‘A depender de governo e oposição, caos social vai se aprofundar’
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- Gabriel Brito, da Redação
- 29/07/2015
Para fazer um balanço do primeiro semestre deste tenso ano político, o Correio da Cidadania entrevistou o historiador Marcelo Badaró Mattos, em meio a um recesso parlamentar que parece guardar brigas de peso para agosto. Além de afirmar que a tendência é vermos a piora do quadro recessivo, o entrevistado analisou o ‘fenômeno’ Eduardo Cunha e diminuiu o peso de eventuais desdobramentos da Operação Lava Jato.
“A pauta reacionária de Cunha e seus aliados - a redução da maioridade penal, a regressão nos direitos reprodutivos, a tentativa de dirigir os currículos educacionais e as práticas pedagógicas por um viés claramente reacionário etc. - é perfeitamente funcional ao esforço de disciplinamento e apassivamento de uma força de trabalho submetida a um processo de exploração/expropriação e opressão ampliadas”, afirmou o professor da Universidade Federal Fluminense.
Sobre as investigações de propinas em contratos de obras públicas realizadas por grandes empreiteiras, Badaró diz que “a Lava Jato serve tanto aos interesses da oposição, que mantém em pauta a denúncia da corrupção petista e o fantasma do envolvimento de Lula e Dilma, quanto ao esforço petista de se apresentar como vítima de um complô tucano, com ramificações no judiciário e na Polícia Federal”.
Dessa forma, a sociedade só poderia vislumbrar um movimento de rejeição ao ajuste fiscal com a formação de um polo totalmente crítico ao governo e suas políticas nocivas aos direitos trabalhistas, algo já verificável na realidade. “As medidas adotadas nos primeiros seis meses do segundo mandato de Dilma representam um alinhamento, em momento que a crise reduz as margens para qualquer compensação social”, diz ele, que apesar de não descartar retrocessos institucionais, acredita que o impeachment “não está colocado no imediato, pois no que diz respeito aos interesses do grande capital o governo tem sido exemplarmente fiel”.
A entrevista completa pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Qual o balanço que você faz do primeiro semestre na política e economia brasileiras, especialmente no que se refere às posturas que vêm sendo adotadas pelo governo e pela sua mandatária?
Marcelo Badaró: O governo Dilma, através da coalizão partidária liderada pelo PT, foi reeleito após uma disputa muito polarizada, com uma campanha que procurava imputar ao principal adversário – Aécio Neves, do PSDB – a ameaça de uma política econômica recessiva, de mais privatizações e retirada de direitos dos trabalhadores. Exatamente o que Dilma reeleita, já a partir de dezembro do ano passado, começou a executar, demonstrando que suas promessas de campanha não eram nada mais que... Promessas de campanha. Sem dúvida, Aécio Neves e a coalizão liderada pelo PSDB teriam feito o mesmo se tivessem sido eleitos.
Isso se explica em grande medida pelo quadro de acentuação dos impactos da crise capitalista na economia brasileira. Diante da retração das taxas de lucro, especialmente do chamado “setor produtivo”, o capital encontra como saídas a busca de mais rendimentos “financeiros” e, ao mesmo tempo, a ampliação da taxa de exploração sobre os trabalhadores, expropriando-os de direitos.
Nos dois casos, como gestor da dívida pública/taxa de juros e como espaço de regulação legal das relações capital/trabalho, o papel do Estado é fundamental. Os governos liderados pelo PT, desde 2003, nunca titubearam em alinhar-se com os interesses do capital em todas as questões decisivas que até aqui enfrentaram e não seria diferente agora.
As medidas adotadas nos primeiros seis meses do segundo mandato de Dilma representam exemplarmente esse alinhamento, em um momento em que a crise reduz as margens para qualquer tipo de compensação social. A elevação da taxa de juros (com a dívida pública ultrapassando a fatia de 50% do orçamento federal destinado a seu pagamento, juros e rolagem), a retirada de direitos trabalhistas, os cortes do orçamento nas áreas sociais (especialmente na educação, mostrando a hipocrisia do slogan da “Pátria Educadora”), são todas políticas que confirmam essa avaliação.
Correio da Cidadania: O que justifica a ‘força’ de Eduardo Cunha neste período?
Marcelo Badaró: Para além da autonomia relativa da dinâmica parlamentar brasileira - em que um presidente da Câmara pode ser eleito por fazer mais promessas de vantagens pecuniárias e mordomias para deputados - há dois elementos que me parecem importantes para entender o papel atual desse personagem, que ingressou na vida política sob o apadrinhamento de P.C. Farias.
No plano da superfície do jogo político, Cunha representa os impasses do “presidencialismo de coalizão”, como costumam chamar os cientistas políticos, em que os presidentes eleitos, sem maioria parlamentar exclusiva de seu partido, estabelecem alianças nos moldes mais fisiológicos (apoio em troca de cargos nos diversos escalões do Executivo, empresas estatais, agências reguladoras etc., além de liberação de “emendas parlamentares” e apoio às propostas corporativas das “bancadas” setoriais, como os “ruralistas” ou os “evangélicos”).
Ele é a expressão de uma “base aliada” que quer maximizar seus ganhos e benefícios nessa lógica do “é dando que se recebe”. Por outro lado, e indo além desse aspecto, a pauta reacionária de Cunha e seus aliados - a redução da maioridade penal, a regressão nos direitos reprodutivos, a tentativa de dirigir os currículos educacionais e as práticas pedagógicas por um viés claramente reacionário etc. - é perfeitamente funcional ao esforço de disciplinamento e apassivamento de uma força de trabalho submetida a um processo de exploração/expropriação e opressão ampliadas.
Não à toa, mesmo com todas as chantagens políticas ao Planalto, a pauta da retirada de direitos dos trabalhadores é toda encaminhada positivamente por Cunha e os seus.
Correio da Cidadania: O que espera do retorno do recesso parlamentar, em agosto, quando várias brigas políticas, voltadas aos mais diversos interesses, parecem anunciadas? O que ocorrerá, mais especificamente, a seu ver, com o PMDB, que não abraçou o rompimento de Cunha com o governo?
Marcelo Badaró: O PMDB, desde a redemocratização, é um partido que orbita sempre em torno do Executivo, cumprindo o papel de fornecer a maioria parlamentar necessária, em todo um mandato ou nos momentos-chave, em troca do controle de determinadas fatias da máquina pública. No quadro atual, ampliar a chantagem sobre o Executivo para obter fatias maiores do seu “botim” faz sentido, mas romper completamente com o governo só se justificaria se a correlação de forças se alterasse a ponto de uma queda de Dilma, o que não parece ser o “plano A” das classes dominantes neste momento.
Correio da Cidadania: Acredita que os desdobramentos da Operação Lava Jato, que parecem atingir cada vez mais quadros políticos de peso, poderão arrefecer os ânimos e produzir “acordos de paz”?
Marcelo Badaró: Apesar da novidade de um processo policial/judiciário de investigação da corrupção chegar aos corruptores, não acredito que a Operação Lava Jato terá papel determinante nos desdobramentos do quadro político brasileiro atual. Ela serve tanto aos interesses da oposição, que mantém em pauta a denúncia da corrupção petista e o fantasma do envolvimento de Lula e Dilma, quanto ao esforço petista de se apresentar como vítima de um complô tucano, com ramificações no judiciário e na Polícia Federal.
Correio da Cidadania: O que espera das manifestações, à esquerda e à direita”, agendadas para agosto?
Marcelo Badaró: As manifestações de março demonstraram, entre outras coisas, que a direita política, pela primeira vez desde os tempos do governo Goulart, resolveu assumir o papel de promover mobilizações de rua como estratégia política. No que foi apoiada/financiada pelos novos/velhos aliados externos (os links dos “líderes” da “nova” direita brasileira com organizações estadunidenses têm sido demonstrados em diversas análises) e, principalmente, insuflada pelo enorme esquema de cobertura televisiva das Organizações Globo e outros veículos de comunicação empresariais. Algo que representa, sim, uma ameaça séria de retrocesso político, que não podemos desprezar.
No entanto, o fracasso das chamadas posteriores de mobilização daquelas mesmas forças demonstrou que não é fácil reproduzir muitas vezes aquele modelo. Por outro lado, por parte das forças que apoiam o governo, é mais difícil ainda mobilizar bases sociais organizadas da classe trabalhadora com a paradoxal proposta de combater as políticas de “austeridade” implementadas pelo governo liderado pelo PT e, ao mesmo tempo, defender esse mesmo governo de supostas ameaças golpistas vindas da direita.
Manifestações verdadeiramente à esquerda dependem da criação de um polo autônomo em relação ao governo, e resolutamente crítico da direita reacionária, que combata com consequência todas as medidas que retiram direitos dos trabalhadores e os cortes no orçamento social, apontando para a necessidade de romper com a lógica da dívida e desnudando o sentido de classe (a favor do capital) do governo Dilma e da oposição de direita.
Correio da Cidadania: O que caberia no momento aos grupos e movimentos favoráveis a um projeto alternativo? Quais seriam esses grupos e qual a possibilidade de partirem para uma ação conjunta?
Marcelo Badaró: Neste momento, em que acontecem greves de servidores públicos federais e setores estaduais, como as Universidades baianas (após as greves de profissionais da educação em diversos estados, com destaque para o Paraná), o primeiro passo é cerrar fileira em apoio a esses movimentos, que indicam uma primeira e importantíssima onda de resistência às políticas de austeridade.
O passo seguinte é a construção necessária e difícil de uma greve geral no país. Em meio a esses processos de luta poderiam emergir movimentos, processos organizativos e lideranças capazes de criar um polo combativo e classista a unificar o sindicalismo e outros movimentos sociais da classe trabalhadora do campo e da cidade.
Do ponto de vista das bases sociais, o desafio é aglutinar os trabalhadores organizados - não apenas no pequeno setor mais autônomo e combativo do sindicalismo brasileiro, mas disputando as bases dos burocratas sindicais, governistas ou não - com os amplos setores da classe não representados pelo movimento sindical, que manifestaram de forma muito explícita seu descontentamento durante as “jornadas de junho” de 2013.
Correio da Cidadania: Como acredita que caminhará este mandato de Dilma, no médio e longo prazo, em especial com os ventos de impeachment pairando vez ou outra nos debates?
Marcelo Badaró: A depender das forças políticas que apoiam o governo e da oposição de direita, a tendência é de aprofundamento das políticas de austeridade, que já estão conduzindo o país ao desastre social - com a rápida elevação das taxas de desemprego, a queda nos rendimentos do trabalho e o desmanche dos serviços públicos, estrangulados pelos cortes de verba. A hipótese do impeachment não pode ser descartada, especialmente se o crescimento do descontentamento com tal desastre social for dirigido pela perspectiva da direita e apresentado como um mero resultado da “corrupção” petista.
No entanto, ela não está colocada no plano imediato, pois no que diz respeito aos interesses imediatos do grande capital o governo Dilma tem sido exemplarmente fiel. Como disse um amigo, diante do anúncio de mais um período de recorde de lucros de um grande banco: “é por essas e por outras que não vai ter impeachment”.
Do lado das forças do trabalho, a interrupção do ciclo da austeridade dependerá essencialmente de uma nova onda de lutas sociais, capazes de gerar um outro polo organizado da classe trabalhadora, que apresente-se como alternativa de classe às políticas do capital.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.