CPMF, DRU e Governabilidade
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- Paulo Passarinho
- 26/09/2007
O governo Lula comemorou a aprovação, em primeiro turno na Câmara de Deputados, da emenda constitucional que permite a prorrogação da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira –, assim como da DRU, até o próximo ano de 2011. Para tanto, o governo lançou mão dos já tradicionalmente expedientes de liberar verbas para o atendimento de emendas orçamentárias de parlamentares, usar e abusar de nomeações políticas para cargos públicos e ceder a outras pressões que a base fisiológica de Lula exigia. De acordo com Teresa Cruvinel – colunista política do Jornal O Globo e de clara simpatia com o atual governo – foi cara a vitória. Cara, pois extremamente custosa: de acordo com a jornalista, até mesmo um funcionário do governo foi especialmente deslocado para a Câmara, com o objetivo de acertar a liberação de emendas.
Lula, por sua vez, também declarou que “qualquer pessoa de juízo neste país, a não ser aqueles que querem inviabilizar o Brasil, sabem que nem o governo Lula, nem o governo de qualquer ser humano poderiam abrir mão da CPMF neste instante. Aqueles que acham que é simples acabar deveriam propor acabar depois de 2010, para saber que nenhum governo, nem do PT, nem do PMDB, nem do PSDB, nem do PFL (atual DEM), se viessem mais partidos novos, ninguém conseguiria governar este país sem a CPMF, hoje”.
Como, apesar de me considerar oposição ao governo Lula, não tenho o hábito de me amparar em bravatas – conforme Lula confessou agir, quando na oposição -, nem tampouco me considerar despido de juízo, fiquei a refletir sobre as palavras proferidas pelo outrora líder das esquerdas e do combate ao neoliberalismo em nosso país.
Inicialmente, tendi a querer compreender que as palavras de Lula deveriam ser contextualizadas nas bases sugeridas pelo próprio, quando admite que os seus parâmetros de comparação e referência de governo se dão em relação ao PMDB, ao PSDB e ao PFL. Afinal, foram esses partidos os principais alicerces para o avanço do modelo liberal no Brasil, no curso do governo FHC. Mas Lula levou por demais longe a sua comparação, generalizou e acabou por citar que, mesmo que surgissem novos partidos, ninguém conseguiria governar esse país. Neste ponto, passa a ser, portanto, complicada a idéia e a visão expressas pelo presidente. É justo destacar que ele não arrolou o combativo PSOL dentre aqueles que não conseguiriam governar sem a CPMF.
Contudo, acredito que as palavras de Lula exijam retificações importantes.
Primeiramente, o mais importante nesse processo – e na ótica dos defensores da atual etapa do liberalismo no país – é a prorrogação da DRU. É esta desvinculação de recursos de áreas contempladas com receitas específicas – seguridade social e educação, principalmente – que é essencial para a preservação da engenharia orçamentária-financeira do modelo liberal. Aprovar, por exemplo, a prorrogação da CPMF, sem que esteja em vigor a DRU, de nada adiantaria aos propósitos do governo.
Segundo: o país que não suportaria o fim da CPMF – e da DRU – é aquele formado pelos interesses dos banqueiros, das grandes corporações empresariais nacionais e estrangeiras e demais segmentos interessados na manutenção do atual modelo. Que transfere a maior fatia do orçamento público para o pagamento de juros decorrentes de uma dívida que é fruto de aumento permanente por conta da própria forma como a mesma é administrada.
Os números não nos deixam mentir. Em janeiro de 1995, início do governo FHC e do aprofundamento do modelo liberal no Brasil, a dívida em títulos públicos em poder do mercado alcançava a soma de R$ 62 bilhões de reais. Atualmente, essa cifra ultrapassa a casa de R$ 1,1 trilhão! No período de FHC, foram privatizados mais de 70% do patrimônio do Estado e, desde 1999, a União, estados, municípios e estatais têm a sua gestão financeira constrangida pela necessidade de constituição do chamado superávit primário, sempre, a partir daquele ano, em um nível superior ao equivalente a 3% do PIB. Na era Lula, a partir de 2003, o valor desse esforço passou a ser sempre superior a 4,25% do PIB.
Os prejuízos para a população são enormes. Nos primeiros quatro anos do atual governo – de 2003 a 2006 –, os números da execução orçamentária indicam que na área da Assistência Social foram gastos R$ 59,6 bilhões; na Saúde, R$ 136,3 bilhões; na Educação, R$ 62,2 bilhões; na Segurança Pública, R$ 11,6 bilhões; na rubrica da Organização Agrária, R$ 11,8 bilhões; e no pagamento de despesas com juros o valor é assustador: R$ 594,2 bilhões!
Esses números, assim, demonstram de forma cabal quais interesses Lula não quer ferir e a que país ele se refere.
O que o país dos trabalhadores brasileiros precisa – e não o país dos banqueiros, financistas e políticos corruptos – é de um novo modelo de economia e de gestão orçamentária. Um modelo que oriente o gasto público para o investimento prioritário nas áreas sociais e de infra-estrutura, bem como no fortalecimento do Estado enquanto regulador da atividade econômica e provedor de serviços de alta qualidade para a imensa população brasileira.
O que precisamos, na área tributária, é de uma nova estrutura que garanta que quem venha a pagar impostos com mais rigor sejam os ricos e detentores de propriedades, especialmente na área rural, ao mesmo tempo em que pobres e assalariados venham a ter a sua respectiva carga tributária reduzida.
E, na área de gastos do governo, a farra de pagamentos que garante o grande negócio da dívida pública – para uns poucos privilegiados – tenha o seu fim.
Mas isso, infelizmente, já está mais do que comprovado, não será realizado por Lula: deste, além da traição a tudo aquilo que foi defendido e prometido no passado, o que restou foram apenas as bravatas...
Paulo Passarinho é economista.
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