O Indígena da Terra Tanaru: símbolo da resistência de um povo quase extinto
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- Telma Monteiro
- 02/09/2022
Foto: Renato Soares - 2018
Nota da Redação
O artigo foi escrito pela ambientalista e colunista do Correio, Telma Monteiro, em 16 de abril de 2009. O índio do buraco foi o último de um povo e uma etnia que nunca tiveram seus nomes revelados. Viveu quase 30 anos em isolamento total numa área que perpassa quatro municípios de Rondônia. Seus últimos parentes foram mortos em 1995 e desde então ele, também conhecido como índio Tanaru, sempre resistiu ao contato com o homem civilizado. Morreu em sua rede, dentro de uma das 53 cabanas de palhoça que a Funai contabilizou em todo o período de monitoramento do aldeado.
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Um único indígena, remanescente de uma etnia desconhecida, ameaçado pelo Complexo do Madeira, se abriga e sobrevive da floresta amazônica, fugindo de qualquer forma de contato com outra cultura. O legado do seu conhecimento ancestral será reconhecido, no futuro, apenas pelos vestígios que deixará.
Estudos feitos pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé em colaboração com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) confirmaram a presença, na Terra Indígena Tanaru, de um único indivíduo, remanescente de uma etnia de povo indígena isolado, nômade, que sobrevive no interior da floresta e que representa um verdadeiro símbolo de resistência. Ele é conhecido vulgarmente como Índio do Buraco devido à forma como se abriga, usando uma cova cavada no centro da maloca.
Indígenas isolados ou em isolamento voluntário são aqueles sobre os quais se tem pouca ou nenhuma informação. Os povos indígenas em isolamento voluntário evitam qualquer contato com a sociedade e buscam seu isolamento no interior das florestas tropicais de difícil acesso. Eles defendem seus territórios e protegem a biodiversidade de regiões intactas dentro da Amazônia e, ao permanecerem em isolamento voluntário, garantem a preservação dos recursos naturais indispensáveis a sua sobrevivência
No estado de Rondônia foram identificados nove grupos indígenas em isolamento voluntário, dos quais quatro estão na bacia do rio Madeira: no interior da Floresta Nacional de “Bom Futuro”, da Reserva Biológica do Jarú e nas sub-bacias dos rios Jaci Paraná e Candeias, mais especificamente nas áreas de influência das Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau.
Os impulsores dos grandes interesses nos recursos hídricos para geração de energia, a destruição das florestas para exploração da madeira e pela expansão agropecuária e as atividades minerárias em terras indígenas, acabaram, ao longo da história, por exterminar a maioria dos povos isolados e colocar em perigo outros ainda não contatados ou em contato inicial.
A proteção aos povos indígenas isolados e em contato inicial, na Amazônia, e o respeito à sua autodeterminação – autonomia, heteronomia e liberdade - ao direito de isolamento, revertem em preservação dos recursos naturais
Organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU/UNESCO) já se manifestaram quanto à imprescindibilidade de preservação do patrimônio cultural imaterial dos povos indígenas, através da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003). Outros instrumentos como a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural (2001) e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005) reconhecem que os sistemas de conhecimento tradicionais são parte integrante do patrimônio cultural da humanidade e que é um imperativo ético protegê-los e promovê-los[1]. Vai nesse sentido, então, a necessidade da criação, pelos Estados, de políticas de proteção que assegurem a sobrevivência dos povos isolados.
A identificação dos seus territórios e a promoção de mecanismos que possam tirar de risco de extinção esses povos, são tratadas, ainda, de forma tímida pelos governos dos países da Amazônia. Em 2006, foi realizado em Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, um seminário para tratar especificamente dos isolados e de formas de proteção e reconhecimento dos seus direitos.
Peru e Brasil já fizeram algumas propostas de construção de um arcabouço jurídico, com sistemas de proteção e prevenção para garantir os direitos específicos dos povos indígenas e que possam, em tempo, conter a situação de debilidade crescente que os aflige. Ficou claro no seminário de 2006, ser necessário promover formas de sensibilização da comunidade internacional e mostrar as situações de violações de territórios indígenas de povos não contatados. A fragilidade desses povos diante da violação dos seus direitos causada pelo atual modelo de desenvolvimento, felizmente começa a ganhar maior espaço nas discussões dentro dos organismos de proteção dos direitos humanos e da sociedade civil.
Neste momento é preciso ainda identificar e suprir a ausência de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que visem garantir a “proteção física, cultural e territorial dos povos indígenas isolados e em contato inicial”[2]. A proteção desses povos requer, principalmente, o compromisso dos governos e das diferentes instâncias governamentais no implemento de ações concretas que levem a resultados eficazes e em curto prazo.
É importante reforçar os mecanismos legais e administrativos que garantam e potencializem o reconhecimento dos direitos fundamentais dos povos indígenas em isolamento ou em contato inicial. Direitos específicos como o direito à autodeterminação, ao território próprio, à sua cultura e modo de vida e ao seu desenvolvimento têm de ser reforçados com medidas imediatas de proteção para evitar as agressões de que estão sendo alvo.
A construção de rodovias como a BR 429 e a BR 319, projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), no coração da Amazônia e os financiamentos por parte de bancos e organismos multilaterais de grandes obras de infraestrutura, são exemplos, hoje, das graves ameaças aos povos indígenas em isolamento voluntário.
Aproveitando o dia 19 de abril, Dia do Índio no nosso calendário, é oportuno dar visibilidade à existência desses povos e fazer um alerta sobre os riscos à sua sobrevivência causados por empresas mineradoras, projetos hidrelétricos, extrativismo predatório, monoculturas, madeireiros e grupos religiosos que buscam o contato para promover sua evangelização.
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[1] Conhecimentos Tradicionais – http://www.brasilia.unesco.org
[2] Pueblos Indígenas en Aislamento Voluntario y contacto inicial en La Amazônia y El Gran Chaco
Telma Monteiro
Ativista sócio-ambiental, pesquisadora e educadora