O Ocidente contra a Síria, o Ocidente contra a Humanidade
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- Ramez Philippe Maalouf
- 06/09/2013
Não há palavras para descrever esta que certamente é a mais grave crise internacional desde os anos 1960. A guerra que o Ocidente, liderado pelos EUA, trava na Síria que, ao entrar no segundo round, com a possibilidade concreta de um ataque direto de Washington a Damasco, pode determinar a sorte de toda Humanidade pelas próximas décadas.
Há um grave impasse entre a superpotência nuclear e a Rússia. Por um lado, se a Rússia não impedir sob quaisquer meios um ataque dos EUA à Síria, sua existência como Estado estará ameaçada, pois Damasco é ainda o mais antigo e fiel aliado de Moscou, desde os anos 1950, no mundo árabe e no Mar Mediterrâneo, onde mantêm uma base naval. Um regime laico dócil ao Ocidente ou mesmo “extremista islâmico” instalado manu militari em Damasco poderá converter o território sírio numa “central de desestabilização” não apenas para o mundo árabe, mas também para o Cáucaso, Ásia Central e África, incendiando as fronteiras russa, indiana e chinesa, habitadas por muçulmanos. Isto poderá ocorrer mesmo se a Síria não for desintegrada territorialmente depois do ataque.
Por outro lado, se Barack Obama, presidente dos EUA, recuar (e já deu sinais de recuo, ainda que possam ser falsos), não importa sob qual justificativa, pode não apenas perder o mandato, como também poderá ser sucedido por um “radical” de extrema-direita (o que quer que isto signifique para os padrões dos EUA), com uma linha de governo ainda mais belicista.
Se a Rússia ceder e a Síria for atacada, significará que Israel servirá de modelo como Estado para o mundo não-Ocidental. Isto é, o Ocidente se verá livre para moldar nações e Estados com bases no exclusivismo étnico e/ou religioso. Toda a Humanidade estará ameaçada. As fronteiras entre os povos serão constituídas e construídas por ódio, segregação e sangue. O cerco à China e à Rússia, pelo Ocidente, se intensificará e estes dois países correm sério risco de se desintegrarem.
Por pior que seja o regime do Ba'ath, liderado pelo clã Assad, desde 1970, foi o governo que manteve na Síria um Estado soberano, a ponto de humilhar os EUA no Líbano nos anos 1980, quando o “País dos Cedros” estava ardendo nas chamas da invasão e ocupação israelense, iniciada em 1978. O regime do Ba'ath modernizou o país e respeitou e protegeu pluralismo étnico-religioso, cuja convivência sobrevive há mais de um milênio na Síria, tal como ocorria no Iraque até 2003, quando foi invadido pelos EUA.
A derrubada do governo de Bashar al-Assad teria efeitos catastróficos em todo o Levante. Abriria caminho para um ataque israelense ao Hizbollah (que expulsou as tropas de Israel do território libanês em 2000 e em 2006), com a possível invasão e ocupação militar do sul do Líbano, em cooperação com grupos armados salafistas e wahhabitas libaneses patrocinados pelas petromonarquias árabes e pelos EUA. Neste caso, há fortes chances de a comunidade xiita libanesa sofrer um processo de limpeza étnica. Também permitiria a Israel pôr em prática um velho projeto geopolítico sionista: expulsar/exterminar os palestinos de todo o território ocupado pelos israelenses. Intensificaria ainda as ações armadas dos “extremistas islâmicos” contra o governo sectário anti-sunita do Iraque. Assim sendo, o território sírio serviria de plataforma para um ataque direto ao Irã, cujo regime “islâmico” e nacionalista é aliado da China e da Rússia.
O resultado mais catastrófico seria a eliminação das comunidades religiosas não muçulmanas sunitas em todo o mundo árabe, além a “purificação étnica”, com a expulsão/extermínio das populações não árabes da região.
Diante deste quadro internacional dantesco, promovido pelo Ocidente, é inacreditável e inaceitável que a presidente brasileira Dilma Rousseff não tenha se pronunciado a favor da Síria, berço do Cristianismo e do primeiro império árabe-muçulmano da História. É preciso lembrar que há um grande número de descendentes de árabes em solo brasileiro, exercendo as mais diversas atividades: empresários, políticos, religiosos, médicos, professores, diplomatas, entre outros. Ignorá-los não é a decisão sábia para a líder da segunda maior nação das Américas.
O silêncio do Brasil será cobrado pelas comunidades árabes ao redor do mundo. E sendo o país o principal alvo da espionagem dos EUA, como divulgado pelo ex-funcionário do governo ianque Edward Snowden, poderá ser a “bola da vez” a médio prazo, se a agressão à Síria for bem sucedida.
A sociedade brasileira se caracteriza pela sua diversidade étnico-confessional, tal qual ocorre até os dias atuais na Síria e nos demais Estados árabes. Aceitar a limpeza étnica ou o genocídio de um povo que tem profundos laços com o Brasil passaria um péssimo sinal para a comunidade internacional. Além disto, a maior nação da América do Sul, com grandes recursos naturais e energéticos, continua cercada pelas potências da OTAN e aliados regionais: Colômbia; Guiana, ocupada pela França; Paraguai, sob um governo pró-EUA; Malvinas, ocupadas pela Inglaterra; além da IV Frota no Atlântico Sul. Desta forma, a indiferença brasileira à sorte da Síria poderá incentivar um maior “aperto” dos EUA sobre o continente sul-americano, cujos atuais governos do Uruguai, da Argentina e da Bolívia desafiam a hegemonia ianque.
Por este motivo, a guerra do Ocidente contra a Síria é também contra o Brasil e contra toda a Humanidade. Devemos todos nos opor a qualquer ato de barbárie, especialmente este.
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Ramez Philippe Maalouf é Historiador e doutorando em Geografia Humana pela USP