexas sociedades?
Encontrar respostas a essas perguntas é sobremaneira importante para o próprio Brasil e suas autoridades. Desde os anos 90, assumimos um novo modelo econômico, baseado na integração financeira e na abertura comercial do país à economia internacional. O custo dessa opção é traduzido em uma dinâmica de intenso endividamento interno da União, que restringe de forma importante a capacidade do Estado em sustentar e elevar as taxas de investimento na economia.
É o setor privado, e especialmente o capital externo e multinacional, que nos dias de hoje responde pela maior parte das inversões produtivas, ainda que o papel financiador estatal seja relevante, particularmente através do BNDES. Essas grandes empresas, na verdade conglomerados envolvendo interesses nas áreas de construção, mineração, siderurgia, energia e atividades agroexportadoras, é que vêm dando a tônica e a feição do desenvolvimento – se assim podemos chamá-lo – brasileiro.
O papel do Estado também é importante na regulação e definição de políticas e programas que respondem a carecimentos de grupos sociais mais vulneráveis e na elevação do poder de compra do salário mínimo. Essas iniciativas estatais, em conjunto com a expansão do mercado de crédito – a taxas de juros muito elevadas –, vêm sustentando uma demanda interna importante, baseada no consumo das famílias, mas que começa a demonstrar limites, em decorrência das especificidades do mercado de trabalho (dinâmico exclusivamente na geração de empregos de baixa qualidade e remuneração) e da capacidade de endividamento de cada brasileiro.
O ano de 2012 se inicia de forma inversa – na ótica do governo – ao começo de 2011. Ao contrário do objetivo de se desacelerar o crescimento, a meta de um ano atrás, parece que agora o objetivo será o de se tentar manter a economia com um crescimento em torno de 4%. Mais do que isso faz com que as preocupações com a variação de preços, a valorização do real frente ao dólar ou a drástica redução do saldo comercial do país tirem o sono das autoridades. Paradoxo cruel para os auto-rotulados neodesenvolvimentistas...
A preocupação também se volta para o comportamento das contas externas. O ano de 2011 não confirmou as previsões mais pessimistas para o saldo da balança comercial. Essa é uma variável importante, porque desde 2008 voltamos a conviver com déficits crescentes nas nossas transações correntes, por conta da evolução negativa da conta de serviços. Saldos da balança comercial atenuam o desequilíbrio da conta corrente. Mesmo assim, estamos fechando o ano de 2011 com um déficit corrente das contas externas de US$ 54 bilhões (o mercado financeiro estimava que esse buraco pudesse chegar a US$ 65 bilhões, em função da estimativa de saldo da balança comercial de apenas US$ 8 bilhões). O saldo comercial de 2011 surpreendeu – graças à Ásia – com um resultado positivo em torno de US$ 28 bilhões.
O vilão dessa história das contas externas é o resultado negativo e crescente, ano a ano, da conta de serviços. Na casa dos US$ 20 bilhões até 2004, entre 2005 e 2007, saltamos para a faixa dos US$ 30 bilhões, em 2008 e 2009, ficamos com saldos negativos de mais de US$ 50 bilhões, e, em 2010, chegamos a US$ 70 bilhões. Agora, em 2011, superamos a cifra negativa de US$ 80 bilhões. Para 2012, vamos nos aproximar dos US$ 90 bilhões, frente a uma previsão de redução do saldo da balança comercial para US$ 23 bilhões. A estimativa é do próprio Banco Central, que projeta um déficit das contas correntes de US$ 65 bilhões.
Remessas de lucros (US$ 38 bilhões, em 2011, e estimativa de US$ 40 bilhões, para 2012), pagamento de juros da dívida externa, aluguel de máquinas e viagens internacionais são os itens que pressionam essas despesas com serviços, de forma estrutural, dada a participação do capital estrangeiro na economia nacional. Caminho, parece, sem volta da economia nacional.
Apesar dos números, a realidade dependente não preocupa o governo. Mesmo com uma estimativa de redução da entrada de capitais externos na economia brasileira, a expectativa é que continuemos na mesma trilha que temos percorrido nos últimos anos, fechando nossas contas externas pela conta de capitais, com mais empréstimos e investimentos estrangeiros. Além, é claro, das vendas externas de commodities agrominerais. Por isso a importância, e torcida, para a demanda asiática continuar a sustentar nossas vendas ao exterior.
Resumindo: 2012 será mais do mesmo, até que os destinos do mundo global nos empurrem para, de fato, nos assumirmos como país que deve procurar um caminho próprio para um verdadeiro desenvolvimento, menos dependente das condições externas da economia global, e das pressões do capital financeiro, e mais coerente com as necessidades materiais e sociais de nosso povo.
Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.