Correio da Cidadania

Carta dos caciques Munduruku

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Chefes Munduruku, Itaituba, Pará - Foto:Telma Monteiro

Preâmbulo

Já escrevi muito sobre os Munduruku e com eles estive em muitas ocasiões. Em todas elas a ameaça às suas terras e integridade foram objeto de preocupação e reivindicações. Neste momento em especial, os Munduruku estão ameaçados mais uma vez, agora pelo governo Bolsonaro, como comprova o manifesto que eles divulgaram e que reproduzimos adiante.

Quero, ainda, deixar aqui um trecho de uma poesia sobre os Munduruku e sua ligação com o rio Tapajós.

Da profanação do território sagrado dos Munduruku até o véu místico formado por centenas de cânticos e rimas que ecoam nas pedras e nas águas dos rios. A pressão dos engolidores de floresta acabará se perdendo nos escaninhos da história. O silêncio descerá sobre o lugar sagrado e a inocência se dissipará nas espumas. Ritos e cerimônias Munduruku não serão mais ouvidos e ecoados com o murmúrio das águas do rio Tapajós, poderoso e belo.

Carta dos caciques Munduruku

Ajebuyxi gu ekawen tup: o papel dos caciques

Nós, do povo Munduruku, estamos manifestando pelo desrespeito que das autoridades do nosso povo. Os pariwats garimpeiros e políticos estão explorando a nossa casa e o nosso território, agindo com suas mentiras, sem nos consultar.

Somos 14 mil Munduruku, um só povo e o nosso território é único. Karosakaybu e nossos antepassados que deixaram de herança para cuidarmos, vivermos e criarmos nossos filhos. Não apoiamos as leis e projetos que nos ameaçam.

A nossa luta não é de agora, é muito antiga. Cansamos de ouvir os pariwat falar que somos incapazes, e por isso, sempre mostramos a nossa capacidade. São os nossos antepassados que nos ajudam a proteger o nosso território.

Estamos aqui manifestando e pedindo socorro, porque os próprios políticos e vereadores estão nos matando, ajudando a poluir nossos rios, dialogando com governo em nome do nosso povo. Não aceitamos que nenhum vereador fale nem sobre regularização de garimpo e mineração nas nossas terras e nem sobre o processo de indenização das Itīn’a Wuy jugu (urnas funerárias do povo Munduruku). Nenhum vereador está autorizado a falar em nome do nosso povo Munduruku.

Temos o nosso protocolo de Consulta, de acordo com a 169 da OIT e antes de qualquer intenção que afete a vida do nosso povo tem que consultar os caciques, cacicas, lideranças, pajés, professores; até nossas crianças têm de ser ouvidas. Não aceitamos reuniões em Brasília só com pariwat. Qualquer decisão importante tem que ser tomada dentro do nosso território.

Cadê os projetos de lei voltados para o povo Munduruku?

Nós não negociamos a vida e o direito do nosso povo. Exigimos respeito. Não queremos que se repita o que já aconteceu no governo passado em Jacareacanga, que nós Munduruku manifestamos para defender nossos direitos e conseguimos reverter a demissão de 70 professores Munduruku.

Por isso, comunicamos a população de Jacareacanga que, são nossos parentes que dependem dos rios, peixes, roças, caças e da floresta para viver.

Estamos cansados de não sermos escutados. Cansados de esperar os políticos trazerem as informações. Sabemos que o governo atual está ameaçando nossos direitos, nosso território, nossa vida.

Queremos uma audiência urgente com os vereadores junto ao Ministério Público Federal, para que possam ouvir o que temos para falar.

Vamos continuar lutando na defesa dos nossos direitos e da vida do nosso povo!

Jacareacanga, 2 de outubro de 2019.

Telma Monteiro

Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora

Telma Monteiro
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