Correio da Cidadania

Mineração em terras indígenas: o PL 191/2020

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Como se não bastassem os impactos criados com a construção de hidrelétricas nos rios da Amazônia e que afetam diretamente populações tradicionais e terras indígenas, outra grande ameaça vai para a aprovação no Congresso: o PL 191/2020 que dispõe sobre a mineração em terras indígenas. “Regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas”.

Rio Xingu e títulos minerários em Roraima

São centenas de pedidos de autorização de pesquisa minerária em terras indígenas na região do rio Xingu próxima à localização hidrelétrica Belo Monte.

O Procurador Rodrigo Timoteo da Costa e Silva, do Ministério Público Federal de Roraima, recomendou em 14 de março de 2011, ao DNPM, que declarasse nulos os Títulos Minerários concedidos em terras indígenas no Território Nacional e indeferisse todos os pedidos de Pesquisa Mineral ou Requerimento de Lavra em terras indígenas. O MPF alegou ausência de regulamentação do disposto nos art. 176 §1º e 231, § 6º da CF/88. É justamente a ausência dessa regulamentação que deu o start ao PL 191/2020, enviado ao Congresso pelo presidente da República.

Sem a legislação infraconstitucional para disciplinar os artigos da CF sobre a exploração de atividade mineral nas terras indígenas, o MPF entendeu que todos os títulos minerários que incidem sobre elas deviam ser anulados. A recomendação se baseou no Plano de Mineração 2030 elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) que prevê a exploração de mineração em terras indígenas.

O Brasil, em especial a Amazônia, é uma das regiões mais ricas do mundo em minérios como nióbio, bauxita e ouro, além dos hidrocarbonetos. Há anos acontece uma verdadeira corrida minerária na bacia hidrográfica do rio Xingu e Tapajós e que ameaça a integridade dos territórios indígenas.

Na região de Altamira, próximo da localização de Belo Monte, há 18 empresas com requerimento para pesquisa, sete com autorização de pesquisa e uma com concessão de lavra para extração de estanho. Uma delas é a Vale que tem requerimento para mineração de ouro. São ao todo 70 processos na área. Dos 773 mil hectares delimitados, 496,3 mil hectares são alvo de interesses na extração de minério, o que representa 63% do território indígena.

Algumas empresas mineradoras têm títulos incidentes, inclusive, na TI Apyterewa. Entre elas a Vale, Samaúma Exportação e Importação Ltda., Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara. Se depender de setores do governo, como o MME, a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — será uma realidade em terras indígenas (1), num futuro bem próximo.

Além do Plano de Mineração 2030, oficializado pelo governo (PT), está tramitando no Congresso Nacional o projeto de Lei 1610/96 que regulamenta a exploração de recursos minerais em terras indígenas, e sempre esteve latente uma grande pressão para que seja aprovado. Nos últimos anos aconteceu uma sequência de descobertas de jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio, entre outros minerais mais nobres, na região de Belo Monte. Mineração que impactaria diretamente as terras indígenas.

Estrategistas militares, que remontam à época da ditadura, estão defendendo há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e a sua exploração, com a regulamentação dos artigos da CF. O objetivo é evitar que terras indígenas sejam territórios fechados e inacessíveis, o que impede a exploração das riquezas minerais. Querem evitar que exemplos como o da Reserva Ianomâmi aconteçam em outros territórios.

Nas terras indígenas da região do Xingu, próximas a Belo Monte, estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio – utilizado em usinas nucleares – cobre, fósforo, fosfato. Implantado o projeto de Belo Monte, viabilizará a mineração em terras indígenas.

A história das tentativas de minerar em terras indígenas pós-CF de 1988

O primeiro projeto sobre mineração em terras indígenas data de 1989. Logo depois de promulgada a Constituição Federal que deixou a brecha que vem sendo explorada desde então, na tentativa de regulamentação do tema. O autor desse primeiro projeto foi o então senador Severo Gomes. Embora aprovado pelo Senado em 1990, o projeto foi remetido à Câmara que o arquivou.

Outro projeto sobre a regulamentação da mineração em terras indígenas foi apresentado em 1991 (PL 2057), dando continuidade à necessidade de regulamentação do artigo da CF, sobre os direitos dos indígenas sobre suas terras. Esse PL propôs a criação do Estatuto das Sociedades Indígenas. Novamente, mais uma tentativa de inserir a mineração em terras indígenas. Além desse, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) também tentou apensar um substitutivo ao PL 2057, mas que não teve continuidade e acabou não sendo votado.

O Congresso não desistiria. Outro projeto surgiu sob a batuta de Romero Jucá, em 1995, (PL 121) com o mesmo tema, a mineração em terras indígenas. Esse foi aprovado, então, pelo Senado e transformou-se no PL 1610/96, como é conhecido até hoje. Mas, não parou por ai, pois as tentativas continuaram ao longo de 2006, 2007, 2008, sempre com novas propostas dentro do PL1610, mas com um único objetivo: minerar as riquezas no subsolo das terras indígenas.

A consulta

O Instituto Socioambiental ISA divulgou que há 1835 requerimentos de pesquisa mineral em TIs, que tinham sido aprovados antes da CF de 1988. Mais 2792 foram protocolizados depois, além de 244 títulos minerários sobre 41 terras indígenas.

Os indígenas, no entanto, podem concordar ou não com a mineração em suas terras de acordo com o texto da CF. Portanto, nesse caso não restam dúvidas que o que prevalece, segundo a consulta é a autodeterminação. Seu direito de não concordar está implícito.

Ao regulamentar o artigo da CF é preciso ter claro que, se houver concordância dos indígenas, há que se preocupar com que tipo de empresas procederão à exploração. Sua idoneidade, capacitação, e principalmente, currículo que confirme sua política de preservação, recuperação ambiental e respeito às comunidades afetadas.

Alguns textos já apresentados preveem licitação em obediência à lei 8666/1993 que rege licitações e contratos públicos. Imprescindível. Há histórias trágicas demais que sacrificaram vidas, comunidades e meio ambiente como os casos criminosos da mineradora Vale em Mariana e Brumadinho.

O PL 191/2020

O PL 191/2020 enviado à Câmara em caráter de urgência pelo chefe do executivo para regulamentar o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição “para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas” é mais complexo e perigoso que os seus antecessores.

Importante informar que o texto do PL 191/2020, encaminhado ao Congresso pelo presidente da República, foi elaborado pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Ministério da Justiça, assinado respectivamente pelo ministro Bento Albuquerque e pelo ministro Sérgio Moro.

Diferente dos anteriores, além da mineração, o PL 191/2020 contempla a exploração dos hidrocarbonetos, dos recursos hídricos com o fim de exploração de energia hidrelétrica nos rios em terras indígenas e “indenização” pela restrição do uso.

No parágrafo segundo do Art. 231 da CF fica claro que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” o que difere da proposta do PL 191 que fala em “indenização”.

Outros pontos importantes e preocupantes, que trata o PL 191/2020 são: as terras ocupadas por indígenas em isolamento voluntário; a constituição de um “conselho curador - colegiado de natureza privada composto exclusivamente por indígenas, conforme disposto no art. 24, constituído para cada terra indígena em que forem autorizadas, pelo Congresso Nacional, as atividades de que trata esta Lei”.

No artigo 3º que menciona “condições específicas para a pesquisa e a lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas”, item III, insere a autorização do Congresso Nacional para o desenvolvimento das atividades previstas no caput em terras indígenas indicadas pelo presidente da República. Configura-se ai, a meu ver, um autoritarismo do presidente, inconcebível nesse caso, como condição específica.

Outra distorção está no parágrafo 3º do Art. 5º do PL 191/2020, que determina que o estudo prévio poderá ser elaborado mesmo que não seja obtida a concordância do ingresso na terra indígena para obtenção de dados. Ou seja, o projeto terá continuidade independente da anuência dos indígenas e com salvo-conduto para pesquisa em suas terras.

O Art. 14 do PL 191/2020 diz que “compete ao Presidente da República encaminhar ao Congresso Nacional pedido de autorização para a realização das atividades previstas nesta Lei em terras indígenas”. Porém, o parágrafo 2º diz que mesmo que as comunidades indígenas sejam contrárias, o pedido poderá ser encaminhado. Presidente déspota com poderes ilimitados sobre os povos indígenas e suas terras.

§ 2º O pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado.

Já o Art. 9º atribui ao Poder Executivo federal o poder, concluído o estudo prévio, de escolher as áreas adequadas para as pesquisas e lavra de recursos minerais, hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica. Mais um reforço no autoritarismo e centralismo do presidente da República que aí se conflagra.

Mais uma alteração bastante despótica se dá no PL 191, no que se refere à Lei nº 6.001, de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, Art. 22, que sofre o acréscimo do Art. 22‐A que vai permitir o “exercício de atividades econômicas pelos índios em suas terras, tais como agricultura, pecuária, extrativismo e turismo, respeitada a legislação específica”.

Para encerrar, eu ainda acrescento, quanto à Lei 6001, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, o seu Art. 44, que é revogado totalmente pelo PL 191/2020, atribui aos indígenas a exclusividade da exploração das riquezas do solo.

Cito abaixo os artigos da Constituição a serem alterados pelo PL 191/2020:

Art. 231.

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

Art. 176.

As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Referências:

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/201cninguem-vai-parar-de-lutar-nao-ninguem-vai-vender-a-terra-mae-que-cria-a-gente201d-diz-lider-em-audiencia-publica-sobre-mineracao-em-terras-indigenas 

https://www.camara.leg.br/noticias/583890-DEBATEDORES-SAO-CONTRARIOS-A-MINERACAO-EM-TERRAS-INDIGENAS
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/mineracao-em-terras-indigenas-exige-consentimento-dos-povos-afirma-relatora-da-onu 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521457-amazonia-em-perigo-o-novo-marco-da-mineracao-telma-monteiro- 

http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/Revista-Estudos-e-Pesquisas/revista_estudos_pesquisas4_n2/Artigo_6_Melissa_Volpato_Aspectos_legais_da_mineracao.pdf   

https://brasil.mylex.net/legislacao/constituicao-federal-cf-art231_10920.html 

Telma Monteiro

Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora

Telma Monteiro
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