O que deu errado na luta por um meio ambiente equilibrado no Brasil?
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- Telma Monteiro
- 17/06/2017
Árvores boiam no Rio Xingu. Foto: Greenpeace
Não dá para pensar numa pauta Brasil sobre compromissos ambientais sem antes fazer uma breve retrospectiva de como surgiram as primeiras discussões internacionais sobre meio ambiente.
Primavera silenciosa
A partir de 1962, Rachel Carson produziu um estudo chamado Primavera Silenciosa, onde expôs a contaminação da cadeia alimentar por pesticidas nos EUA. Carson criticava o modelo do desenvolvimento econômico que impunha alterações ao ambiente ao exterminar espécies de insetos ou plantas. Pela primeira vez, na época, alguém teve coragem de tornar pública a contaminação e a vulnerabilidade do ambiente.
As gerações mais jovens, a partir desse momento que considero um marco, tomaram para si a responsabilidade de disseminar os prejuízos ao meio ambiente causados pela agroindústria e o uso indiscriminado dos, então, chamados “defensivos”. Junto vieram as questões da poluição urbana com o aumento do uso dos combustíveis fósseis.
Os limites do crescimento
Depois, em 1968, tivemos a Conferência de Paris, a Conferência Intergovernamental de Especialistas ou Conferência da Biosfera, calcada em bases científicas, organizada pela Unesco. Foi aí que surgiu o Clube de Roma, de cientistas, políticos e industriais preocupados com os rumos do crescimento econômico e com o uso crescente dos recursos naturais.
O Clube de Roma produziu o relatório intitulado “Os limites do crescimento” que mostrou como nos cem anos a partir dali a Terra alcançaria um limite e haveria o declínio da capacidade industrial, econômica e social. No entanto, esse limite que poderia acontecer só em 2068, parece que já está começando agora, antes de 2020.
Com a previsão dramática contida no relatório do Clube de Roma, a Conferência de Estocolmo, em 1972, produziu outro documento em que constaram 26 princípios para fazer frente às preocupações com os impactos do crescimento e do desenvolvimento sobre o meio ambiente. Foi aí que surgiu uma visão mais clara da necessidade da proteção ambiental e do direito humano ao meio ambiente saudável.
Nosso destino comum
Em 1987, outro relatório, “Nosso Destino Comum”, reconheceu pela primeira vez a natureza global dos problemas ambientais. A expressão “desenvolvimento sustentável” foi cunhada, viria a ser um mantra mundial das organizações sociais e se tornou a estrela da Rio-92. Na Rio-92, mais de 100 países consolidariam a Conferência de Estocolmo, de 1972, de onde saíram os acordos como a Convenção sobre o Clima, a Convenção sobre a Biodiversidade, a Carta da Terra e a famosa Agenda 21.
Mas, algo deu errado porque, a meu ver, houve um processo de desmonte dos compromissos ambientais desde a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92. As forças dos ambientalistas até então estavam calcadas em uma espécie de militância, de ideologia ambiental em torno dos compromissos assumidos desde 1968. A luta se dava para conquistar a opinião pública sobre a importância da questão ambiental na preservação do planeta.
Na Rio-92 sentiu-se uma atuação menos contundente por parte das ONGs e a ascensão do protagonismo dos governos e empresas na pauta ambiental. Um bom disfarce para cooptar o chamado “terceiro setor” e grandes ONGs fortalecidas, até então, pelos ativistas, princípios ambientalistas e trabalho voluntário. Assim, começou a morrer a independência das organizações frente ao poder privado e ao poder público. Captar recursos passou a ser o fim e não o meio. O corpo a corpo de ambientalistas ativistas contra grandes monstros poluidores passou a ser uma lenda.
Essa é uma tese que há muito venho perseguindo e desenvolvendo. As organizações não governamentais do mundo inteiro mantiveram seus discursos, mas passaram a receber recursos financeiros de Estados e de fundações criadas pelas grandes empresas. A partir desse momento houve um derrame de dinheiro em projetos de preservação do meio ambiente, tocados pelas ONGs, para minimizar prejuízos às imagens institucionais duramente atingidas no processo de conscientização ambiental crescente, e que minava o lucro das empresas e a credibilidade dos Estados.
Foi nesse contexto que o Brasil, como país emergente, assumiu compromissos na Rio-92 que não poderia cumprir. Ao contrário das grandes potências que relutaram em promover as mudanças necessárias às emissões, o Brasil aceitou o seu quinhão de sacrifício.
Assim chegamos à Rio+20
Quando chegamos à Rio +20 a casa não estava arrumada e os exemplos cunhados na Rio-92 não produziram acertos e os erros não encontraram soluções.
Foi um grande momento esperado pela sociedade para saber como os seus governantes iriam alterar os rumos que conduzem às catástrofes climáticas. Mesmo com os erros se acumulando desde 1972 e apesar do mea culpa coletivo na Rio-92, não foi possível impedir a arrogância do homem sobre a natureza. As lições não foram suficientes.
Temo que a Rio + 20 tenha sido uma última oportunidade de impedir a humanidade de chegar ao ponto sem volta. A consciência ecológica e o respeito à natureza ainda não alcançaram a sociedade como um todo e nem os dirigentes das maiores nações do mundo. O Brasil continua sendo um grande exemplo mundial do descaso com o meio ambiente, do desrespeito pelas populações indígenas e com o atraso da mentalidade das elites políticas.
São ainda poucos os antigos militantes ambientais nas grandes ONGs, que aos poucos estão sendo substituídos por recém-formados mal remunerados em busca de experiência para chegar até as grandes empresas poluidoras. Lá se tornarão executivos engravatados para carimbar uma tarja verde e conceder credibilidade na “missão social” das empresas.
Que saudades eu sinto dos anos 1970, quando lutávamos por um ambiente melhor. Foi nessa época que eu forcei fisicamente um grande executivo de uma grande empresa poluidora chamada Vulcan a enfiar os seus lindos sapatos de couro italiano na lama que produzira uma das unidades em Mogi das Cruzes.
O desastre da Samarco no Rio Doce.
O que o Brasil poderia fazer?
Apesar de o Brasil ser admirado internacionalmente como um país que explora fontes renováveis de energia, considero essa admiração um despropósito. Nossa matriz é calcada em energias fósseis ou produzida por hidrelétricas, construídas em rios e regiões que jamais recuperaram a biodiversidade perdida. Artificialmente, muitos desses projetos tentaram criar projetos sociais para gerar emprego e renda sem considerar a perda ambiental das próximas gerações. Um tapa-buraco meia boca chamado banalmente de “compensação ambiental”.
O Brasil, no entanto, está ainda engatinhando no quesito energia eólica e solar, apesar de termos, como mostram estudos variados de cientistas brasileiros e internacionais, recursos fartos dessas duas fontes, tanto no Sul, como no Nordeste. Bons ventos não faltam neste país continental. Guarnecido de uma riqueza extraordinária em biodiversidade, ao Brasil caberia um papel de protagonista mundial no desenvolvimento e uso das energias limpas, realmente renováveis. Esse protagonismo mostraria ao mundo o que é possível fazer para salvá-lo da destruição e da miséria.
Poderíamos tornar o mundo muito melhor, se não estivéssemos direcionando toda nossa energia emocional para combater a corrupção e a miséria resultante, que esfacelaram o Estado. Ainda vai levar muito tempo para juntar os cacos.
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Telma Monteiro
Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora