Correio da Cidadania

Deformações e oportunismos vêm na esteira da falência da política fiscal e do pacto federativo

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A discussão sobre a repartição dos royalties do petróleo voltou a ganhar destaque. Depois da derrota do governo, com a não apreciação pela Câmara do substitutivo do deputado Carlos Zarattini, que procurava alterar a proposta de lei aprovada no Senado sobre essa matéria, a grita dos governadores do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de São Paulo – os estados produtores que seriam os grandes prejudicados com a nova redivisão dos royalties aprovada pelo Senado – foi amplificada.

 

Sergio Cabral Filho, o governador do Rio, anda extremamente desgastado por suas notórias relações com o dono da Delta Construtora, Fernando Cavendish, e a divulgação – dentre outros escândalos – de farras internacionais reunindo, sob os auspícios do citado empresário, ele próprio, Cabral e alguns de seus secretários de Estado. Neste contexto, nada melhor para ele do que a iniciativa de promover mais um ato “em defesa” do Rio, bradando a necessidade de a presidente Dilma vetar a chamada nova divisão dos royalties.

 

Independentemente dos inúmeros equívocos que essa discussão guarda (vide o artigo Mau Sinal, publicado em março de 2010), o seu pano de fundo é a dificuldade, crescente, que estados e municípios vêm sofrendo para arcarem com suas respectivas responsabilidades de governo. Faltam recursos financeiros. Estados fortes economicamente, como são os casos de São Paulo, Minas e o Rio Grande do Sul, voltam a pleitear a urgente renegociação de suas dívidas junto ao governo federal.

 

Apesar da forte elevação da carga tributária, desde o início do Plano Real, a maior parte dos recursos arrecadados fica na esfera federal, não sendo distribuídos pelos demais entes federativos. A prioridade, ditada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é o pagamento de despesas financeiras, sempre crescentes, para a manutenção da chamada “indústria da dívida pública”, galinha dos ovos de ouro dos rentistas.

 

Foi a partir desse quadro que governadores, senadores e deputados federais viram a oportunidade de utilizar a discussão sobre a nova proposta de regulação da exploração do pré-sal, para pressionarem pela ampliação do percentual destinado ao pagamento dos royalties e por uma nova distribuição de recursos, incluindo todos os entes federativos, independentemente de serem estados produtores de petróleo.

 

Esta observação é importante, pois o pagamento desses royalties, de acordo com a Constituição, é uma compensação indenizatória para os municípios e estados produtores, que sofrem os impactos sociais, econômicos e ambientais da exploração do petróleo. É verdade, contudo, que desde a sua origem esse conceito compensatório foi ampliado.

 

Levando-se em conta que especificamente para a produção de petróleo a forma de cobrança do ICMS foi definida, pela própria Constituição, como devendo se dar no local de destino dessa produção, e não na sua origem, conforme é a regra geral de cobrança desse imposto, os estados ditos produtores de petróleo foram “compensados”, para o recebimento dessa indenização, por uma alíquota generosa de 10%.

 

Agora, frente ao garrote vil da asfixia financeira que estados e municípios sofrem de forma generalizada, a oportunidade de redivisão das receitas dos royalties do petróleo foi vista como a solução emergencial possível. E, por isso, já uma primeira decisão tomada elevou o percentual da “indenização” para 15%. Mais grave ainda: quando os parlamentares e governadores foram alertados para o fato de a produção do pré-sal não necessariamente atingir os volumes de produção inicialmente imaginados como imediatos, a brilhante ideia de se redividir o pagamento das indenizações dos campos já licitados ganhou força e acabou incluída na proposta acordada e aprovada pelo Senado Federal. Em suma: lambanças, deformações e oportunismos de todo o tipo ganharam corpo, sempre em nome de compensações a um mal maior, que é a falência da política fiscal e do pacto federativo.

 

Com relação aos equívocos da política fiscal – com o peso das despesas financeiras e precária distribuição dos recursos entre os entes federativos –, o que está em curso é apenas o agravamento dos problemas. Com a incapacidade da política econômica em responder aos efeitos da crise internacional, e no afã de se recuperar taxas de crescimento minimamente aceitáveis, continua em curso a adoção de medidas de renúncia fiscal, como a redução do IPI, o que diminui ainda mais a parcela de recursos do Fundo de Participação dos Estados.

 

Ao mesmo tempo, com a estrutura tributária que temos, com o peso dos tributos indiretos apenando trabalhadores e assalariados de forma mais intensa que os tributos diretos voltados para os detentores de propriedades e rendimentos do capital, a margem de manobra do governo fica muito reduzida. Afinal, este é um governo que nem de longe pensa em enfrentar a iniquidade tributária e fiscal que temos, e que privilegia aos mais ricos.

 

Assim, Guido Mantega, o ministro da Fazenda, pela enésima vez volta a prometer mais ações “pró-crescimento”, agora anunciando que sua meta será generalizar a desoneração da folha de pagamento das empresas – objetivo há anos acalentado pelas entidades de classe patronais -, a prorrogação das taxas de juros subsidiadas pelo BNDES para a compra de bens de capital e a privatização dos aeroportos do Galeão e de Confins.

 

Alterar a estrutura tributária em favor dos trabalhadores – medida potencialmente muito mais eficaz para a reativação da demanda agregada, principal estímulo à retomada dos investimentos – ou enfrentar as deformações da realidade fiscal são metas absolutamente afastadas do horizonte de decisões do ministério da Fazenda e da presidência da República. E nesse quadro, talvez seja pertinente indagar: não seria melhor chamar o Malan?

 

Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.

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