Ferrogrão: consolidando a invasão da Amazônia – Parte 1
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- Telma Monteiro
- 15/12/2021
Legenda foto: Traçado da Ferrogrão ou EF 170 - Terras Indígenas e Unidades de Conservação
Fonte: Mongabay
A calada da noite, em Brasília, é a mãe que pare decisões insanas do Congresso Nacional. (Telma Monteiro)
Só quem acompanha diuturnamente esse arremedo de desenvolvimento pretendido pelos últimos três governos brasileiros consegue entender a dinâmica da destruição da Amazônia. Para aquele que não acompanha o dia a dia e só vê fragmentos aqui e ali despejados por jornalistas falsamente perplexos, nunca vai captar a verdade.
A TV Globo se esmera em demonstrar, em matérias sobre a Natureza, uma profundidade de lâmina d’água sobre a biodiversidade da Amazônia. Pura falta de respeito.
Veja-se a Renca, aquela linha imaginária na forma de quadrilátero que congelou, em 1984, uma riqueza imensa de ouro e outros minérios, alguns trilhões de reais, de 42 milhões de hectares, divididos entre o Amapá e o Pará. Uma Portaria do MME tentou desbloquear a Renca, para sua exploração, em que a principal interessada é a Vale. A sociedade se mobilizou, alguns artistas “globais” e internacionais aproveitaram os palcos do Rock In Rio 2017 para incentivar o público a “salvar” a Amazônia.
Temer, para evitar maior desgaste, apareceu, então, com um decreto dizendo que não era bem assim. Só que é e sempre será assim. A poeira vai baixar e a Renca será desbloqueada num momento em que estivermos fragilizados por outros incontáveis problemas tão importantes como esse. A calada da noite em Brasília é a mãe que pare decisões insanas do Congresso Nacional. Veja a MP 795, batizada MP do Trilhão.
O caso da Renca foi, até agora, o último imbróglio mobilizador em defesa da Amazônia. Só que antes tivemos outros, como as hidrelétricas nos rios Madeira, Teles Pires, Xingu, todas na Amazônia e que a atingiram duramente. E a bacia do rio Tapajós também está ameaçada por seis hidrelétricas.
Unidades de Conservação foram reduzidas, terras indígenas afetadas, biodiversidade destruída, lençóis freáticos contaminados, populações compulsoriamente removidas de seus habitats, sazonalidades alteradas, igarapés contaminados, diminuição da pesca de subsistência. A mobilização foi quase nenhuma, desde 2003, fora os ambientalistas, ativistas, algumas ONGs e acadêmicos. Belo Monte conseguiu um pouco mais de visibilidade. Mas está aí, infelizmente.
A questão da mineradora canadense Belo Sun Mining, projeto para minerar 50 toneladas de ouro, só para começar, ao lado das obras da hidrelétrica Belo Monte e na divisa da Terra Indígena Paquiçamba, na Volta Grande de Xingu, também quase passou em brancas nuvens pela mídia. É mais um exemplo. Licenciada pelo governo do estado do Pará e com desconhecimento quase nulo por parte da opinião pública. Nem mereceu espaço “global” ou engajamento consistente internacional.
Como o mal nunca tem fim, estamos prestes a encarar mais uma ameaça na Amazônia. Já escrevi sobre a questão do Parque Nacional do Jamanxim que sofreu alteração. Agora já sabemos que é para viabilizar a Ferrogrão, entre outras coisas. O governo pretende licitar a Ferrogrão, em 2018, para aumentar o lucro do agronegócio na Amazônia Legal e impactar, novamente, 19 terras indígenas e unidades de conservação. Grandes empresas internacionais e nacionais já se compõem em consórcios para arrematar uma obra de R$ 12,5 bilhões. O governo já se movimenta para financiar, como sempre.
A estrada de ferro de 1.442 km vai seguir paralela à BR 163 que já atravessa o Parque Nacional do Jamanxim e levou à ocupação ilegal, comércio de madeira ilegal e grilagem na região. Mas a alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim deve "legalizar" tudo. Além da ferrovia para escoar os grãos do norte do Mato Grosso, estão previstos a construção de 54 pátios de carga e descarga e como se não bastasse, a BR 163 será totalmente recuperada.
Todos os detalhes de mais essa afronta à Amazônia ficam para a Parte 2 desta pesquisa.
Telma Monteiro
Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora