Governo financia entrega das infraestruturas do país a bancos e multinacionais
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- Paulo Passarinho
- 01/03/2013
Tudo indica, já entramos na fase antecipada da campanha presidencial de 2014. Neste mês de fevereiro, Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina Silva claramente se movimentam com os olhos voltados para outubro do ano que vem.
Mas há substantivamente alguma novidade a ser destacada no discurso dessas figuras? Esta é uma indagação de difícil resposta, ao menos para a minha limitada visão. Razões para uma nova proposta não faltam. Apesar da propalada e badalada mudança nos rumos do país, nos anos Lula, o que mais assistimos é o mais do mesmo.
Estruturalmente, apesar da folga de nossas contas externas durante o período compreendido entre 2003 e 2007, não somente não aproveitamos essa oportunidade, como a partir de então voltamos à perigosa trajetória de crescentes déficits nas transações correntes do país. As bandeiras representativas para uma efetiva mudança nos rumos do Brasil, em relação ao projeto que se desenvolve desde os anos 1990 – mudança do tripé da política econômica; reforma tributária progressiva; reforma fiscal em prol da federação, das despesas sociais e da infraestrutura logística; reforma agrária e mudança paulatina do modelo agrícola, entre outras -, foram abandonadas.
O lulismo preferiu se fiar – além do apoio dos bancos, construtoras, multinacionais e agronegócio – na capitalização política dos efeitos das medidas compensatórias recomendadas pelo Banco Mundial – programas de transferência de renda aos mais pobres, reajustes reais do combalido salário-mínimo e ampliação dos mecanismos de crédito para a aquisição de bens de consumo.
Estas iniciativas tiveram, de fato, um importante efeito minimizador das graves consequências geradas e produzidas durante o segundo mandato de FHC (1999/2002). Isto propiciou, politicamente, efeito positivo que se traduziu na alta popularidade de Lula e na própria eleição de Dilma, em 2010. Mas somente os incautos ou oportunistas podem abstrair a perigosa trajetória que estamos trilhando.
Gigante rigorosamente adormecido, o Brasil de hoje é um país sem projeto próprio de desenvolvimento ou soberania. Sob o ponto de vista produtivo, temos uma economia desnacionalizada, uma indústria dominada pelas multinacionais, sem nenhuma autonomia científica ou tecnológica (excetuando-se, talvez, o setor de petróleo, graças à permanentemente atacada Petrobrás), e um modelo agrícola baseado na importação de insumos, defensivos e sementes, utilizadas sobremaneira em monoculturas extensivas, voltadas para a exportação de commodities. A expansão da renda e do emprego dos trabalhadores de baixa qualificação somente foi possível a partir de forte processo de endividamento do Estado, das empresas e das famílias.
A fragilidade do país é tamanha que até mesmo na área de serviços, tradicionalmente dominada pelo capital nacional, o avanço do capital estrangeiro é notório e abrangente. Diferentes setores são exemplos claros desse processo. Bancos, supermercados, estabelecimentos de ensino, hospitais, planos de saúde e outros serviços públicos essenciais ao dia-a-dia da população passam crescentemente às mãos de “investidores” externos.
Dentre esses serviços públicos essenciais, ganha destaque a infraestrutura logística do país. Em meio à ofensiva privatista do primeiro governo de FHC – e apesar de que já estivessem sendo entregues à iniciativa privada os setores de telecomunicações, empresas de distribuição de energia elétrica, água e saneamento, entre outros setores controlados por antigas estatais –, a promessa e justificativa para tão abrangente programa de desestatização era a necessidade de o Estado gerar recursos para serem investidos na redução da dívida pública, nas áreas sociais e na infraestrutura do país.
Apesar disso, o que hoje assistimos é a explosão do endividamento público – comprometendo quase a metade do Orçamento Geral da União com despesas financeiras -, a acelerada degradação da qualidade dos serviços sociais públicos e a total incapacidade do Estado em construir e manter adequadamente a infraestrutura logística do país.
Frente a essa situação, pressionado pelas reduzidas taxas de investimento da economia brasileira e o baixíssimo crescimento econômico nos dois primeiros anos de seu governo, Dilma resolveu lançar um ambicioso programa de concessões e investimentos, voltado para as áreas de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, hidrovias, geração e transmissão de energia elétrica, petróleo e gás.
Os números projetados pelo ministro da Fazenda, garoto-propaganda do pacote apresentado nesta semana, em Nova York, a investidores, chegam a um montante anunciado de US$ 235 bilhões. Para os interessados, além de uma taxa real de retorno que será superior a 10% ao ano (descontada a inflação), e de um prazo de duração dos contratos ampliado, variando de 30 a 35 anos, o governo oferecerá crédito subsidiado, em um montante correspondente entre 65% a 80% do valor dos investimentos previstos.
Esta chamada “alavancagem” será garantida pelo governo através do BNDES, e também através dos bancos privados. Desse modo, para tornar ainda mais atrativo o negócio, inclusive para os hiperlucrativos bancos privados brasileiros, o Tesouro Nacional repassaria diretamente a esses bancos os recursos a serem emprestados aos futuros interessados pelas concessões a serem feitas pelo governo.
Aos leitores que se encontrem espantados ou perplexos com tanta generosidade do governo brasileiro, há uma explicação adicional que é importante de ser conhecida. Para a chamada formatação dessas propostas de concessões, o governo criou, em 2009, uma empresa, a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), uma curiosa união do BNDES com oito bancos com atuação no país: Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, Citibank, Espírito Santo e Votorantim. É esta empresa, portanto, que estabelece essas condições, para a continuidade da entrega da área de infraestrutura do país a investidores privados e estrangeiros, sempre com a providencial transferência de recursos do Estado para esses insuspeitos interessados.
Infelizmente, nenhum dos quatro possíveis postulantes à presidência da República, em 2014, citados no início deste artigo, apresenta qualquer divergência relevante, em relação ao modelo econômico em curso no Brasil. Apesar, inclusive, das permanentes e artificiais alfinetadas entre tucanos e lulistas. Por isso, cabe a pergunta: qual a razão para tanta precipitação? O que se disputa, a rigor, é apenas a gerência de um projeto, pré-definido pelos interesses hegemônicos de bancos e multinacionais.
A urgência, com certeza, deve ser de outra natureza: a necessidade de um verdadeiro candidato à presidente da República, com um projeto e plano de governo, dignos da importância desse cargo e do real significado da palavra república.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
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