Correio da Cidadania


Ferrogrão está menos atrativa para os investidores

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Imagem EIA da Ferrogrão - Parque Nacional do Jamanxim

A Ferrogrão está cada vez menos atrativa para os investidores. O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou de pauta – sine die - o julgamento da ADIN sobre a EF-170 que teria acontecido no dia 15 de junho de 2022. Só para atualizar, em março de 2021, provocado por um pedido do PSOL ao STF, o projeto foi paralisado por uma liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Moraes. Afinal, uma ferrovia de 933 km para atravessar no sentido Norte-Sul o Parque Nacional do Jamanxim, uma Unidade de Conservação Federal de restrição total, não é algo que passe desapercebido pela comunidade internacional de olho no desmatamento da Amazônia.

Além desse desgaste, existe nos bastidores a preocupação com os custos da ferrovia, que já estão estimados em mais de R$ 20 bilhões, com viés de alta. Explicações? Sim, muitas. Entre elas a extensão da Ferrogrão que, de tão longa e sem terminais ao longo do traçado, poderia levar alguns anos para ser concluída sem que se tenha uma real noção dos custos. O projeto é mal pensado, segundo analistas do setor. Sem previsão atualizada de custos, considerando, inclusive, as questões ambientais e os impactos negativos sobre a floresta e as terras indígenas.

Mas, mesmo com as investidas do governo federal para agilizar a decisão no STF, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, resolveu deixar o julgamento para depois das eleições de 2022. O movimento da bancada ruralista do Congresso Nacional não foi suficiente para pressionar o STF. Na minha análise, qualquer que fosse o resultado do julgamento, ele seria usado na campanha da reeleição de Bolsonaro. Se a Ferrogrão fosse liberada pelo STF, seria uma vitória para o governo e o agronegócio. Mas, se ao contrário, o plenário mantivesse a decisão de que alterar os limites do PARNA Jamanxim é inconstitucional, Bolsonaro jogaria para a plateia a “perseguição” ao seu governo. A atitude do STF de não julgar agora a questão foi acertada.

O governo brasileiro não se preocupou com a importância da biodiversidade no traçado da Ferrogrão, no Corredor de Sociobiodiversidade do Xingu (CSX), na Amazônia oriental, desconsiderando os impactos ambientais e sociais. A prova disso é a aprovação do traçado que corta o PARNA Jamanxim. A sucessão de erros iniciada no governo de Dilma Rousseff, com a edição da MP758/2016 que virou a lei inconstitucional 13.452/2017 para desafetar o Parque Nacional do Jamanxim, acabou por violar os artigos 216, 225, §1º, inciso III e 231 da Constituição Federal. Motivos mais que suficientes para que Alexandre de Moraes concedesse a liminar que paralisou o projeto, em março de 2021.

Interessados na Ferrogrão

Apesar do empenho do governo federal e do ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, no Roadshow de ofertas de projetos de infraestrutura, que percorreu de Nova Iorque à Dubai, passando por Espanha e França, não houve nenhum interessado na Ferrogrão, oficialmente. O Fundo Mubadala, se mostrou fracamente interessado na Ferrogrão e acenou positivamente ao então ministro. O Mubadala é um Fundo Soberano, investidor com grande variedade de ativos, em setores diversos e muitas regiões do mundo, que tem em sua carteira desde petróleo, gás, infraestrutura, com o único fim de beneficiar os Emirados Árabes Unidos. O Fundo chegou a adquirir, recentemente, uma refinaria da Petrobras na Bahia.

Ainda sobre o Mubadala, é importante ressaltar que ele pretende disputar os leilões de concessão rodoviária no Brasil. O Metrô do Rio de Janeiro (Metrô Rio e empresa Metrô Barra) já é empresa subsidiária desse Fundo que foi criado em 2008, com sede em Abu Dhabi. O Mubadala tem investimentos em defesa, energia e mineração em mais de 50 países. No Brasil o fundo está de olho em portos, estradas, óleo e gás, logística e participou de licitação para aquisição de uma rede de gasodutos no Nordeste. O Mubadala é um negócio de US$ 243 bilhões distribuídos em seis continentes e está mirando seriamente o Brasil.

Em tempo, vale mencionar que o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, esteve reunido na sede do fundo Mubadala, em Abu Dhabi, em fevereiro deste ano (2022), com o fim de atrair recursos para projetos que envolvem etanol, fertilizantes, mercado de carbono e infraestrutura. De olho na Ferrogrão, o Mubadala, não se comprometeu ainda, talvez aguardando a decisão do STF sobre a ação de inconstitucionalidade.

Outro grupo que se mostrou interessado na Ferrogrão é a Citic, empresa de investimentos que pertence ao governo chinês, considerado um fundo-Estado com uma carteira de US$ 1,4 trilhão. Há entendimento no governo de que aos chineses interessaria muito a ferrovia, levando-se em conta a necessidade de escoamento de grãos.

Aproveitando a oportunidade, é importante mencionar nesse contexto a atuação da empresa Hidrovias do Brasil envolvida em aquisições e parcerias no setor de transporte hidroviário. De olho no fluxo de grãos para o Arco Norte, se a Ferrogrão sair do papel, o governo brasileiro pode tirar da gaveta o Complexo Tapajós, com as hidrelétricas e eclusas. A Hidrovias do Brasil, adquirida pelo Pátria Investimentos, tem na mira a Integração Logística (AL).

Informações prévias e conclusão

A Ferrogrão começa com um projeto falho e acaba com o não cumprimento da legislação socioambiental, aí incluídos os impactos negativos sobre as terras indígenas e o aumento do desmatamento. Apesar da alteração da licitação para concessão simplificada e a ausência de interesse demonstrado por grandes investidores e empresas nacionais e internacionais, um fato chama nossa atenção: a habilitação oficial de uma pequena empresa nacional, sem histórico comprovado de obras de grande porte, com um capital social incompatível com as dimensões e abrangência da obra. Como uma empresa local sediada na cidade de Sorriso, MT, pequena construtora de casas populares, pode sustentar financeiramente tal empreitada?

Uma teoria, no entanto, não pode ser descartada. A Ferrogrão, projetada para ter 933 km para ligar Sinop (MT) à Miritituba (PA), como já mencionado acima, levaria alguns anos para ser concluída, portanto sem que o aporte de investimentos necessário seja dimensionado com precisão. A Zion Real Estate Ltda. ME, a empresa habilitada (segundo a publicação Diário Oficial da União, em 24 de janeiro de 2022, com assinatura de Marcelo Sampaio Cunha Filho, atual ministro da Infraestrutura) pelo Ministério da Infraestrutura, ainda sob a administração do ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (atual candidato ao governo do estado de São Paulo). O ponto que mais chama a atenção nessa habilitação/autorização é que ela foi concedida fora do padrão proposto inicialmente, ou seja, um projeto único sem intersecções.

Na publicação do Diário Oficial da União, no entanto, consta que a Ferrogrão foi desmembrada em três etapas ou trechos, e considerada como três estradas de ferro:

1. “autorização para construção e exploração de Estrada de Ferro entre os municípios de Sinop/MT e o município de Moraes Almeida/PA, pelo prazo de 99 anos”;

2. “autorização para construção e exploração de Estrada de Ferro entre os municípios de Moraes Almeida/PA e o município de Novo Paraná (PA), pelo prazo de 99 anos”;

3. “autorização para construção e exploração de Estrada de Ferro entre os municípios de Novo Paraná (PA) e o município de Miritituba (PA), pelo prazo de 99 anos”.


Facsimile da publicação no DO da União

Essa partição da Ferrogrão, pode explicar alguns pontos:

1. A Zion pode ser apenas uma “cobertura” para espera de alguma outra ou algumas outras empresas brasileiras/investidores internacionais;

2. A partição em três trechos facilitaria que armazéns, pátios, centrais intermodais fossem construídos, possibilitando que além de grãos, pudesse ser transportado minério para o Arco Norte;

3. Poderia, também, haver três empresas diferentes interessadas, uma para cada trecho;

4. Análises dão conta que sendo as safras de grãos sazonais, poderia acarretar períodos em que a Ferrogrão teria alto índice de ociosidade e um custo operacional maior, não absorvível pela concessionária;

5. Outro ponto importante é que, com três trechos, haveria impactos não dimensionados com uma ocupação desordenada maior e a construção de mais rodovias/ferrovias, aumentando o desmatamento em direção ao Xingu (para leste) e em direção aos Munduruku (oeste);

6. Com o crescimento das áreas de ocupação, desmatamento e avanço do agronegócio, mais impactos atingiriam as terras indígenas, além da expansão do garimpo e mineração.


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Telma Monteiro

Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora

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