Ricardo Salles, Bolsonaro e o Big Bang ambiental no Brasil
- Detalhes
- Telma Monteiro
- 03/05/2019
A saga da luta contra a construção da hidrelétrica Belo Monte levou ao conhecimento do mundo as pressões que sofreram os povos tradicionais, as violações dos direitos indígenas, o descumprimento da Convenção 169, as invasões das terras indígenas, o crescimento incontrolável do desmatamento da Amazônia, a destruição dos grandes rios amazônicos, a mineração em unidades de conservação.
Tudo isso entrou na pauta, então, da Rio+20 e da mídia internacional, em 2012. Mas a pauta continua sendo atual. Pouca coisa mudou para melhor. Muita coisa mudou para pior. E vai continuar piorando, se as políticas das reservas ambientais, por exemplo, forem revistas, como anunciou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em Curitiba.
A construção da hidrelétrica Belo Monte e os enormes impactos provocados em terras indígenas, populações ribeirinhas, no rio Xingu e na Volta Grande, se tornaram símbolos da destruição provocada por interesses de empreiteiras e de governos corruptos. Isso aconteceu mesmo com uma legislação forte.
Depois de uma década e meia marcada pelo caos no trato das políticas ambientais – governos do PT e de Temer - quando achávamos que nada poderia vir de pior, surge o Big Bang ambiental criado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
É um tsunami de medidas que vai sepultar leis ambientais e desfazer todo um arcabouço de conhecimento desenvolvido pela sociedade civil, pesquisadores e cientistas para conscientizar a sociedade, formar lideranças, técnicos e ativistas.
Reconhecer a importância da preservação ambiental e a necessidade de mudanças de atitudes dos governos e da sociedade, frente ao clima, foram processos que custaram vidas de ícones do ativismo socioambiental como Chico Mendes (que Ricardo Salles disse não saber quem foi) e Dorothy Stang, para citar apenas dois.
Ricardo Salles está, agora, promovendo um desmantelamento da estrutura do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio). Deu início ao um Big Bang que nos levará a uma nova era de trevas. Afinal, os ambientalistas são uma escória esquerdista que se formou para atrapalhar o progresso do país, segundo o raciocínio fascista do ministro.
Ricardo Salles não entende de meio ambiente. Desrespeita cientistas, pesquisadores, ambientalistas e especialistas em mudanças climáticas. Considera a política ambiental “império da irracionalidade”, chamou de “visão ideológica distorcida” a luta pela preservação ambiental e vomita imbecilidades tais como serem as unidades de conservação um atraso para o desenvolvimento do país.
Demitiu pessoal técnico e apto do ICMBIO e o aparelhou com policiais militares. Ricardo Salles é um boneco de ventríloquo preparado para legitimar, com os instrumentos disponíveis no MMA, a destruição da Amazônia, das Unidades de Conservação e dos povos da floresta, escancarando as nossas riquezas intocáveis às mineradoras do mundo inteiro e ao agronegócio. Ricardo Salles é o “aspone” na antessala da ministra da Agricultura, para fazer o serviço sujo de transformar o MMA em “apêndice” do Ministério do Agronegócio – definição mais precisa da pasta da Agricultura.
Ricardo Salles é a gota d’água que transbordou o copo da desfaçatez do governo Bolsonaro. Ele é a escuridão, é um sofisma ao argumentar e usar raciocínios mentirosos que produzem uma ilusão de verdades, um simulacro de regras e de realidades para enganar.
Como se já não nos bastassem os golpes desferidos pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que vai retirar disciplinas como Filosofia e Sociologia do currículo das escolas e cortar as verbas das universidades federais; ou pela ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, preocupada com as cores das roupas das meninas e meninos, uma analogia à orientação sexual, ou de pregar a submissão da mulher ao homem; ou pelo retrocesso da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ao defender a liberação de 86 novos produtos elaborados com agrotóxico; ou pelo presidente da República ao incitar o assassinato sem punição de invasores de propriedades rurais; ou pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao criar um projeto de reforma da Previdência sem apresentar as planilhas com os números que levaram sua equipe a concluir o valor do rombo; ou pelo país se submeter aos humores de Olavo de Carvalho, autointitulado filósofo e guru do bolsonarismo e condecorado por Bolsonaro com a Ordem do Rio Branco; ou pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, coitado, que não conseguiu emplacar o projeto de combate ao crime e nem a si mesmo.
Some-se a isso um Congresso eleito na esteira de uma direita sem preparo, sem cultura básica e sem noção da importância de um projeto de futuro para as próximas gerações de brasileiros.
Somos 147 milhões de eleitores aptos no Brasil, 58 milhões elegeram Bolsonaro presidente, brasileiros que sequer poderão, um dia, dizer que foram enganados. Bolsonaro nunca escondeu a que vinha. E está cumprindo as promessas de campanha. Portanto, os 58 milhões de brasileiros que o elegeram são coniventes.
Esse presidente sinalizou que deixaria terra arrasada na floresta, nas escolas, nas universidades, nas famílias, no campo do conhecimento, na ciência, na conquista do respeito à diversidade étnica e sexual, nos direitos individuais e coletivos. Impossível chamar Bolsonaro de governante, ele não governou até agora, mas se deixa governar pela prole (zeroum, zerodois e zerotrês), por um Olavo, por um Guedes, por uma Tereza Cristina e o “seu” agronegócio, por mineradoras, pela crença religiosa presente no Estado que deveria ser laico, por um “deus” que deve “iluminar” o presidente do Banco do Brasil para baixar os juros para o agronegócio, e pelos militares.
Ele é mediano, semianalfabeto, não estudou a Constituição, apesar de ficar 27 anos vegetando na Câmara dos deputados na bancada evangélica, depois de, aos 33 anos, ser defenestrado do quartel por motivos ainda a esclarecer. Também ousou colocar as mulheres brasileiras à disposição, para “fazer sexo”, dos turistas internacionais, em uma das piores falas de um presidente da República já registradas. Ele superou o Trump!
Anos de ativismo sério no preparo da sociedade para enfrentar os riscos ambientais decorrentes das mudanças climáticas estão sendo jogados pelo ralo. Retrocesso é o nome. Agora o desastre é iminente. Para fechar com chave de ouro, eu não poderia deixar de mencionar as incríveis performances do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que visitaram uma mineradora de amianto em Minaçu (GO) e pediram a liberação do asbesto ou amianto que, no entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), é um mineral altamente cancerígeno.
A luta contra o amianto foi árdua, levou mais de duas décadas para que o STF, em 2017, concedesse a liminar decretando seu banimento e proibindo a sua utilização.
O retrocesso que pode vir das políticas coordenadas pelo governo Bolsonaro, a continuar nesse ritmo, deverá bater todos os recordes. Quanto às áreas prioritárias como saúde, segurança, emprego, infraestrutura, ele ainda não começou a governar!
Telma Monteiro
Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora