Correio da Cidadania

A Luta Política do Mensalão

0
0
0
s2sdefault

 

 

Os últimos lances do processo do mensalão, produzidos pela decisão de Joaquim Barbosa de iniciar a execução das penas contra os réus, causaram fortes reações na sociedade.

 

A mais importante dessas manifestações de crítica certamente foi o manifesto subscrito por juristas do quilate de Dalmo Dallari e Celso Bandeira de Melo, assim como por intelectuais e dirigentes sindicais ligados ao Partido dos Trabalhadores.

 

Neste manifesto são levantadas fortes críticas à conduta de Barbosa. Ordem de prisões sem a devida expedição das cartas de sentença; não respeito ao domicílio dos réus e, especialmente, ao direito da prisão em regime semiaberto, para alguns dos condenados; além da falta de procedimentos cautelares em relação a José Genoíno, em fase de recuperação de uma delicada cirurgia cardíaca. As críticas são objetivas e contundentes, com os seus autores lançando até mesmo “dúvidas sobre o preparo ou a boa fé de Joaquim Barbosa na condução do processo”.

 

Os autores do manifesto também voltam a bater em uma tecla muito cara para todos os que se alinham na defesa de alguns dos réus deste rumoroso processo penal. Para eles, as atitudes do atual presidente do STF se constituem em “mais um lamentável capítulo de exceção em um julgamento marcado por sérias violações de garantias constitucionais”.

 

Mais uma vez, portanto, o manifesto aproveita a ocasião para lançar dúvidas e críticas não somente às decisões de Joaquim Barbosa, em relação às ordens de execução das penas do mensalão. O chamado “devido processo legal”, como um todo, também é questionado.

 

Não há dúvidas que muitas atitudes e decisões de Joaquim Barbosa são questionáveis, especialmente em relação à forma e o conteúdo dessas últimas medidas, que levaram à prisão alguns dos condenados no processo.

 

Entretanto, muito além do exame de tecnicalidades do processo, o que está em jogo é a disputa política que envolve a todos os que são aliados de alguns dos réus e que procuram a todo custo apontar erros processuais na ação penal e injustiças que estariam sendo cometidas, particularmente contra José Dirceu e José Genoíno.

 

É evidente a motivação política desse tipo de abordagem. Sempre, em relação apenas, repito, a alguns dos réus. Afinal, nunca vi qualquer tentativa de defesa para os réus, por exemplo, que foram condenados às mais elevadas penas de prisão neste processo. Jamais vi nenhum tipo de defesa, apaixonada ou não, em relação a Marcos Valério (condenado a 37 anos de prisão, sem contar o crime de formação de quadrilha, além do pagamento de multa milionária) ou a Kátia Rabello (14 anos de prisão, também sem se levar em conta o crime de formação de quadrilha, e multa de R$ 1,5 milhão).

 

Mais emblemática ainda foi a decisão do PT – agora, parece esquecida – que, logo após a denúncia de Roberto Jefferson, expulsou dos seus quadros o seu ex-tesoureiro, Delúbio Soares. Se tudo não passou de um “golpe” da direita contra o governo de Lula, por que uma medida tão dura contra Delúbio? Além disso, por que Lula se referiu a uma traição, a uma “punhalada nas costas”, quando da explosão do escândalo? E por que o PT depois voltou atrás e reincorporou Delúbio às suas fileiras?

 

A rigor, o que ocorreu não estava escrito, nem previsto. Jamais o lulismo imaginou que o esquema financeiro organizado viria a ser denunciado por um dos mais destacados deputados da tropa de choque do governo Lula, nos anos de 2003 e 2004. Justamente Roberto Jefferson, a quem o próprio Lula defendeu, destacando que sua confiança no ex-collorido o permitiria assinar “um cheque em branco” para ele.

 

Portanto, parece claro que o esquema financeiro ilegal existiu. E se esse esquema existiu, se milhões de reais passaram a fazer parte do circuito da política, quem os utilizou, quem decidia pela sua aplicação ou por decisões sobre a sua distribuição? Seria apenas o Delúbio?

 

Essas são perguntas incômodas de serem feitas. Lula, por exemplo, já afirmou que de nada sabia. Mas foi exatamente ele mesmo, Lula, quem resolveu o impasse final do acordo entre o PT e o PL, em 2002, garantindo a presença de José Alencar como candidato a vice-presidente na chapa petista. E a “magia” de Lula – José Dirceu e Valdemar Costa Neto, os presidentes das siglas, chegaram a declarar na ocasião que o acordo não havia sido possível – posteriormente se soube qual foi: a promessa de colocar R$ 30 milhões (!!!) na “caixinha” de campanha da aliança PT-PL.

 

Os advogados de José Dirceu, por sua vez, desde o início do processo afirmavam que o seu cliente jamais havia tido contato mais sério com Marcos Valério, talvez tendo apenas ocasionalmente e socialmente se encontrado com o publicitário. Posteriormente, com a comprovação de sucessivas reuniões com a participação de José Dirceu e de Marcos Valério, dentro do Palácio do Planalto, os advogados do ex-chefe da Casa Civil foram sucessivamente recuando, até finalmente admitirem que as reuniões, de fato, existiram, mas nelas o publicitário jamais havia se utilizado da palavra....Mais patético, impossível.

 

Agora, Dirceu e Genoíno se reivindicam presos políticos, tomados de amnésia com relação às suas responsabilidades nos últimos tempos. Dirceu, por exemplo, virou lobista empresarial de Carlos Slim, o bilionário mexicano, e de Eike Batista, o picareta que iludiu espertalhões do mundo financeiro com o apoio decisivo do próprio governo de Lula e também de Dilma. Pode ser que eles estivessem se reivindicando como políticos da direita, assim como Jefferson, assim como o impune FHC....Tudo é possível. Em meio ao imbróglio, e com toda a metamorfose dessa turma, toda a cautela do mundo é pouca na análise a ser feita. Mas é bom que se lembre: as investigações sobre as falcatruas da privatização dos tucanos não andoaram para frente porque jamais interessou ao lulismo mexer nesses casos.

 

O que estamos assistindo neste momento é apenas ao desenrolar de uma disputa política, que busca minimizar – na ótica dos lulistas – os prejuízos e as perdas que o processo do mensalão impõe. Contudo, não podemos abstrair a precariedade, as falhas e as gritantes injustiças que diariamente são praticadas pela própria Justiça, pelo dito Poder Judiciário.

 

Mas, convenhamos, os melhores exemplos da injusta Justiça brasileira não devem ser pinçados desse caso do mensalão.

 

A injustiça da nossa Justiça é contra os pobres. Temos hoje em nossos presídios mais de meio milhão de condenados. Desses, elevadíssimo percentual lá está por crimes relacionados com o uso e a venda de drogas ilegais, particularmente a maconha. A esmagadora maioria é composta por pobres, negros, jovens e com baixa escolaridade.

 

Recente pesquisa aponta, também, que, em 2012, no estado do Rio de Janeiro, 42% dos acusados de crimes (portanto, não condenados) ficaram na cadeia sem nenhuma razão, para serem absolvidos ou condenados a penas que não os levariam à prisão. Na verdade, o motivo desses acusados terem ficado na prisão de forma injusta é pelo fato de serem pobres, não terem como pagar advogados, e não terem também qualquer cobertura decente por parte do Estado, através da Defensoria Pública. E olha que estamos nos referindo ao “desenvolvido” Rio de Janeiro...

 

Enquanto isso, os ricos nadam de braçada. As grandes empresas oligopolistas fazem o que bem entendem, em nome da liberdade de mercado. A sonegação fiscal ou mecanismos de elisão fiscal são utilizados largamente. Os corruptores do mundo empresarial pintam e bordam na esfera política. Casos como o do Banestado, das relações da Delta Construtora e de Carlinhos Cachoeira com políticos notórios do PT, do PSDB e do PMDB, entre outros escândalos recentes, são abafados.

 

O objetivo parece ser o de deixar tudo como aí está. Afinal, na ótica dos ricos, em time que está ganhando não se deve mexer.

 

Parece que a luta política em torno do mensalão tem justamente esse objetivo: deixar tudo como aí está.

 

Paulo Passarinho, economista, é apresentador do Programa Faixa Livre.

Comentários   

0 #8 RE: A Luta Política do Mensalãosergio torres 28-07-2014 13:10
Em meio a crise do mensalão, vem, sem aviso, o Presidente Bush churrasquear com Lula, ou seja, veio dar a entender que nesse...ninguém deve tascar.
Citar
0 #7 Não gosto, então condeno.Fabio 26-11-2013 19:17
Parece claro que o esquema existiu? Basta parecer para condenar? Então vamos condenar Dirceu por ser lobista ? Não é o que foi julgado. Na verdade o que ocorre é que o sistema eleitoral no Brasil está podre e precisa ser modificado. Contaminará a todos ou assistiremos o tea party nacional tripudiar em nossa esquerda pudica.
Citar
0 #6 o valor de uma opiniao isentarodrigo ricoy dias 25-11-2013 10:53
O que e impagavel no correio da cidadania e a leitura de artigos preciosos como este, que nao tenta defender cpm argumentos pifios a perseguiçao politica ao Pt e seus membros. Tenho para mim que quem se diz de esquerda ja rompeu com o PT desde a reforma da previdencia. Tenho tambem para mim que orgaos de imprensa como a VEJA acabam por favorecer o PT com suas analises empobrecidas em que tudo se resume a ideologia politica. E preciso afirmar que a esquerda nao e o pt, e que o pt ha anos ja nao e de esquerda.
Citar
0 #5 RE: A Luta Política do MensalãoRicardo 22-11-2013 22:17
"...Se tudo não passou de um “golpe” da direita contra o governo de Lula, por que uma medida tão dura contra Delúbio? Além disso, por que Lula se referiu a uma traição, a uma “punhalada nas costas”..."
Houve caixa 2, e isso Delúbio e o PT admitiram que ocorreu. O golpe da mídia e da oposição foi fabricar um escândalo em cima disso, com mentiras e depois, condenações baseadas nessas mentiras, de que teria havido compra de votos de deputados e desvio de dinheiro público. Duas acusações falsas. Nos 7 anos de escandalização, do caso mais investigado da história do país, não conseguiram reunir uma única prova sequer desses crimes, pois não existiram, motivo pelo qual o STF teve até que apelar para a "teoria do domínio do fato" para condenar Dirceu.
Citar
0 #4 RE: A Luta Política do MensalãoRicardo 22-11-2013 21:50
O tesoureiro do PT fez empréstimos (2003/2204) com o publicitário Marcos Valério, certamente por indicação de quem já conhecia os esquemas do Valerioduto que abasteceu o caixa 2 do PSDB na eleição de 1998. Na ocasião houve ajuda financeira a partidos aliados usando esse dinheiro. Até aí não haveria nenhum problema, pois doação financeira é admitida pela lei eleitoral, desde que devidamente registrada, o que no caso, não foi feito. A falta de registro do dinheiro é que foi o fato irregular comprovado. O restante das denúncias foram fantasias e mentiras criadas por Roberto Jefferson, inimigo declarado de Dirceu e réu do processo do Mensalão (ou Mentirão, nome mais apropriado)e da mídia brasileira opositora ao governo, e levada adiante pelo STF. As duas acusações principais, de compra de votos de deputados e de desvio de dinheiro público são falsas. Se a compra de votos para aprovar projetos fosse verdadeira o STF teria que ter condenado boa parte do Congresso, pois para aprovação de qualquer projeto é necessário maioria de votos (a Câmara tem 513 deputados e o Senado 81 membros) e dos condenados, somente 4 são deputados e nenhum senador, sendo 2 deputados do próprio PT, que obviamente já votavam com o partido). Em relação a desvio de dinheiro público, mais uma farsa do julgamento, o STF teve a desfaçatez de dizer que o dinheiro da Visanet, uma empresa privada, era público, e com essa mentira condenou os petistas. A imprensa brasileira acobertou tudo e ocultou a verdade todo o tempo. Somente em mídia alternativa (blogs) e em poucos jornais/revistas se denunciou a farsa. Houve caixa 2 e o partido deveria ser julgado por isto, mas não por coisas que não ocorreram.
Citar
0 #3 do jeito que a direita gostam.a.p 22-11-2013 13:47
Artigo fraco, questiona apenas tecnicidades do STF no julgamento do "Mensalão" quando ao meu juizo o verdadeiro problema esta em sua origem.
Acompanhei parte do julgamento e não fiquei convencido da unicidade dos crimes, justificativa para queimar etapas ate o Supremo;sendo que somente 3réus teriam direito a esse "privilégio".
Julgamento de exceção transformou crime eleitoral no maior crime da República.
Citar
0 #2 RE: A Luta Política do MensalãoCila Freitas 22-11-2013 11:10
Contra os cidadãos brasileiros independente da classe, contra a dignidade, ética, moral... A justiça brasileira não e neutra, e nem poderia ser. Vejam com quem os politicos, magistrados andam...Enfim, sempre pesa para os pobres.
Citar
0 #1 RE: A Luta Política do Mensalãoraul milan 22-11-2013 08:07
Espero que em breve alguns historiadores possam escrever sobre o que foi esses dez anos de governo, em que uma quadrilha organizada, dominou e continua dominando o PT até hoje e que contribuiu decisivamente para a sua destruição, enquanto um instrumento duramente construído pela classe trabalhadora para a sua defesa. O lamentável é ver outros intelectuais sérios e ingênuos(?) lançarem o livro"Os 10 anos de governos pós-neoliberais".
Citar
0
0
0
s2sdefault