Em meio a agravamento da crise financeira, governo brasileiro aprofunda princípios neoliberais
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- Paulo Passarinho
- 01/08/2012
O atual mês de julho deveria ser encarado por Dilma Rousseff como um marco importante das absurdas limitações que vão se impondo ao seu governo, em decorrência de decisões equivocadas que vêm sendo assumidas desde o início do seu mandato.
O início da gestão do atual governo foi marcado pelo temor de um propalado recrudescimento inflacionário, que o levou a decidir, através do Banco Central, pela elevação sistemática da taxa Selic, por cinco diferentes vezes consecutivas. O ministro da Fazenda declarava, então, que o seu objetivo era produzir uma desaceleração no ritmo da atividade econômica, como forma de arrefecer a pressão inflacionária que, supostamente, se apresentava como uma perigosa tendência, necessária de ser combatida. Outra preocupação explícita da equipe econômica era com o processo de valorização do real frente ao dólar, especialmente pelos efeitos negativos produzidos nos resultados da balança comercial.
Já a partir da metade do ano passado, contudo, a percepção dos gestores da política econômica havia se alterado: a desaceleração econômica já se fazia sentir de forma mais intensa que o desejável e o agravamento da crise europeia se adicionava às preocupações do governo. As medidas de elevação da taxa de juros acabaram por produzir uma estagnação econômica no terceiro trimestre do ano e as medidas de injeção de liquidez – adotadas pelos bancos centrais americano e europeu – mantiveram em alta os fluxos de capital especulativo para países como o Brasil, contribuindo para a valorização indesejável do real.
Neste contexto, 2012 tem início com Dilma Rousseff preocupada em evitar o pífio crescimento do PIB observado em 2011 (2,7%), abaixo da média do PIB mundial e o mais fraco desempenho entre os países da própria América do Sul. Para o governo, a ideia era procurar assegurar uma expansão do PIB de 4,5%. Com relação ao câmbio, medidas buscando inibir operações de empréstimos e financiamentos entre filiais de multinacionais e suas matrizes ajudaram a diminuir o fluxo de entrada de recursos especulativos no país. Além disso, a saída de recursos de estrangeiros aplicados nas bolsas de valores e mercadorias acabou por produzir uma relativa desvalorização do real.
Entretanto, sob o ponto de vista do ritmo da atividade econômica, os resultados não poderiam ser mais desanimadores. Sucessivas reavaliações foram feitas desde o início do ano, por parte do próprio governo e de instituições ligadas ao chamado mercado, e hoje se torna consenso que, na melhor das hipóteses, a economia deverá crescer em torno de apenas 2%. As várias medidas que têm sido anunciadas, sempre em torno da desoneração fiscal e da concessão de crédito subsidiado a setores empresariais, parecem não mais surtir o efeito esperado. Há incertezas por parte do capital privado para novos investimentos e as respostas na esfera do consumo se mostram tímidas frente ao forte endividamento das famílias, contraído nos últimos anos, mesmo diante da política em curso de redução das taxas de juros.
A grande alternativa que poderia estar ao alcance do governo seria uma guinada nos chamados gastos públicos, tanto em termos de novos investimentos como no incremento de gastos de custeio, particularmente no atendimento às demandas salariais do funcionalismo. Para tanto, a diminuição das metas de superávit fiscal poderia abrir uma margem de manobra importante ao governo, para a viabilização desses objetivos. Porém, esta é uma medida quase proibitiva, dentro da lógica do governo.
Para o rompimento da verdadeira ditadura fiscal representada pelo superávit primário, de forma consequente e sustentável, haveria a necessidade de uma abrangente mudança no conjunto da política macroeconômica. Mecanismos de controle sobre os fluxos cambiais, maior eficácia fiscalizatória sobre os bancos e uma substantiva mudança no padrão de administração da dívida pública, com uma forte redução nas taxas de juros dos títulos públicos – muito além da redução da taxa Selic – seriam medidas essenciais.
Haveria, particularmente, a necessidade de uma forte atenção com nossas contas externas, fortemente pressionadas pela conta de serviços e pela redução do saldo comercial, ampliando ano após ano o déficit em conta corrente do país. Controlar as remessas de lucros ao exterior e dotar nossas exportações de maior competitividade, através de uma taxa de câmbio desvalorizada, seriam também medidas importantes para uma transição que tivesse como objetivo uma nova realidade econômica, favorável ao capital produtivo, à geração de empregos de qualidade e à ampliação dos gastos públicos.
A maior dificuldade para uma mudança dessa natureza não se encontra na esfera técnica. Os obstáculos são de natureza política. A adoção de uma política econômica alternativa implicaria romper com o pacto de poder hegemônico, construído desde meados dos anos 90, e que tem nos bancos e multinacionais os seus principais avalistas e beneficiários. Exigiria, portanto, coragem política para enfrentar os atuais donos do poder.
Mas, ao que tudo indica, o governo Dilma se encontra em uma armadilha ditada pelas suas opções de governabilidade, herdadas do governo Lula. Abrindo mão do papel protagônico que deve guiar o Estado, em um país dominado pelo capital financeiro, o recrudescimento das atuais dificuldades do governo deverá ser respondido com maiores concessões ao capital privado. Mudanças na legislação trabalhista voltam a ganhar destaque e, sob o ponto de vista do investimento, o que se prenuncia é um conjunto de medidas para a entrega à iniciativa privada dos setores de infraestrutura.
Aeroportos, ferrovias, rodovias e portos deverão ser concedidos a operadores privados, inclusive estrangeiros, através de parcerias público-privadas, e onde curiosamente – assim como ocorre desde o início da tragédia das privatizações – o sempre presente BNDES estará atuante, como financiador-mór dessas operações.
Dessa forma, em meio ao agravamento da crise do capital financeiro no mundo mais desenvolvido, em meio à fragilidade do Estado brasileiro frente às suas obrigações constitucionais com o nosso povo (em termos de educação, saúde, habitação popular ou transportes públicos), continuamos a aprofundar o enraizamento dos princípios e políticas ditadas pelo neoliberalismo, para um país periférico.
O preço dessa opção, de condenar o Brasil a uma condição subalterna às pressões privatistas e estrangeiras, é alto e grave: mantemos a triste trajetória de renúncia de nossa soberania, autodeterminação e de nossa própria inteligência, por conta da incapacidade e pusilanimidade das elites econômicas e políticas do país.
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Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
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