Após eleições municipais, Lula precisa ousar avanços para salvar seu governo
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- Antonio Martins
- 08/10/2024
Foto: Suamy Beydoun / AGIF/AFP
Título original: É preciso um governo Lula 3-B
I.
O governo Lula 3-A chocou-se contra um iceberg no domingo, 6, ao sofrer uma derrota eleitoral muito vasta. Sua rota ao desastre segue a de outros governantes que hesitam em enfrentar as novas forças que oprimem as sociedades – em especial, o rentismo –, desencantam os eleitores com a democracia e abrem espaço para a ultradireita e suas diversas formas de antipolítica. O fenômeno espalha-se pela Europa e Américas. Ocorreu (ou ocorre) com Alberto Fernández na Argentina, Gabriel Boric no Chile, Emmanuel Macron na França, Olaf Scholz na Alemanha, o Partido Democratico (ex-PCI) na Itália, os socialistas portugueses, o Syriza na Grécia e tantos outros.
A eleição ainda não acabou. Uma vitória — desejável e possível — de Guilherme Boulos na cidade mais influente do país pode amenizá-lo um pouco. Mas o essencial não mudará. O resultado abre de imediato a disputa por 2026 e terá efeitos sérios sobre a governabilidade de Lula, a ponto de abrir-se uma bifurcação. Ou o presidente opta por manter o caminho que escolheu por volta do terceiro mês de seu mandato – e neste caso terá ainda menos margem de manobra, pois seus adversários se fortaleceram; ou rompe o script, resgata os momentos de entusiasmo produzidos entre a vitória eleitoral e a posse apoteótica e apela à mobilização de suas bases. A trajetória também será pedregosa, mas permite reconstruir um horizonte político. É com tal hipótese que este texto trabalha.
II.
Vale examinar sinteticamente os números do pleito, para dissipar dúvidas sobre o sentido do resultado. As eleições municipais não refletem exatamente a correlação de forças entre os partidos (pois o poder local, conservador, pesa de modo exagerado); mas sinalizam tendências. O gráfico abaixo registra número de prefeituras obtidas pelos partidos à esquerda, entre 1985 e 2024. Nos primeiros 15 anos após a redemocratização, o volume de prefeitos(as) eleitos(as) cresce continuamente, passando de 40 a 430. É a época em que surgem novidades marcantes, como o “modo petista de governar” e, muito especialmente, os Orçamentos Participativos – hoje, na prática, abandonados. Mas a curva sobe ainda mais intensamente a partir da primeira chegada de Lula ao governo, e passa de 430 a 1.610 entre 2000 e 2012. Cai de modo abrupto nas duas eleições seguintes, com o golpe e os governos Temer e Bolsonaro.
Mas, em clara ruptura com o que ocorreu nos governos de esquerda anteriores, em 2024 o novo mandato de Lula não dá impulso relevante aos partidos que o apoiam. O PT aumenta ligeiramente o número de prefeituras (de 183 para 248, mas ainda assim abaixo dos 261 eleitos em 2016, ano do golpe contra Dilma). Com o PSB, dá-se o mesmo. Mas PDT, PCdoB, Rede e PSOL encolhem. No cômputo geral, os seis partidos alcançam, com Lula na Presidência, 728 eleitos – 10% a menos do que haviam alcançado sob Bolsonaro, há quatro anos.