Correio da Cidadania

Comitê Popular da Copa: “Não reconhecemos a ideia do legado”

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Passamos anos convivendo com promessas de mundos e fundos, alegrias materiais e imateriais e toda uma ideia de progresso transmitida em ritmo de carnaval. Um ano depois da Copa do Mundo e da maior humilhação da história do futebol brasileiro, temos um país em recessão, o desemprego em ascensão e uma assustadora pauta conservadora avançando a cavalo.

 

“Não reconhecemos essa história tão divulgada de ‘legado da Copa’. Pelo contrário, tivemos milhares de famílias removidas. Ainda hoje, muitas famílias nas cidades-sedes estão ameaçadas de remoção por conta das obras inacabadas. Tivemos muita gente impedida de trabalhar, o aumento da exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes e também a criminalização dos movimentos sociais”. Assim começa a entrevista de Larissa Viana, do Comitê Popular da Copa – SP, ao Correio da Cidadania.

 

Dessa forma, a história parece reservar um bom lugar àqueles que contestaram todo o processo dos megaeventos, a ser coroado no ano que vem, com as Olimpíadas do Rio de Janeiro, certamente a cidade mais mercantilizada dentre todas as envolvidas numa aventura que agora vê a alta cúpula do mundo futebolístico e das empresas beneficiárias das obras atrás das grades – algo que nem os mais rebeldes poderiam supor.

 

“Prometeu-se muita geração de emprego e renda, o que não aconteceu. Mas, penso, pior que a crise econômica é o atual retrocesso do ponto de vista institucional, a exemplo do PL das Terceirizações, a PEC de redução da maioridade penal (prestes a ser aprovada), o contingenciamento do orçamento das áreas sociais, vários absurdos”, criticou a ativista, cuja entidade, após lançamento de um livro que elenca todos os “legados” pela perspectiva da contestação, agora se dissolve e toma novos rumos.

 

A entrevista completa com Larissa Viana, a 62ª em parceria com a webrádio Central3, pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Passado um ano da Copa do Mundo de futebol, que balanço o Comitê faz de sua atuação, ao longo dos últimos anos?

 

Larissa Viana: Não reconhecemos essa história tão divulgada de “legado da Copa”. Pelo contrário, tivemos milhares de famílias removidas. Ainda hoje, muitas famílias nas cidades-sedes estão ameaçadas de remoção por conta das obras inacabadas. Tivemos muita gente impedida de trabalhar e também o aumento da exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes.

 

Nós do Comitê fizemos um trabalho de muita luta pra tentar reverter as violações cometidas em nome da Copa do Mundo da FIFA, que começaram muito antes do próprio megaevento. Tentamos reverter e publicizar dados e informações completamente encobertos, além de cercados de mentiras, por parte do Estado, a exemplo das remoções, exploração sexual, impossibilidade de os ambulantes trabalharem etc.

 

Correio da Cidadania: O que você pode nos contar sobre o livro recém-lançado pelo Comitê Popular da Copa e seu conteúdo?

 

Larissa Viana: É uma publicação – intitulada Copa Pra Quem?- Uma perspectiva dos megaeventos abaixo e à esquerda – que abarca nossas pautas, trabalhadas ao longo dos anos de atuação do Comitê. Cada pauta tem seus textos, tratando de temas como a Lei Geral da Copa, os processos de remoção da população, de como a Copa atingiu diretamente as populações em situação de rua, os ambulantes, que foram impedidos de trabalhar por conta da Lei Geral da Copa...

 

Também falamos da elitização futebol, das práticas repressivas alimentadas pela Copa e da criminalização dos movimentos sociais. É um livro bem completo a respeito dessas pautas.

 

Correio da Cidadania: Quais os sentimentos que vocês do Comitê vivenciaram ao ver a operação internacional do FBI terminar na prisão de toda a alta cúpula da FIFA, mantendo pelo menos até julho o ex-presidente da CBF preso em solo suíço e prometendo novos desdobramentos?

 

Larissa Viana: Falando do Marin (ex-presidente da CBF, deputado em SP pela ARENA e atualmente preso na Suíça), sempre batemos muito nessa questão. Em junho de 2014, antes da abertura da Copa, fizemos um escracho em frente à casa dele, nos Jardins, onde promovemos um enterro simbólico dos 10 mortos em obras de estádios no Brasil.

 

Na verdade, nosso primeiro sentimento foi “puxa, demorou 20 anos, que bom hein”. Mas questionamos a operação também, porque existe um processo, não sei se uso a palavra certa, de crescimento do futebol nos EUA, com a contratação de grandes atletas, como Kaká, Beckham... E perguntamos qual interesse há a partir das prisões feitas pelo FBI.

 

Mas, particularmente, fiquei bastante satisfeita. Sempre denunciamos que o processo de corrupção, mostrado em diversas matérias, para a escolha das Copas na Rússia e no Catar, também se dava no Brasil. Existiu um lobby, por exemplo, entre FIFA, CBF, Andrés Sanchez e políticos para construir a Arena Corinthians, ou Itaquerão, já que os jogos em São Paulo seriam realizados no Morumbi. Isso já foi fruto de um lobby. O processo muito denunciado na Rússia e no Catar ocorria aqui também e batemos muito na tecla.

 

Mas, pelo menos, consideramos que demos o recado. Recentemente, tivemos protestos em frente aos estádios da Copa América do Chile, tanto contra a elitização do futebol como contra a criminalização de torcedores.

 

Correio da Cidadania: Daqui pra frente, o que o Comitê pretende se pautar como organização política, o que será da organização e seus militantes?

 

Larissa Viana: Com o fim da Copa, mantivemos atividades até a publicação do livro. Posteriormente, o Comitê se desfez. Mas como se tratava de uma articulação de movimentos sociais, aqueles que compunham o Comitê continuam com suas pautas e lutas. Muitos dos integrantes estão se somando a outros movimentos, de moradia, de ambulantes, pela auditoria da dívida pública etc.

 

Assim, o pessoal se distribui entre movimentos que já faziam parte do Comitê. Eu, por exemplo, estou na questão da moradia, do direito à cidade. E há outros nas questões de auditoria, ambulantes, população em situação de rua, pautas que já existiam muito antes da Copa.

 

Correio da Cidadania: Após toda a propaganda otimista da Copa do Mundo, mergulhamos imediatamente num ano de crise e desemprego. À luz da atual conjuntura e já com o olhar um tanto distante do grande acontecimento esportivo de 2014, o que enxergam hoje como balanço e legado da Copa?

 

Larissa Viana: Como dito no começo, eu particularmente não reconheço a ideia do legado. Não vejo nenhum legado positivo, muito pelo contrário, vejo muito legado negativo, a exemplo das pessoas removidas. Moro em São Paulo, mas sou de Fortaleza. Vi que as obras do VLT removeram muita gente e muitas ainda continuam ameaçadas de remoção, porque as obras sequer foram concluídas. Estão paradas, completamente abandonadas. E as pessoas continuam em total insegurança quanto à permanência no local, sempre numa situação instável.

 

Também se prometeu muita geração de emprego e renda, o que não aconteceu. Mas, penso, pior que a crise econômica é o atual retrocesso do ponto de vista institucional, a exemplo do PL das Terceirizações, a PEC de redução da maioridade penal (prestes a ser aprovada), o contingenciamento do orçamento das áreas sociais, vários absurdos.

 

É um cenário de muitos retrocessos, até desesperadores, o que requer que nós, pessoas e movimentos sociais de esquerda, continuemos nos organizando, nas lutas e nas ruas.

 

Áudio da entrevista


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Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.

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